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Por que as pessoas mantêm seu dinheiro em aplicação que rende metade da Selic?

Quarta, 09 Outubro 2019

Se alguém te convidar para aplicar em um fundo de investimento que, no acumulado de 2019, rendeu 2,3% (algo em torno de 50% do CDI), você entraria? E se dissessem que a taxa de administração cobrada por esse fundo é de 2,9% ao ano, em um momento em que o juro básico da economia é de 5,5% ao ano? Difícil achar alguém que diga sim.

Mas, e se essa pessoa falar que, se investir neste fundo, você vai concorrer a prêmios de até R$ 50 mil todo mês? Ficou mais atrativo?

Este fundo existe, é o Bradesco FIC FI Renda Fixa Referenciado DI Hiperfundo, popularmente conhecido por “Hiperfundo Bradesco”. O produto é famoso na indústria por ser uma prova de que nem sempre a racionalidade é o único fator que determina as decisões financeiras pessoas. Nesta matéria, vamos recorrer a alguns conceitos de psicologia econômica para tentar explicar como esse tipo de produto sobrevive com sucesso por tanto tempo, a despeito da baixa rentabilidade relativa.

Uma novidade que constamos é que a diminuição da taxa de juros nos últimos anos e o maior conhecimento sobre outros produtos financeiros têm feito muita gente resgatar pelo menos uma parte do dinheiro aplicado nesta aplicação.

No caso do Hiperfundo Bradesco, ainda são 315 mil brasileiros com R$ 2,06 bilhões aplicados ao fim de setembro. Ainda é muita gente, e muito dinheiro. Mas a cifra é menos da metade do que o patrimônio investido no fim de 2014, quando chegou a R$ 5,91 bilhões. O número de cotistas, porém, permanece em torno de 300 mil, o que mostra que, na prática, ou os investidores estão reduzindo parte das aplicações ou que mudou o perfil do aplicados que manteve o dinheiro lá, já que o valor médio aplicado caiu de quase R$ 18 mil para R$ 6,4 mil neste intervalo de quase cinco anos.

Segundo o Bradesco, o Hiperfundo não é distribuído como um produto de investimentos nem consta nas carteiras recomendadas. “É um fundo de prateleira voltado para clientes que procuram alguma rentabilidade com liquidez diária, baixo risco e essencialmente buscam concorrer a prêmios”, explicou o banco em resposta ao Valor Investe.

Na atual campanha do Hiperfundo do Bradesco, que começou em janeiro deste ano e vai até 26 de dezembro, são 3.624 prêmios, sendo 24 CDB Hiper Fidelidade, no valor de R$ 50.000,00 e 3.600 CDB Hiper Fácil, no valor de R$ 300,00. Vale lembrar que os CDBs são títulos de dívida emitidas pelos bancos para captar recursos e financiar suas atividades.

Ao todo, são R$ 2,28 milhões em prêmios a serem distribuídos pelo Hiperfundo do Bradesco ao longo do ano. Para efeito de comparação, levando em consideração o atual patrimônio líquido (R$ 2,06 bilhões) e a taxa de administração (2,9% ao ano), mantidas as mesmas condições, em 12 meses o banco arrecadaria quase R$ 60 milhões só pelo custo cobrado do cotista.

Freud explica

O Hiperfundo do Bradesco é um dos poucos sobreviventes em um mercado que já foi bem mais agitado, especialmente quando a Selic ainda rondava os dois dígitos altos. Em 2000, quando o Bradesco lançou o Hiperfundo, por exemplo, a taxa básica de juros estava em 18,50%.

No passado, grandões como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Santander também ofereceram este tipo de produto. Hoje, essas instituições deixaram para trás os fundos com o apelo de sorteios. No entanto, ainda é muito comum ser abordado por um gerente ou atendente de caixa que apresente títulos de capitalização, que é um produto similar, mas não igual.

“Vale contextualizar o momento em que esses fundos foram criados. É uma herança de uma época de juros altos no Brasil, em que, mesmo com custos elevados, eles não tinham rentabilidade muito diferente da poupança, em alguns casos, até superior”, comenta o economista Aquiles Mosca, presidente do Comitê de Educação de Investidores da Anbima, professor de Economia Comportamental da FGV e de um novo curso de Finanças Comportamentais, produzido pelo Mundo Financeiro e à venda no site do Valor Investe.

Em 2014, por exemplo, embora o fundo tenha rendido 63% do CDI, o retorno bruto foi de 10,8%. Nos últimos 12 meses, a rentabilidade relativa é de 50% do CDI (não muito distante da vista há cinco anos), mas em termos absolutos, o retorno caiu para 3,13% - talvez isso explique parte dos resgates mais recentes.
É claro que as pessoas mais racionais na área financeira devem estar se perguntando: por que os juros básicos da economia importam na decisão, se a aplicação sempre esteve distante do CDI? A resposta é a ancoragem. Temos uma tendência de “ancorar” nossos pensamentos em algumas referências. É por isso que achamos “caro” pagar R$ 10 em uma cerveja long neck no bar, já que no supermercado ela custa cerca de R$ 3 (âncora) ou que deixamos de comprar pipoca no cinema porque as feitas em casa custam 10 vezes a menos.

“Muitas pessoas que investem em um fundo que paga 50% do CDI não sabem nem direito o que é CDI. Portanto, também não tem dimensão do que 50% do CDI significa. Esse ‘valor’ depende de onde ela está ancorada. Ela pode, por exemplo, comparar com caderneta de poupança”, comenta Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em Psicologia Social, professora de Psicologia Econômica e Ciências Comportamentais e colunista do Valor Investe.

Outra ancoragem comum nestes casos é a comparação com títulos de capitalização, que apenas devolvem o dinheiro alocado, caso a pessoa não seja sorteada. O fundo de investimento com sorteio seria, em relação ao título de capitalização (que é a referência mental de alguns clientes), ainda melhor porque devolve não apenas o dinheiro que você colocou, mas também rende um pouquinho.

“É comum a pessoa se sentir atraída pelo que ela entende, o sorteio. Se ela faz a fezinha na Mega-Sena toda semana, para ela, este tipo de produto financeiro pode soar familiar, confortável e caber com facilidade no quadro de referência mental que ela tem. Então, ela acaba também aplicando lá”, diz a professora Vera Rita.

Contabilidade mental

Outra explicação comportamental de porquê tanta gente é atraída por investimentos pouco rentáveis é que muitos não encaram este tipo de produto como um investimento.

Na cabeça desses investidores, essas aplicações são vistas como uma oportunidade para concorrer a prêmios todo mês e, ainda por cima, guardar um dinheiro que seguramente irá receber quando quiser parar de concorrer e ainda renderá uns trocados a mais. E o melhor: cabe no bolso, porque exige pouco dinheiro inicialmente.

Essa perspectiva diferente ao ver algo é chamada, em economia comportamental, de contabilidade mental, um viés em que tendemos a separar, as coisas em diferentes ‘caixinhas’ ou categorias mentais.

Adicionado a tudo isso está a dificuldade de fazer cálculos complexos, definir probabilidades e ainda a tal mania de muitos de contar com a sorte. Em teoria, a chance de um dos 317.296 cotistas do Hiperfundo de levar a bolada de R$ 50 mil em CDB (o prêmio mais atraente) é de uma vez em 158 mil, considerando o valor médio aplicado e que cada R$ 100 corresponde a um número para o sorteio.

Mesmo a probabilidade sendo baixa, muita gente tem receio de sair do fundo e perder a chance de ganhar nos próximos sorteios.

Sabe quando você está esperando o ônibus a um tempão e começa a pensar se é melhor desistir e pegar um táxi, mas não se mexe porque tem a esperança de que está chegando o ônibus (ou a sua vez, na analogia do sorteio)? A sensação é mais ou menos essa. Uma certa aversão à perda de que, na sua cabeça, você vai ganhar mais cedo ou mais tarde.

Inércia

Uma vez lá, o que faz, então, milhões de brasileiros manterem seu dinheiro nesse fundo por anos, e deixar passar melhores oportunidades de ganhar mais? A resposta é a mesma de porquê milhares de brasileiros têm mais de R$ 1 milhão na poupança: o viés do status quo ou da inércia. Temos a tendência de ficar onde estamos, de não mexer nos nossos investimentos, seja por preguiça ou medo de mexer em time que está ganhando (ainda que muito pouco).

“As pessoas têm dificuldade de mudar a realidade estabelecida. Pensam que, se até então deu certo e não trouxe prejuízo, pelo menos. A inércia do viés do status quo joga a favor do banco e do gestor, já que o investidor mantém o dinheiro aplicado, apesar de saber que não está na melhor aplicação”, explica Mosca.

Um levantamento feito pelo Valor Investe agora em outubro mostra que cerca de 1 milhão de cotistas de fundos de investimento do tipo DI Renda Fixa, aqueles bem conservadores, que aplicam boa parte do patrimônio dos cotistas em títulos públicos, ganharam menos do que 57% do CDI em 2019, até o fim de setembro. No total, são R$ 18,8 bilhões aplicados em fundos DI RF que estão entre os 10% que tiveram os piores rendimentos no período. O Hiperfundo do Bradesco está nesta lista.

Por outro lado, os 10% fundos mais rentáveis, entre os 259 avaliados pelo Valor Investe, renderam acima de 98% do CDI. Cerca de 185 mil cotistas desses fundos conservadores de melhor desempenho estão fazendo seus R$ 85 bilhões de patrimônio renderem mais.

“Não é falta de opção no mercado. Além das plataformas, que trouxeram inúmeras alternativas de investimentos, os próprios bancos grandes têm produtos mais rentáveis e com taxas de administração mais baixas. Mas, obviamente, é preciso quebrar a inércia e ir atrás”, diz Marcelo d’Agosto, economista, blogueiro do Valor Investe e responsável pelo levantamento dos fundos de Renda Fixa.

Como quebrar a inércia

O Nobel de Economia, Daniel Kahneman, autor do clássico de finanças comportamentais “Rápido e Devagar” explica que temos dois sistemas mentais. O primeiro, o rápido, nos faz tomar decisões sem pensar muito, como fazer o mesmo caminho de volta para casa todos os dias, escovar os dentes ou abrir o aplicativo da rede social (ou o site do Valor Investe) quando pega o celular.

Por outro lado, o Sistema 2, o devagar, pensa mais, toma decisões mais racionais, mas, consequentemente, gasta mais energia – é ele que usamos na hora de fazer uma conta, de escolher onde passar o Réveillon ou decidir onde aplicar nosso dinheiro.

Para quebrar a inércia dos maus investimentos, precisamos ativar o Sistema 2, nos forçar a pensar e pesquisar mais opções de investimento, e, claro, driblar a vontade de desistir, já que naturalmente cansa mais.

Neste ponto, os investidores podem usar a própria inércia a seu favor. Uma vez feita a escolha de um fundo melhor, deixar lá por um tempo é uma boa atitude. O prazo é um aliado dos investimentos.

Além disso, algumas aplicações, como o Tesouro Direto, já permitem aplicações automáticas mensais, o que pode ser uma importante ferramenta para quem tem dificuldade para poupar ou preguiça de tirar da poupança.

A boa notícia é que a queda da taxa Selic para 5,5% ao ano tem forçado mais as pessoas a ativarem seu Sistema 2 em busca de aplicações financeiras mais rentáveis, ainda que, em muitos casos, mais arriscadas. A quantidade de dinheiro migrando para fundos multimercados, de ações e que têm crédito privado, por exemplo, é significativa.

Em 2019 até setembro, os ingressos líquidos de fundos de ações e multimercados foram de R$ 47,7 bilhões e R$ 56 bilhões, respectivamente, com altas de 156,7% e de 32,3% em comparação a igual período de 2018.

A favor do investidor, também outro viés: o da disponibilidade. Sabe quando queremos muito comprar um carro e, “de repente” vemos o mesmo modelo em todos os lugares pela cidade? O mesmo acontece quando as pessoas começam a ouvir falar mais de investimento (e que a poupança não está rendendo nada) e começar, então a investir. Nisso, o Valor Investe pode te ajudar!

 

Fonte: Valor Investe