Não se fala em outra coisa no mercado financeiro: quem quiser maior rentabilidade para seus investimentos vai ter que arriscar mais. E entre os queridinhos dos fundos de investimento estão os multimercados, aqueles fundos em que o gestor pode fazer (quase) tudo que ele quiser, comprar e vender ações, títulos de dívida pública, apostar na valorização ou queda de alguma moeda, entre outras estratégias.
Em conversa com o Valor Investe, os gestores dos três fundos que estão dando o maior retorno em 2019 até setembro – Logos, Távola e Canvas - têm algo em comum: ganharam dinheiro com valorização de ações.
A bolsa está tão bem no acumulado do ano, que apenas quatro dos dez melhores fundos do ranking de Multimercados renderam acima do Ibovespa (19,18%). No entanto, todos deram mais do que o CDI (4,66%) no ano.
O ranking foi elaborado pelo economista e blogueiro do Valor Investe Marcelo d’Agosto e leva em consideração fundos com mais de R$ 80 milhões de patrimônio líquido e no mínimo 1.000 cotistas.
O mercado acionário é hoje o ambiente em que os gestores mais cavam oportunidades e investem, depois, claro, de suas análises prévias. É na bolsa que eles ganharam e esperam ganhar mais dinheiro até o fim do ano e início de 2019.
“O cenário externo preocupa mais, com possibilidade de recessão em alguns países desenvolvidos e sem um acordo comercial entre Estados Unidos e China. O Brasil, por outro lado, está no caminho certo, com perspectivas de crescimento muito boas e reformas sendo feitas”, comenta Gustavo Constantino, gestor da Távola Capital.
As perspectivas podem até ser boas, mas uma coisa é certa: mercado de capitais é volátil. Prova disso é que janeiro foi um mês excelente para a bolsa (o Ibovespa subiu 10,82%), em agosto o índice perdeu 0,67%. Enquanto a maioria dos fundos de multimercados e ações surfaram na onda no começo do ano, teve gente que perdeu dois dígitos apenas em agosto.
Os gestores que se deram bem neste ano, até agora, atuaram seguindo duas estratégias. A primeira é a de se antecipar, comprando ações antes delas se valorizarem e também vendê-las antes que entrem em uma fase de estagnação ou desvalorização dos preços.
Neste caso, quem apostou, por exemplo, em ações de frigoríficos, saneamento básico, energia elétrica, shopping centers e construção civil teve motivos para comemorar. Ainda mais se comprou esses papéis na baixa.
A segunda estratégia foi se proteger das fortes oscilações, seja com derivativos ou apostando em ações, em alguns momentos naquelas que não têm correlação com a economia brasileira (como as exportadoras), em outros, nas que não estão expostas ao cenário externo (como as empresas de consumo e varejo locais), dependendo dos riscos que enxergam.
Sopa de ativos
Além de ações, outras categorias de ativos comuns em fundos multimercados são títulos públicos e câmbio. No primeiro semestre, muitos gestores ganharam dinheiro com a expectativa de queda da taxa básica de juros, a Selic. Mas, agora, a curva de juros de longo prazo “fechou” (no jargão do mercado expressão usada para indicar que os juros de longo prazo diminuíram) bastante este ano. Isso quer dizer que o movimento de queda da taxa de juros já foi antecipado e incorporado nos preços - agora os títulos públicos estão rendendo menos.
O câmbio é o ativo mais volátil e mais difícil de prever. Portanto, os gestores acabam colocando em câmbio uma fatia pequena do patrimônio dos multimercados, quando colocam.
Atenção: a rentabilidade obtida no passado não é nenhuma garantia de resultados futuros. Portanto, não avalie apenas esse fator para investir em um fundo. Leia: “O que você deve olhar antes de aplicar em um fundo de investimento”.
Dito tudo isso, veja o ranking dos 10 fundos multimercados que acumulam o maior rendimento neste período (no ano até setembro) e um resumo da estratégia dos três gestores que mais se deram bem até agora.
Logos FIC FIM: 57% de retorno em 2019
Ao comparar os dez primeiros colocados entre os multimercados, o Logos FIC FIM, da gestora Logos Capital (de ex-sócios da Indie Capital) desponta com mais que o dobro de retorno que o segundo colocado: 56,7% versus 24,5% do Távola Absoluto FIM.
Vale ressaltar, porém, que o fundo Logos FIC FIM, lançado em 2009 ainda sob o guarda-chuva da gestora Indie, é bem mais volátil que os demais. Na prática, isso significa que, do mesmo jeito que sobe mais, as quedas também podem ser mais drásticas.
Para escolher os ativos, a equipe de gestão prefere ações assimétricas, ou seja, que tenham um potencial de retorno mais claro que o risco.
“Achávamos que a inflação seria baixa no Brasil e no mundo e que daria espaço para os bancos centrais cortarem os juros. Por isso, focamos em títulos públicos prefixados e compramos ações de empresas que se comportam muito próximo da renda fixa”, aponta Luiz Guerra, sócio da gestora, citando os investimentos feitos em companhias elétricas e saneamento como exemplo, que são setores defensivos.
“Fizemos as contas sobre o potencial delas em relação ao juro nominal e elas dão retorno real de 7% ao ano, sem contar o crescimento da própria empresa, em termos de receita e lucro”, explica Guerra. A Sabesp foi um dos destaques e, depois de o papel ter se valorizado bem no começo do ano, a equipe vendeu boa parte da posição, mantendo uma pequena participação.
“Estamos otimistas com alguns setores. Utilities (saneamento e elétricas) foi um grande destaque do ano”, comenta Ricardo Vieira, gestor do fundo Logos FIC FIM. “Temos uma pequena participação em consumo e varejo. Em varejo, achamos que algumas empresas estão mais descontadas em relação a outras e, como estamos construtivos com o Brasil, acreditamos que haverá uma melhora gradual nos próximos trimestres”, completa.
Outro setor que a Logos está apostando é o de construção civil. Tem na carteira, por exemplo, papéis da Cyrela e da Even.
“Olhando para as empresas de consumo, estamos mais 'comprados' nas de construção civil. São geradoras de emprego e atividade e já estão entregando resultados melhores”, diz Luiz Guerra.
Para se proteger das oscilações, uma parte pequena do patrimônio pode estar em ativos que eles acreditam que vão se desvalorizam. Ou seja, no jargão do mercado usa-se a expressão "estar vendido".
Távola Absoluto FIM: 24% de retorno em 2019
Já presente nas listas dos fundos mais rentáveis dos trimestres, o Távola Absoluto FIM, fundo multimercado administrado pela Távola Capital (ex-Fides Asset Management), fez dinheiro este ano, até agora, com ações.
Assim como o Logos, também fez uma aposta acertada no setor elétrico. Na área, mantêm na carteira ações da Cemig e da Copasa, mas venderam este ano os papéis da Neoenergia e da CPFL que se saíram bem e atingiram o preço justo.
Ao todo, a carteira do fundo tem 23 ações, sendo que as cinco maiores hoje são Bradesco, Copasa, Cemig, Gerdau e Lojas Americanas.
“Procuramos olhar uma janela longa, de 12 meses, e não gostamos de entrar em modismos, preferimos investir em ações que levam um tempo para maturar”, explica Gustavo Constantino, gestor da Távola. Mas isso não quer dizer que a gestora não aproveite fortes valorizações para vender e realizar os lucros.
Além das duas elétricas, também já venderam suas posições na gestora de shoppings Aliansce Sonae e na loja de produtos esportivos Centauro, papel que compraram na abertura de capital, em abril deste ano.
As surpresas vieram da produtora de proteína animal BRF e da varejista Via Varejo. Em Via Varejo, a gestora antecipou-se à troca de gestão, que impulsionou o papel e aumentou a expectativa de uma melhora operacional na companhia.
No caso de BRF, a diminuição da oferta de proteína no mundo, especialmente por causa de problemas sanitários na China, fez a ação da BRF disparar. “Por ser uma empresa alavancada (leia-se endividada), mesmo com o preço subindo bastante, ainda tem espaço para ajustes”, diz Constantino.
Outra aposta foi na siderúrgica Gerdau. Apesar da expectativa de crescimento menor para a China, importante comprador da companhia, o gestor espera que a retomada do setor de construção civil seja um impulsionador das vendas de aço.
E o cenário externo? Para o gestor do fundo há riscos de recessão global e, como proteção, a equipe faz opções de venda do Índice Bovespa e diminuem a exposição em bolsa.
Canvas Vector FIC FIM: 24% de retorno em 2019
A Canvas Capital, gestora de recursos cujo fundo Canvas Vector está em terceiro lugar em rentabilidade no ano, leva ao extremo a liberdade que um multimercado dá. É um fundo internacional que opera em 45 países com seis classes de ativos, como títulos de dívida corporativa e pública (juros), moedas, volatilidade, commodities e bolsas. O Vector, especificamente, não pode comprar nada no Brasil, só no exterior.
Se encaixa em uma categoria chamada de Alternative Risk Premia (Prêmio de Risco Alternativo) ou Factor Investing (Investimento por Fator). O objetivo principal é ‘caçar’, por meio de algoritmos, oportunidades de ganho de prêmio de risco. Na prática, isso significa aproveitar diferenças na taxa de juros de países.
Por exemplo: o fundo pode comprar um título público ou moeda de um país que esteja com juros baixo e vender um ativo similar de país que está com juro alto, embolsando a diferença.
Há quatro anos, por exemplo, a taxa de juros no Brasil estava em 14,25% ao ano e a dos Estados Unidos, próximo a zero. O prêmio de risco de comprar um papel brasileiro era, então, de praticamente 14,25% em relação ao americano. Além da própria diferença do juro pago pelo título público, a moeda de cada país já embute essa diferença de juros. Portanto, investir em moeda de países com juros altos também é um bom negócio para esse tipo de fundo.
O fundo Vector, da Canvas, ganhou dinheiro fazendo isso, mas com ativos pelo mundo e não no Brasil.
“O interessante é que esse fundo tem uma abordagem sistemática, não depende da nossa visão do que pode acontecer com a macroeconomia ou o que esperamos pela frente. É um fundo que não opera no Brasil e tem baixa correlação com o kit Brasil (bolsa, juro e câmbio nacionais) e que, para brasileiros, pode trazer um valor agregado muito grande”, disse Francisco Funari, gestor de portfólio.
Entre os principais ganhos, as transações com câmbio foram responsáveis por 7,2% do desempenho do Vector no ano. Outros 3% vieram das transações de crédito e 3,5% em opções (em ativos chamados 'swaps de volatilidade'). Por outro lado, perderam com renda variável (ações) e commodities.
Entre as operações que eles já fizeram e que deram dinheiro está, por exemplo, comprar a moeda da Noruega e vender a da Suécia porque o juro na Noruega é maior. Hoje, faz operações envolvendo a moeda da Turquia (que paga juros altos) e as curvas de juros futuro do país, operação que está rendendo cerca de 15% de diferencial de juros.
O fundo busca, grosso modo, fazer uma arbitragem de diversos mercados mundiais que estão de alguma forma relacionados. Dos 45 mercados ao redor do mundo, 15 são emergentes.
Outras operações comuns são a compra e venda de dívida corporativa. Atualmente, eles acompanham cerca de 200 empresas, todas listadas em bolsa e só de grande porte.
Segundo Francisco Funari, operador da estratégia, com volatilidade (o quanto a cota pode balançar) de 6,5%, a meta de rentabilidade é o CDI mais 5,5% ao ano.
Para entender um pouco mais sobre o que a Canvas faz e sobre os mercados de fundos de prêmio de risco, que se assemelham ao quantitativos, mas são outra coisa, vale ler essa matéria do Valor Econômico: “Fundos de 'prêmio de risco' começam a chegar ao Brasil”.
Para os demais fundos multimercados, leia as cartas que seus gestores escrevem periodicamente e publicam no site.
- Dahlia Total Return FIC FIM
- Solana Absolutto FIC FIM
Carta de setembro ainda não foi publicada. Acompanhe no site.
- Occam Retorno Absoluto FIC FIM
- Gap Absoluto FIC FIM
- Ibiúna Hedge STH FIC FIM
- Legacy Capital Advisory FIC FIM
- XP Macro Plus FIC FIM
Carta de setembro ainda não foi publicada. Acompanhe no site.
Fonte: Folha Investe