O valor que estados e municípios receberão após o megaleilão da cessão onerosa do pré-sal, realizado nesta quarta-feira (06), caiu para R$ 10,58 bilhões, cerca de metade do valor previsto anteriormente, de R$ 21,9 bilhões.
Além dos entes federativos, o governo federal também perderá, já que o leilão arrecadou menos que os R$ 106 bilhões previstos.
Realizado nesta quarta, o megaleilão arrecadou “só” $ 69,960 bilhões, de acordo com o Agência Nacional do Petróleo (ANP). Apenas 2 dos 4 blocos ofertados foram arrematados.
O valor que será entregue aos estados e municípios caiu porque a quantia que deve ser paga como indenização à Petrobras não muda independentemente da arrecadação.
Desses R$ 69,9 bilhões, R$ 34,6 bilhões serão pagos à estatal pelo governo, como uma forma de indenização pela revisão no contrato, já que a Petrobras havia recebido o direito de explorar as áreas em 2010.
Os dois blocos foram arrecadados pela própria Petrobras, que pagará os R$ 69,960 bilhões junto das petroleiras chinesas formadoras do consórcio. Ao mesmo tempo em que entregará esse valor pela exploração das reservas excedentes, receberá os R$ 34,6 bilhões de indenização.
Cálculo feito por EXAME mostra que dos R$ 35,36 bilhões restantes, serão R$ 23,69 bilhões para a União, 5,304 bilhões para os estados e 5,304 bilhões para municípios.
O Rio de Janeiro receberá o seu percentual do montante e mais um valor extra, de R$ 1,06 bilhões, por ser o estado produtor.
Quando a previsão de arrecadação era de R$ 106,6 bilhões, a União receberia R$ 49 bilhões, estados e municípios R$ 10,95 bilhões cada, totalizando R$ 21,9 bilhões. O Rio de Janeiro receberia R$ 2,3 bilhões.
Divisão e uso
A divisão para os estados, aprovada pelo Congresso, respeita um cálculo misto: dois terços de acordo com os critérios do Fundo de Participação dos Estados — que beneficiam mais Norte e Nordeste – e um terço seguindo as regras do Fundo de Exportação e da Lei Kandir — que beneficiam Estados exportadores.
Outros 15% vão para os municípios, pelos critérios do Fundo de Participação dos Municípios, que privilegiam municípios mais pobres. Eles podem usar o dinheiro para cobrir o rombo previdenciário ou investimentos.
Já os governadores terão de usar a verba prioritariamente para pagar dívidas da Previdência. Só se sobrar dinheiro poderão fazer investimentos, cenário improvável para Estados endividados.
A frustração do valor traz uma dificuldade extra para a equipe econômica, que ontem apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com mudanças no pacto federativo que previa distribuição de royalties no valor de R$ 400 bilhões para estados e municípios no espaço de 15 anos.
Rio de Janeiro
Em crise fiscal desde 2016, quando passou a atrasar salários de servidores, o Rio de Janeiro contava com R$ 2 bilhões. De acordo com o secretário de Fazenda do estado, Luiz Claudio Carvalho, a previsão agora é que o número seja de R$ 1,15 bilhão.
“A gente entende essa queda de valor com normalidade. Esse dinheiro não constava no orçamento no começo do ano. Não tínhamos expectativas sobre esses valores. É óbvio que os valores da ordem de 2,3 bilhões seria de um grande alivio, mas não tínhamos receitas programadas para ele”, diz.
O dinheiro será usado para cobrir déficits previdenciários ou investimentos, como define a lei. Isso poderá ajudar a liberar o caixa do governo para despesas com educação e saúde, e principalmente para honrar contratos de fornecedores.
Para o secretário fluminense, mais do que uma frustração com a receita, houve uma frustração com a forma com que os investidores veem o Brasil, já que demonstraram pouco interesse no leilão.
O Rio de Janeiro é o estado com maior gasto percentual da sua despesa com a Previdência. Ela só não gera um déficit maior porque a arrecadação do Rio com a contribuição previdência também é a maior.
No orçamento de 2020, a previsão é que o estado arrecade R$ 70,1 bilhões e gaste R$ 80,8 bilhões, gerando um déficit de R$ 10,7 bilhões. Só com a Previdência, serão gastos R$ 23,6 bilhões.
De acordo com o economista Raul Velloso, a receita correta para o Rio de Janeiro é mesmo colocar qualquer recurso novo no fundo de previdência: “Quanto tem uma renda extra, tem que colocar esse dinheiro na receita de maior gravidade”. Ele defende que além da cessão, possíveis ganhos com royalties também sejam encaminhados para fundos previdenciários.
Estados endividados
De acordo com dados do estudo “A situação das previdências estaduais” do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, o Rio foi em 2017 o estado com o terceiro maior déficit na previdência, atrás do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais.
O estado, no entanto, ainda não anunciou medidas próprias de reforma da Previdência dos seus servidores.
De acordo com o secretário Luiz Cláudio Carvalho, a decisão política de se fazer isso ou aguardar a PEC paralela do Congresso Nacional, que inclui estados e municípios na reforma, ainda não foi tomada pelo governo de Wilson Witzel (PSC).
Outro estado endividado, o Rio Grande do Sul, já anunciou que pretende encaminhar sua reforma. Em entrevista a EXAME, o secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco Aurelio Santos Cardoso, também confirmou que o dinheiro recebido pelo estado com o megaleilão será utilizado para ajudar no rombo previdenciário.
Para o economista Renan Pieri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), alocar os recursos em fundos de Previdência é correto. No entanto, ele cita o “perigo moral”, um termo econômico, para alertar contra a sensação de que o ajuste não é urgente.
“É preciso ter cuidado ao se achar que os resultados de leilões ou de privatizações são a solução para problemas fiscais dos estados”, explica Pieri.
A obrigação de que o dinheiro do leilão seja usado na Previdência também foi elogiada pelo economista André Luiz Marques, do Insper, mas ele compara a receita extraordinária com um torniquete: “Segura o sangue o enquanto está segurando, mas depois solta tudo”, disse.
Assim como Pieri, ele se preocupa com a impressão errada que as receitas extraordinárias poderiam causar: “Essas coisas podem acabar maquiando e colocando uma neblina na necessidade de se fazer reformas nas contas desses estados”.
Fonte: Exame