Notícias

Puxados por herdeiros, filantropia e investimento de impacto ganham relevo no wealth management

Quarta, 11 Dezembro 2019

Uma onda ganha força no mar das famílias brasileiras super ricas: herdeiros de segunda, terceira e quarta gerações estão cada vez mais interessados em investimentos que gerem não só rendimentos, mas também melhorias na sociedade.

E não se trata só de aceitar sugestões; eles vêm cobrando mais alternativas de gestores, banqueiros, consultores e advogados, alguns dos quais ouvidos pelo Valor Investe nas últimas semanas.

Seja por meio de filantropia, fundações e institutos ou investimentos de impacto – em educação ou meio ambiente, por exemplo –, já não basta para especialistas em wealth management (gestão de riquezas) gerar retorno; é preciso desenhar e pôr em prática maneiras de deixar marcas na comunidade.

“As famílias estão cada vez mais imbuídas de criar um legado, especialmente as segundas e terceiras gerações. Há uma vontade crescente de fazer coisas que gerem valor”, diz a advogada Mariana Oiticica.
Sócia do BTG Pactual e chefe da área de planejamento patrimonial, com cerca de R$ 160 bilhões sob gestão – e, curiosidade, sobrinha-neta do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) –, Mariana afirma que essa preocupação vem crescendo entre seu público: cerca de 400 pessoas ou famílias com patrimônio superior a R$ 30 milhões e demandas de sucessão, governança, investimentos de impacto e filantropia.

“Normalmente, os parentes se perguntam: ‘o que a nossa família quer deixar para a sociedade?’. E aí vem a discussão: filantropia? Investimento de impacto? Um instituto? Vai ser algo pessoal, com protagonismo do sobrenome, ou algo anônimo? E que causa vamos abraçar?”, ela detalha.

A advogada Priscila Pasqualin reforça essa percepção. Especializada nas demandas jurídicas em torno desses investimentos, como a constituição de fundos patrimoniais e de estruturas de doações, ela diz que cresceram muito as solicitações de sua clientela por investimentos com propósito.

Priscila é a sócia responsável pela área de filantropia, investimento social e terceiro setor do escritório paulistano PLKC Advogados. Também é assessora jurídica da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, liderada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), e participou da redação da Lei 13.800/19, que prevê condições e incentivos para fundos patrimoniais, os “endowment funds”.

Às voltas com famílias, empresas e instituições – inclusive públicas –, ela também credita esse movimento às novas gerações e vê nele algo capaz de sobreviver às casualidades da política.

“Vivemos um tempo interessante: tanto as empresas grandes quanto os herdeiros de segunda, terceira ou quarta gerações têm tido um olhar mais focado no propósito e na responsabilidade. E cerca de 90% dos meus clientes estão em filantropia estratégica ou em investimento de impacto, não em assistencialismo. É um movimento que não perdeu tração mesmo sob um governo hostil com as instituições”, afirma Priscila.

Esse crescimento, segundo ela, acontece em várias vias, “desde levar a discussão aos conselhos de administração das empresas familiares até exigir do gestor dos investimentos pessoais opções que priorizem esse critério na formação das carteiras”.

As especialistas lembram que, como quase tudo que diz respeito a investir no Brasil em 2019, o aumento na procura por aplicações responsáveis também é parcialmente reflexo da queda dos juros. Afinal, se eu, milionário ou bilionário, preciso me expôr mais para obter retornos, aquele risco do investimento de impacto passa a ser menos desconvidativo do que era quando deixar o dinheiro na poupança foi opção.

Que assuntos sensibilizam os super ricos?

Entre os temas que cativam os clientes de wealth management no Brasil estão educação, meio ambiente e inclusão.

“Educação, sem dúvida. Depois: empregabilidade, saneamento, inclusão de minorias e saúde”, detalha a advogada Priscila Pasqualin.
“Em filantropia, educação e saúde. Em investimento de impacto, o ambiental, muitas vezes vêm de famílias cujas empresas são emissoras de poluentes”, reforça Mariana Oiticica, do BTG Pactual. Daí a procura dos herdeiros por energia eólica, conservação de florestas e fomento a cooperativas de reciclagem.

Segundo Mariana, a preferência deriva também de limitações regulatórias; “no Brasil, é mais fácil escalar investimentos ambientais que sociais”. Ela espera que o marco regulatório do saneamento, em discussão no Congresso, torne o segmento mais atrativo.

Movimento global

A tendência de fortalecimento dos investimentos ESG (sigla em inglês para “environmental, social and governance”) replica um movimento global.

Um levantamento recente do banco suíço UBS e da firma de auditoria PwC viu “um aumento do interesse dos bilionários self-made (empreendedores, não herdeiros) por opções para melhorar o mundo; doações tradicionais estão dando lugar à filantropia estratégica”.

Nos EUA, são US$ 12 trilhões investidos em sustentabilidade hoje, segundo a entidade Global Sustainable Investment Alliance. Eram US$ 8,7 trilhões em 2016 e US$ 6,5 trilhões em 2014.

Dois estudos – um da ONU e outro do Global Impact Investment Network – segmentam a análise e mostram que só os investimentos de impacto social e ambiental já montam US$ 1,3 trilhão nos EUA, contra US$ 800 bilhões em 2014, e que 66% dos investidores se contentam com retornos iguais aos da média do mercado.

Mas o quanto isso representa do total?

“Hoje, a cada US$ 4 investidos nos EUA, US$ 1 é para investimentos em sustentabilidade. Em 2014, eram US$ 6 para US$ 1, e, em 2012, eram US$ 9 para US$ 1”, detalha Thomaz Fortes, gestor de fundos da Warren, citando dados do banco americano Morgan Stanley.
Por aqui, ele diz, o movimento ainda deve ganhar tração. “Tenho visto mais herdeiros defendendo investimentos responsáveis. São pessoas com influência e poder aquisitivo que, sozinhas, não vão mudar muito, mas que podem simbolizar junto a uma nova geração a preocupação de investir com base em valores.”

Exemplo é o Generation Pledge (algo como Compromisso de Geração), um projeto da psicóloga Marina Feffer, uma das herdeiras da fabricante de papel e celulose Suzano, que consiste em reunir sucessores em um compromisso de doar 10% da herança, como descreveu à repórter Vanessa Adachi, do Valor.

Não rendem (tão) menos

O interesse dos super ricos por investimentos com propósito guarda preocupação com os retornos, sim. Segundo a ONU e o GIIN, eles rendem o mesmo ou pouco menos que aplicações sem esse norte.

Outro estudo, elaborado pelo Morgan Stanley e pela Morningstar e divulgado em agosto passado, observou 10.723 fundos entre 2004 e 2018 e mostrou que os ESG tiveram rendimento igual ou superior aos tradicionais em 64% das vezes. Além disso, ofereceram “sharpe” (relação entre retorno e risco) 20% menor, em média.

“Em uma era de extrema volatilidade, há forte evidência estatística de que fundos de sustentabilidade são mais estáveis. Incorporar ESG aos portfólios ajuda a limitar os riscos”, disse o Morgan Stanley.
“Tem a ver com consciência, mas também com as intenções de obter retorno e de resolver problemas de forma autossustentável, sem dependência eterna de doações”, detalha a advogada Priscila Pasqualin. “É o conceito de investimento social de fato, sem desperdício e com mensuração de resultados.”

“A gente na Warren gosta bastante disso”, afirma Fortes, citando o Warren Green, fundo que investe em companhias com boas práticas sociais e ambientais, entre 70% de ações brasileiras (são 14 atualmente), 20% de ações e ETFs (fundos negociados em bolsa) do exterior e 10% de BDRs (recibos listados na bolsa brasileira de ações de empresas estrangeiras).

Lançado em outubro, o produto tem R$ 3 milhões de patrimônio aportado por cerca de 5.500 cotistas e vai providenciar o plantio de mil árvores. É pouco frente ao total sob cuidados da gestora – são R$ 450 milhões de mais de 110 mil contas –, mas sobressai “um valor simbólico de incentivar as empresas a desenvolver soluções, sabendo que o investidor vai valorizar isso”, diz Fortes.

Dados da B3 parecem comprovar a percepção dele; em 2019, o ISE, Índice de Sustentabilidade Empresarial da bolsa brasileira, bateu recorde de interesse de companhias – foram 46 inscritas, contra 36 em 2018 – e agregou três delas à carteira de 2020.

Também há novidades na renda fixa, como os green bonds, já populares no exterior. E o leque deve se ampliar, gerando novas oportunidades.

“Nas próximas décadas, trilhões de dólares vão ser destinados a investimentos com propósito – por exemplo, para adaptar as cidades às mudanças climáticas. E vão ter de ser criados instrumentos financeiros para isso”, explica Fortes.
Mariana Oiticica, do BTG Pactual, também vê esse mercado “ainda muito incipiente, com pouco volume”, e daí o potencial para avançar.

A instituição se move neste sentido. Segundo o Valor Investe apurou junto a investidores, o banco começou a captar R$ 300 milhões para um fundo de venture capital de estratégia global e foco ambiental, e também vai coordenar uma emissão de debêntures para financiar um projeto de energia solar que prevê direcionar parte dos rendimentos a comunidades próximas ao empreendimento.

São esforços para popularizar esse viés entre toda a clientela do wealth, não só o topo do topo. Afinal, formar uma cultura de investir com propósito depende mais das famílias milionárias que das bilionárias.

Quem o diz é Rodrigo Pipponzi, cofundador da MOL, editora especializada em projetos sociais que, em 11 anos, reverteu mais de R$ 30 milhões em doações. Também é um dos herdeiros da Droga Raia, fundada por seu bisavô, o que o coloca em posição particular no universo do wealth management: ao mesmo tempo, cliente, especialista e parte das cadeias da filantropia e do investimento de impacto.

“A faixa intermediária é o segredo, pois na maior parte das vezes o topo já tem ações nesse sentido; as famílias não bilionárias são extremamente estratégicas para ampliar a cultura da doação”, comentou durante recente congresso da Associação Brasileira de Planejadores Financeiros, em São Paulo.

 

Fonte: Valor Investe