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Um terço dos consumidores globais está com receio de gastar

Segunda, 14 Outubro 2019

Na rua da colonial Royal Opera House, em Mumbai, Deepak Gurnaney está sentado em sua pequena loja de eletrônicos em frente a fileiras de televisores de tela plana exibindo telenovelas, enquanto seus quatro funcionários se distraem com seus celulares. Não há clientes.

Gurnaney, de 68 anos, costumava precisar de uma máquina para contar o dinheiro trazido pela empresa fundada pelo pai e de um depósito próximo para ter estoques suficientes. Como as vendas caíram 25% nos últimos dois anos, o comerciante se livrou de ambos.

“O mercado de automóveis está em baixa, esse outro está em baixa, aquele outro está em baixa, então as pessoas veem isso e pensam que não devem gastar”, diz. “Com o varejo assim, não posso incentivar ninguém da minha família a entrar neste negócio. Eu serei a última geração.”

A cerca de 5 mil quilômetros de distância, no iluminado shopping de eletrônicos Zhongguancun Kemao, em Pequim, He Hongyuan conta uma história semelhante.

“Ultimammente, os consumidores têm sido mais cuidadosos com os gastos”, diz atrás do balcão de uma cabine de vidro, uma das centenas no shopping que vende celulares, laptops e outros aparelhos. “No passado, as pessoas trocavam de celular assim que o novo modelo era lançado. Agora, trocam de telefone de acordo com a necessidade.” Ele disse que o lucro caiu pela metade nos últimos dois meses.

Gurnaney e He são emblemáticos das sombrias perspectivas para o setor de varejo na Índia e na China. Juntos, os dois países possuem 2,8 bilhões de habitantes – ou mais de um terço dos consumidores do mundo.

Fabricantes de uma ampla gama de produtos, desde óleos capilares a motocicletas, depositaram suas esperanças de crescimento em um ou em ambos gigantes emergentes, e os efeitos da desaceleração dupla se espalham pelo mundo.

Vento contrário global

China e Índia “provavelmente continuarão sendo os maiores e mais promissores mercados consumidores lá fora, mas essa desaceleração ainda é um vento contrário para uma economia global que já cambaleando”, disse Frederic Neumann, codiretor de pesquisa econômica asiática no HSBC Holdings, em Hong Kong.

A China indicou que o crescimento este ano pode ser de apenas 6%, o mais lento já registrado, enquanto a expansão do PIB da Índia foi a mais fraca em seis anos no trimestre encerrado em junho. As vendas de automóveis dos dois países refletem esse quadro.

Na China, as vendas de sedãs, utilitários esportivos, minivans e veículos polivalentes caíram pela 14ª vez em 15 meses em agosto, o mesmo mês em que as vendas de veículos da Índia registraram o maior declínio anual de todos os tempos.

Embora suas taxas de crescimento ainda sejam mais altas do que na maioria dos outros países, a desaceleração é crítica para os dois mercados em desenvolvimento.

A China precisa manter o ritmo da expansão para administrar uma pilha de dívidas acumuladas durante anos de expansão. E a Índia depende de uma economia robusta para absorver milhões de jovens em busca de emprego todos os meses.

“Os antigos motores do crescimento estão realmente ficando sem vapor”, disse Julian Evans-Pritchard, economista da Capital Economics, em Cingapura.

Segundo ele, os consumidores mais jovens na China são mais cautelosos em gastar com bens de luxo e carros do que seus pais. “Acho que terão que se acostumar com a renda crescendo em um ritmo muito mais lento.”

Na Índia, o governo anunciou cortes de impostos de US$ 20 bilhões no mês passado para amortecer a desaceleração. Mas, com um sistema financeiro sufocado por empréstimos e desemprego no nível mais alto em 45 anos, o clima de pessimismo ainda afeta as vendas de empresas como as da joalheria Titan e da gigante de consumo Hindustan Unilever.

De volta à loja de eletrônicos em Mumbai, Gurnaney conseguiu vender um forno microondas a um cliente que pagou em dinheiro. Seu humor não melhrou com a venda. Com a aproximação do festival hindu Diwali – tradicionalmente um período de fortes vendas para os varejistas -, ele reduz o estoque, em vez de aumentar.

Mesmo que a economia se recupere, mudanças na maneira como os consumidores compram mercadorias, fazendo pedidos on-line, podem significar que muitas lojas como a dele nunca se recuperarão.

“Eu só vim aqui para passar o tempo”, diz, pegando sua chaleira para fazer uma xícara de chá.

 

Fonte: Exame