Desde que o professor Burton Malkiel, da Universidade de Princeton, lançou, na década de 70, a provocação de que qualquer macaco vendado, ao atirar dardos nas tabelas de ações publicadas por um jornal seria capaz de escolher uma carteira tão ou mais eficiente quanto um especialista, o dilema gestão ativa versus passiva provoca acalorados debates no mundo dos investimentos.
Num momento em que o juro brasileiro está no seu menor nível da história, com a Selic em 6% ao ano, e os fundos de ações atraem uma montanha de dinheiro — são R$ 105,2 bilhões de 2017 para cá —, esse é um tema que ganha repercussões por aqui, já que o mercado de fundos passivos negociados em bolsa (os chamados ETF, do inglês Exchange Traded Fund) também começou a decolar e são uma alternativa mais barata para o investidor.
Levantamento feito pela Luz Soluções Financeiras para o Valor com fundos de renda variável mostra que 71,2% das carteiras superaram o Ibovespa nos últimos 12 meses. Mas quando se amplia o horizonte para 24 meses, o percentual com desempenho acima do índice cai para 41,5%. Em 36 meses, essa parcela limita-se a 43,9% da amostra composta por 756 fundos nas diversas classes.
As carteiras Ações Índice Ativo são as de pior desempenho, com apenas 54,8% dos fundos gerando excesso de retorno em relação ao Ibovespa, o chamado alfa, em 36 meses. Melhor eficiência aparece nos fundos que reúnem papéis de “small caps”, de empresas de menor capitalização de mercado, com 84,8% superando o índice.
“Na gestão ativa, o investidor paga mais porque o gestor promete um retorno maior, mas não necessariamente ele supera o Ibovespa”, diz Sara Marques, diretora da Luz, responsável pelo estudo.
Ela chama a atenção para o fato de a avaliação contemplar uma janela de 36 meses, que coincidiu com um período em que o mercado foi bem. Desde julho de 2016, pouco antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, passando pelo governo de Michel Temer até a chegada de Jair Bolsonaro à presidência, o Ibovespa subiu 97,6% até o fim de julho, data-corte do estudo da Luz. “A gestão ativa não parece consolidada no Brasil”, diz Sara.
Fundos de ações são recomendados para o longo prazo e talvez o intervalo de três anos seja insuficiente para avaliar a consistência de um gestor. Mas num momento em que o brasileiro começa a migrar da renda fixa para opções de mais risco, vale pesar se a gestão ativa está se pagando. No varejo, fundos com aplicação entre R$ 1 mil e R$ 25 mil cobram, em média, 2,22%, ao ano de taxa de administração, segundo a Anbima.
“Menos de 10% dos fundos que aparecem com as melhores performances ajustadas ao risco num determinado período continuam no seguinte”, diz o executivo de um banco estrangeiro. Para ele, são necessárias pelo menos oito janelas temporais justapostas para afirmar se um determinado gestor tem consistência de performance.
O especialista ressalva que isso não invalida a existência de casos de sucesso no mercado de gestão brasileiro, mas lembra que fundos com bom desempenho atraem uma quantia relevante de recursos e acabam fechados para captação.
Nos últimos três anos vale ponderar que o desempenho das estatais — por muito tempo largadas em razão da destruição de valor pela ingerência política dos governos anteriores — impulsionou o Ibovespa e fez com que muitos fundos ativos tivessem dificuldade de bater o referencial, diz Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities, uma das casas de ações mais lôngevas do mercado brasileiro — e cujo fundo tem retorno anualizado de 16,28% desde o início, em 2008, em comparação a 6,78% do Ibovespa no período.
“Não tenho dúvida de que a gestão ativa tende a gerar muito mais valor do que a passiva, muito em função da composição do índice que é formado por companhias que não são necessariamente baratas por causa da metodologia baseada no ‘free float’ [o capital em circulação], o tamanho da empresa e o volume de negociações”, afirma Rudge. “Na gestão ativa os gestores procuram histórias específicas que muitas vezes, até por não estarem no índice, são menos conhecidas e têm um potencial de valorização maior.”
Mercado pequeno
O especialista também chama a atenção para o fato de haver um universo relativamente pequeno de companhias listadas na B3, o que torna o trabalho do gestor mais complicado, forçando-o, muitas vezes, a comprar empresas do índice. “Em países mais desenvolvidos, a gama de possibilidades é maior e o gestor ativo tende a performar melhor”, afirma Rudge.
O fluxo de informações sobre as empresas hoje é mais fluido, e com isso as oportunidades de ganhos de curto prazo diminuíram, mas isso não muda as histórias de longo prazo das empresas, diz Cândido Gomes, sócio-responsável pela área comercial da Constellation , outra casa que se provou na gestão ativa, com retorno anualizado de 16,25% desde 2007, em comparação a 5,79% do Ibovespa.
“Quem consegue realmente investir em ‘research’ e numa análise fundamentalista mais profunda consegue ter insights e escolher boas empresas, com boa governança e investir por longos períodos de tempo”, afirma Gomes.
Ele cita que o trabalho do time é conseguir entender quais serão as empresas vencedoras nos próximos três a cinco anos. “Os nossos analistas conhecem as empresas profundamente e tentam ter uma opinião diferenciada do mercado sobre qual tem o melhor produto que será mais adotado pelo seu mercado, qual tem o melhor CEO que vai encontrar novas avenidas de crescimento e quem vai realmente conseguir mudar a dinâmica do seu setor.” Gomes lembra ainda que muitas das empresas mais inovadoras que estão crescendo não estão no índice.
Em mercados emergentes, a geração de alfa costuma ser maior do que em países desenvolvidos e ainda se justifica pagar pela gestão ativa, defende José Alberto Baltieri, gestor de ações da Bradesco Asset Management (Bram). Ricardo Eleuterio, chefe da área de produtos da gestora, acrescenta que não dá mais para fechar os olhos, porém, para a tendência de crescimento dos ETFs.
A Bram fez sua incursão no segmento no fim de junho, com uma captação de R$ 750 milhões num ETF de Ibovespa, que hoje já tem um patrimônio de R$ 1,7 bilhão. Estreou com taxa de 0,20% ao ano. “A velocidade [da expansão] deve ser mais lenta do que nos mercados desenvolvidos”, diz Baltieri.
Quando se compara a indústria no mundo, onde os ETFs representam cerca de 10% do setor de fundos, e o Brasil, com menos de 0,5%, há espaço para avançar, diz Eleuterio. “Há potencial, mas confesso que a gente acredita muito na gestão ativa.” Nesta frente, a Bram reduziu a taxa de administração dos fundos ativos oferecidos na rede, para 1,5% ao ano.
Fundos ativos ou ETFs?
No conjunto, os ETFs listados na B3 reuniam R$ 20,8 bilhões ao fim de julho, quase três vezes superior ao observado um ano atrás. O número de investidores saltou de 30,9 mil em agosto do ano passado para 79,6 mil.
Além dos ETFs de Ibovespa da Bram, há o do Itaú e o da BlackRock, com taxa de 0,30% ao ano. Há ainda alternativas em índices que reúnem small caps, em empresas com foco em dividendos ou no referencial de ações americano S&P 500. São ativos que podem ser comprados via home broker, como qualquer ação.
O Brasil ainda oferece alguma oportunidade para a gestão ativa, porque há distorções, mas o grande desafio é a consistência de retorno ao longo do tempo, afirma Pedro Lula Mota, gestor de portfólio da Vérios Investimentos. “Com o movimento de novas assets é preciso que a gestão ativa se comprove, muitas casas ainda não têm histórico para isso”, alerta.
Felipe Sotto-Maior, sócio-fundador da gestora — que sugere carteiras e balanceamento de riscos por meio de um robô, valendo-se de ETFs — acrescenta que o fator comportamental pode fazer naufragar até os mais experientes profissionais.
“O problema é quando o gestor acerta várias vezes e começa a achar que tem mão de ouro, é aí que ele pode errar no tamanho do risco”, afirma. “A gestão ativa pode ter lugar no portfólio desde que o investidor entenda o que está comprando, que se trata de uma aposta direcional e quais os riscos.”
Fonte: Valor Investe