O projeto de uma nova lei geral de concessões abre a possibilidade de o dinheiro que as concessionárias pagam para operar o serviço não seja mais direcionado para o caixa da União. A proposta é considerada polêmica e divide o governo: enquanto integrantes do Ministério de Infraestrutura veem uma oportunidade para ampliar os investimentos no setor, a área econômica desaprova a iniciativa.
O relatório do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania), apresentado nesta semana, propõe instituir na legislação o conceito da “outorga carimbada”. Isso quer dizer que o edital pode estipular que esse que esse dinheiro será direcionado a investimentos em obras públicas, aplicado diretamente pela iniciativa privada. Na prática, o chamado valor da outorga não entra na contabilidade da União e foge de “amarras” orçamentárias.
A medida é considerada um contrassenso com a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de dar mais poder ao Congresso sobre o Orçamento. A crítica é de que existem falhas no texto que acabam atendendo a interesses das empresas que vão construir e operar os serviços ofertados pelas concessões.
O jornal O Estado de S. Paulo/Broadcast apurou que a discussão do tema dentro da equipe causou embates. Integrantes do Ministério da Economia ouvidos reservadamente pela reportagem desaprovam a iniciativa. Um deles destaca que, ao impedir que esses recursos entrem no Orçamento, o dinheiro “foge do olhar” do Legislativo, indo diretamente para o privado sem que haja possibilidade de o Congresso se manifestar.
Essa possibilidade é uma demanda antiga do setor, principalmente da Infraestrutura, mas desagrada quem está debruçado sobre o lado fiscal do governo.
O montante hoje pago pela concessionária vai para a conta do Tesouro e ajuda o governo a fechar as contas públicas. Há ainda a preocupação de se dar esse poder à iniciativa privada. Apesar de ser a administração pública quem vai definir o destino do dinheiro, na prática, é a empresa quem vai executá-lo.
Segundo o diretor jurídico do escritório Jacoby Fernandes e Reolon, Murilo Jacoby, o dispositivo incluído pelo relator cria a possibilidade de se utilizar o dinheiro da outorga para uma finalidade específica. “Com isso, eu posso na concessão pagar a execução do projeto, ou pagar a empresa que faz a terceirização da mão de obra, ou pagar por outros projetos.” O texto define também que o pagamento poderá envolver situações que não tenham relação com a prestação do serviço público.
Flexibilidade
O deputado Arnaldo Jardim defendeu a iniciativa como forma de flexibilizar a destinação do dinheiro pago pelas concessionárias. Para ele, essa receita não deve ter como prioridade ser um instrumento de equilíbrio das contas do governo, mas sim ser uma ferramenta para incentivar o ciclo de investimentos.
“Nós propomos flexibilizar o seu destino. Em vez de simplesmente ir para o poder público, se cria a oportunidade de, a critério do poder concedente, dar outra destinação à outorga. É ele próprio quem vai determinar para onde vai o dinheiro. É uma possibilidade que se abre para não ter o engessamento da destinação”, disse Jardim.
Favorável ao dispositivo, Jacoby acredita que, com a inovação, é possível criar um vínculo mais direto entre concessão e investimentos, e melhorar o nível de infraestrutura no Brasil. “Olha, concessão de rodovia o dinheiro tem de ir em infraestrutura logística, por exemplo. Nosso País está atrasado. Acho que é uma demanda antiga, vejo como muito necessária”, disse.
Por outro lado, ele reconhece que poderá haver resistência por parte do Ministério da Economia. “Tem de ser feita com cuidado, até para definição disso, com a fiscalização dos órgãos de controle para evitar que tenha uma evasão fiscal, uma fuga de dinheiro federal”, observou o advogado, lembrando ainda da necessidade desses recursos serem acompanhados rigorosamente pelos órgãos de controle. “Eles têm de fiscalizar esse recurso como se público fosse”, disse.
Em nota, o Ministério de Infraestrutura afirmou que o governo federal analisa a situação e ainda não emitiu manifestação sobre o assunto. Já o Ministério da Economia disse que não se manifestaria.
Fonte: Exame