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'Disruptivas' são boa aposta na bolsa, mas não são tudo

Quarta, 18 Setembro 2019

A mesma “disrupção” que hoje leva milhões de brasileiros a trocarem gerentes de bancos e vendedores de loja por meia dúzia de cliques num aplicativo de celular, num passado remoto fez a humanidade trocar o transporte a cavalo pela locomotiva a vapor.

Está na moda ser “disruptivo”, mas faz é tempo.

Agora, pense bem. Se você fosse um investidor no século XIX, apostaria suas economias em quê? Numa cavalaria transportadora em decadência, ou numa ferrovia em franca ascensão? Raciocínio semelhante tem sido usado por investidores de bolsa na hora de escolher entre ações de companhias tradicionais ou digitais – digo, “disruptivas”, para não fugir do jargão do momento.

Victor Souza, estudante de 22 anos de Uberaba (MG), é um dos milhares de investidores brasileiros que, nos últimos tempos de Selic baixa e caindo, resolveu se arriscar na renda variável em busca de retornos maiores. Adivinha qual foi a porta de entrada dele na B3?

“Comprei ações do banco Inter, uma fintech que vem crescendo bastante, mas eu queria mesmo era investir no Nubank”, diz, lembrando (e lamentando) que a mais badalada das startups financeiras não tem capital aberto.

Só que as coisas não são assim, preto no branco. Focar apenas nessas empresas, digamos, “moderninhas” pode privar você de bons ganhos. Victor, que fez a lição de casa, escapou dessa armadilha.
“Resolvi investir também em ações do Itaú, que tem fama de ser um bom pagador de dividendos, e da Via Varejo”, diz ele. “Esse é um momento um pouquinho preocupante, mas o dinheiro vai ficar lá e não me faz falta.”

Embora estejam em evidência, a participação de empresas ditas digitais na formação do Ibovespa, o principal índice da B3, é praticamente nula hoje. Mas para Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, com a relevância que essas companhias vêm ganhando, dia após dia, a possibilidade de fintechs virem a compor o índice no médio prazo não pode ser descartada pelos investidores. “As novas opções de empresas relacionadas com evolução tecnológica tendem a ganhar espaço na aceitação de investidores no mercado de ações, principalmente entre as novas gerações”, diz.

Importante: num mundo digital, as mudanças acontecem rapidamente. E quem não fica atento a elas pode deixar escapar a chance de ganhar bons retornos - ou mesmo perder o dinheiro já investido.

O que o passado ensina?
Carlos Daltozo, chefe de renda variável da Eleven Financial, alerta que o momento atual, de rápidas transformações tecnológicas, pede atenção redobrada não só ao que virá pela frente, mas também ao que já passou. Para demonstrar essa necessidade, ele recorre a um caso emblemático do mundo dos negócios, o da Kodak.

A empresa, outrora líder do mercado fotográfico com 90% de participação, ficou para trás e pediu proteção contra credores em 2012, quando câmara fotográfica já era praticamente sinônimo de smartphone.

Detalhe: foi a própria Kodak quem criou, ainda na década de 1970, a tecnologia de fotografias digitais que a destruiu.
Exemplos históricos como esse, diz Daltozo, servem para reforçar os investidores que devem ficar de olho em tecnologias que alteram padrões de consumo – como a Uber, que mudou o modo de as pessoas se locomoverem em vários países. “Já vemos uma transformação semelhante no setor de meios de pagamento, possível graças ao avanço da tecnologia, mas, principalmente pela maior concorrência”, diz.

Quem vencerá a corrida digital na B3?
A disputa entre empresas consolidadas há anos no Brasil e novas entrantes, digitais, fica mais clara no setor bancário da B3. O espaço antes ocupado pelos “bancões”, nascidos num mundo analógico, está sendo invadido pelas companhias criadas já numa realidade digital, como banco Inter, Cielo e Linx — fora da bolsa brasileira outros nomes são PagSeguro, Stone, entre outras.

Quem vai ganhar a disputa pela preferência do consumidor, cada vez menos disposto a entrar numa agência para pagar suas contas e investir?
Uma das receitas mais importantes para o setor bancário vem dos serviços mais básicos prestados aos seus correntistas. E é justamente por esse flanco que eles têm sido mais duramente atacados pelas fintechs – avalia Carlos Daltozo, chefe de renda variável da Eleven Financial. “Essas empresas, se aproveitando da ineficiência dos bancos tradicionais, estão atuando em diversos nichos e oferecendo soluções menos burocráticas”, diz.

Hoje, o maior desafio para os cinco bancos brasileiros que concentram o mercado – Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Santander, Bradesco e Caixa (não listada) – é lidar com seus legados, diz Daltozo. Um legado de vários anos de acúmulo de dados e, principalmente, de sistemas criados décadas atrás.

“Bancos digitais têm a vantagem de já nascerem utilizando ferramentas e sistemas baseados em novas tecnologias, o que garante maior agilidade de atendimento e adaptação às variáveis de mercado”, diz.
Isso, no entanto, não garante que essas companhias vencerão a batalha por mais espaço no mercado financeiro do Brasil. Na área de crédito para pessoas físicas, de grande retorno para as instituições financeiras, a penetração das fintechs ainda é muito menor, por exemplo.

Fica valendo, portanto, a regrinha de sempre: diversificar a carteira para não perder as oportunidades. No caso do setor financeiro, entre ações de bancões e fintechs.
“Os grandes bancos sempre foram reconhecidos por oferecer para seus clientes o que há de mais moderno em termos de tecnologia”, diz o analista da Eleven. “Hoje é difícil dizer quem sairá vencedor nessa corrida digital, mas quem tem realmente a ganhar é o consumidor final, com serviços de menor custo.”

Cuidado com o múltiplo!
Outro ponto de atenção para os investidores na hora de escolher entre um ou outro papel é o preço, claro. E um dos métodos que os agentes de mercado usam para identificar o que está caro ou barato é fazer uma comparação entre o valor de mercado da empresa e seu lucro, o chamado múltiplo P/L (P de preço da ação e L de lucro).

O múltiplo P/L do tradicionalíssimo Itaú Unibanco, por exemplo, estava ontem em 11,5 vezes, quando se compara o valor de mercado do banco, de R$ 322 bilhões, com o lucro dos últimos 12 meses. Já o mesmo indicador do digital Inter era de 22,8 vezes, considerando R$ 13,7 bilhões de valor de mercado e o lucro de julho de 2018 a junho de 2019.

Em tese, quanto maior o múltiplo, maior o tempo que você terá que esperar para ter de volta o valor que investiu na ação, tendo como referência a expectativa de distribuição dos resultados. Por esse raciocínio, o índice do Itaú apontaria que o investidor terá de volta o quanto investiu no papel em 11,5 anos, enquanto no Inter esse tempo é o dobro. Por outro lado, o argumento a favor do investimento em empresas disruptivas é que o lucro delas tenderia a crescer mais rápido. Se o lucro dobrar de um ano para o outro e o valor de mercado ficar estável, o múltiplo cai à metade, por exemplo.

Resumindo: ou o lucro do banco digital vai crescer rápido o suficiente para justificar o preço da ação, ou ela está cara demais.

E é aí que entra a ponderação sobre o risco, né? Se os "donos do mercado" correm o risco de serem "disruptados" pelos entrantes, no caso dos últimos o perigo para o investidor é a expectativa de crescimento acelerado não se materializar ou se apostar no "cavalo" errado. Mesmo que a tese de que os bancões tradicionais perderão terreno esteja correta, quem garante que será o Inter, por exemplo, e não outro banco digital que nem mesmo existe hoje, ainda prestes a ser criado, que vencerá a corrida digital bancária? Já imaginou que ele pode ser atropelado por um novo concorrente enquanto um banco consolidado, como o Itaú, continuará existindo?

Num mundo de mudanças drásticas e rápidas, apostar todas as suas fichas num só vencedor pode significar lucros altos lá na frente, mas também a sua ruína. Portanto, e de novo, diversificar a carteira é garantia de menos turbulências em meio à "disrupção".

Quem manda no varejo?
Entre as redes varejistas na B3, a disputa também é quente, e a Magazine Luiza está à frente da concorrência no quesito e-commerce, afirma Daltozo. “Outras, como B2W, Centauro, Arezzo e até mesmo Via Varejo, que passou por uma transformação recente, estão buscando ajustar a sua estrutura para encostar na Magazine Luiza.”

E se o mundo está mais digital, as barreiras físicas estão menores. E desde a última semana as varejistas brasileiras estão lidando com a principal rede do setor mundial de e-commerce, a Amazon - empresa que desponta entre as "disruptivas" globais. A companhia lançou um pacote de serviços no Brasil que combina entregas de produtos e streamig de vídeos e músicas por apenas R$ 10 por mês, o que mudou a barra da competição.

Portanto, não só entre si, mas também com a concorrência estrangeira as varejistas nacionais competem por espaço. E o desenrolar dos próximos meses precisa ser acompanhado de perto por quem investe no setor de consumo na B3.

Panela velha...
Diante do apelo crescente por empresas consideradas “disruptivas”, o analista André Rocha lembrou faz algumas semanas no ValorInveste.com que não existem apenas Magalu e banco Inter na B3 – destaques no quesito “disrupção” nos setores varejista e bancário do Brasil.

“A bolsa brasileira deve ser dominada, nos próximos anos, pela tese de investimento das companhias disruptivas (Magazine Luiza, Linx, Totvs, Mercado Livre, PagSeguro, banco Inter...)”, diz.
Principalmente para que nunca investiu na bolsa, nada mais natural do que optar por ações de empresas em evidência nas mídias sociais, caso dessas companhias. Mas, embora faça sentido esperar bons ventos para esses papéis, Rocha entende que empresas de setores considerados menos digitais, como a BRF – poucas coisas soam menos analógicas que matar, congelar e vender frango, afinal – podem oferecer boas oportunidades de lucro.

No caso da BRF, fruto da fusão concluída em 2013 entre Sadia e Perdigão, Rocha aponta para potencial desalavancagem (redução de dívida) nos próximos anos, que representariam ganhos "na veia" para acionistas.
Ou seja, vale a pena apostar em empresas surfando na onda digital? Sim. Mas possíveis ganhos vindos de melhorias nos fundamentos de empresas consideradas tradicionais podem oferecer bons ganhos, que acabam passando batidos pelo radar de quem só tem olhos para mercados digitalizados.

 

Fonte: Valor Investe