Um mercado enorme e historicamente ignorado pelas instituições financeiras virou a bola da vez no mercado brasileiro: os sem banco.
No mundo todo, 1,7 bilhão de pessoas estão excluídas do sistema financeiro. Segundo a última versão do Global Findex Database, levantamento feito pelo Banco Mundial a cada três anos, 69% dos adultos do mundo tinham conta em instituições financeiras em 2017. Em 2014, eram pouco mais de 50%. O Brasil está na liderança na América Latina, mas atrás de seus parceiros nos Brics Índia, China e Rússia. De acordo com o relatório, 70% da população brasileira com mais de 15 anos tinha conta em 2017. Na pesquisa anterior, a parcela era de 68%.
No total, o Brasil tem 45 milhões de não incluídos no sistema bancário, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva. Eles movimentam 820 bilhões de reais por ano fora dos bancos — é praticamente o produto interno bruto de Portugal (218 bilhões de dólares). Sete em cada dez sem-conta bancária no Brasil declaram ser negros ou pardos e apenas 6% cursaram o ensino superior. Eles estão habituados a receber os pagamentos em dinheiro, a negociar descontos, a comprar fiado e, quando necessário, a usar cartão de crédito de amigos e parentes. É uma enorme fatia da população brasileira que historicamente vê os bancos como lugares inacessíveis. Seis em cada dez deles não têm intenção de abrir conta, e metade não confia nas instituições.
A bancarização costuma acompanhar a renda média e o desenvolvimento dos países. Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, por exemplo, têm quase toda a população bancarizada. Por lá, a grande oportunidade para as fintechs está na oferta de produtos e serviços mais simples e baratos para que as pessoas possam escolher reduzir sua relação com os bancos tradicionais. Esse é, no Brasil, o modelo de negócios de companhias como a XP Investimentos e o Nubank. Aqui e em boa parte dos países da África, da América Latina e da Ásia, fintechs também miram o topo da pirâmide — 93% dos clientes de fintechs de crédito brasileiras têm conta em banco. Mas há uma oportunidade enorme olhando para baixo.
A reduzida bancarização é um retrato da pobreza e do subdesenvolvimento. O Brasil tem mais de 37 milhões de trabalhadores informais, segundo estimativas oficiais. Em setores como agricultura, serviços domésticos e construção, mais da metade dos trabalhadores é informal. Juntos, os informais geram mensalmente uma renda de quase 51 bilhões de reais. Nos últimos anos, o peso do desemprego de 12 milhões de pessoas também jogou contra uma evolução mais rápida da bancarização.
A melhoria da infraestrutura, o avanço do emprego e da economia formal vão naturalmente reduzindo o contingente de brasileiros sem conta em banco. Mas é a evolução da tecnologia a grande responsável pela revolução que o país está vivendo. O brasileiro nunca esteve tão conectado.
À medida que as fintechs, os bancos e as carteiras digitais avançarem, o próprio termo “bancarizado” deixará de fazer sentido. Mesmo sem conta formal num banco, as pessoas poderão ter acesso a ferramentas para pagar contas e fazer transferências e investimentos. É essa a corrida em curso, segundo Roberte, do PicPay. “Eu me pergunto se algum dia os não bancarizados vão precisar se bancarizar. Não quero bancarizar, quero facilitar a vida das pessoas.”
É um jogo que abre caminho para varejistas e financeiras mais tradicionais, mas também para novatos. De acordo com a ABFintechs, pelo menos 18 das 697 fintechs brasileiras têm foco no público não bancarizado. Uma das mais agressivas na estratégia de bancarização é o Pic Pay.
Criado em 2012 no Espírito Santo pelo empreendedor Diogo Roberte, o PicPay é um aplicativo que permite pagar boletos, transferir dinheiro, fazer recarga de bilhete de transporte e utilizar saldo em mais de 1,4 milhão de estabelecimentos. A fintech, que recentemente mudou a sede para São Paulo, tem 12 milhões de usuários — cerca de 90% desse público, majoritariamente jovens de 18 a 34 anos, possui conta em banco. O próximo objetivo é mirar os sem-conta bancária. Para isso, o PicPay vem até patrocinando peneiras de futebol e marca presença em locais como a favela de Heliópolis, uma das maiores de São Paulo. Vimos muitos moradores esperando 1 hora na fila da lotérica, sob o sol. Eles precisam de soluções”, diz Gueitiro Genso, presidente do Pic Pay.
Fonte: Exame