Na semana passada, foi aprovado na Câmara dos Deputados o texto-base de um projeto de lei que prevê a adesão automática de todos os consumidores ao cadastro positivo.
A mudança impacta o bolso do consumidor. Quem tiver uma nota boa no cadastro terá condições melhores para comprar um carro, um imóvel ou até uma geladeira, e quem tiver uma nota ruim pode sofrer contratempos para tomar um empréstimo.
A Câmara deve votar algumas alterações pontuais ao projeto nesta quarta-feira (16). Depois, o texto segue para nova análise do Senado Federal, de onde veio originalmente.
O Banco Central e o governo afirmam que, se as instituições financeiras puderem diferenciar com maior grau de detalhe os bons e maus pagadores, as taxas de juros praticadas pelo mercado irão cair.
Por outro lado, advogados questionam se a proteção de dados pessoais dada pela lei é suficiente. Quem não quiser participar dos cadastros pode sair a qualquer momento.
Confira abaixo perguntas e respostas:
- O que é o cadastro positivo?
É um tipo de registro de informações sobre consumidores que existe desde 2013. Atualmente, só quem pede para participar pode ser incluído. No cadastro da Serasa, há 6 milhões de inscritos.
A Boa Vista Serviços também mantém um banco de dados desse tipo, com 7 milhões de cadastrados. Ele é "positivo" em oposição aos bancos de "nomes sujos", que contêm apenas os inadimplentes.
- Como funciona a adesão automática ao cadastro?
Se a mudança na lei passar, qualquer consumidor pode ser incluído automaticamente no cadastro. Todos serão comunicados por escrito em até 30 dias, e podem pedir para serem excluídos a qualquer momento.
A partir do momento em que a pessoa pediu para ser retirada, o gestor do cadastro tem dois dias úteis para agir e excluir seus dados do banco.
- Quem passa as informações para os bancos de dados?
Antes, eram apenas instituições que concedem crédito, como bancos. Com o projeto, podem ser fontes as administradoras de consórcios e prestadores de serviços de água, esgoto, gás, luz e telecomunicações, ou seja, os bancos de dados deterão uma quantidade muito maior de informações sobre o cliente.
- Que diferença faz incluir a conta de telefone na análise de crédito?
Na lei atual sobre o cadastro, de 2011, há um parágrafo que proíbe explicitamente o uso de informações sobre telefonia móvel pós-paga nos cadastros. A ideia é eliminar essa vedação.
"As empresas tratam esse dado como o Santo Graal, porque há milhares de pessoas que só têm uma conta no seu nome, a de celular", diz Rafael Zanatta, advogado e pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
"O problema é que há muitas cobranças indevidas no setor de telefonia." Um exemplo são assinaturas de jogos e aplicativos que o usuário não contratou. "Se eu souber que, ao deixar de pagar uma conta, isso prejudica minha nota, tenho um estímulo maior a aceitar uma cobrança errada e não reclamar."
- Quem pode usar o cadastro positivo?
Hoje, apenas instituições autorizadas pelo Banco Central podem usar cadastros positivos para análise de crédito. O projeto de lei amplia essa permissão, possibilitando que fintechs (empresas financeiras que usam tecnologia para prestar serviços personalizados, como o Nubank) sejam gestoras.
"A tendência é que as condições dos empréstimos melhorem se várias instituições puderem usar os dados", diz Daniel Sivieri Arruda, pesquisador de direito e economia da FGV. "Hoje, as fintechs não têm acesso ao histórico de crédito dos consumidores, o que gera assimetrias."
- Por que alguns economistas defendem o cadastro?
O cadastro positivo é uma das soluções apontadas por economistas para reduzir o elevado spread bancário no país. O spread é a diferença entre o que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram para emprestá-los, ou seja, a diferença entre a taxa básica de juros (Selic) e a taxa média que consumidores pagam às instituições financeiras.
A equipe econômica do governo defende que o spread pode cair até 30% em alguns produtos em que o cadastro positivo é mais importante, estimulando o mercado de crédito. Essa queda não seria para todos os consumidores, e sim para quem se beneficiasse de um perfil de "bom pagador".
- Quem não tiver as contas em dia terá que pagar mais juros?
É possível, mas há quem defenda que as taxas de juros médias vão cair, o que vai beneficiar mais pessoas. "Hoje, as oportunidades de crédito levam em conta o risco de todos", diz Caroline Gonçalves, advogada do Trench Rossi Watanabe.
Quem tem um bom histórico não tem benefício no sistema atual, diz Bernard Appy, economista diretor do Centro de Cidadania Fiscal. "Hoje, só o banco sabe que eu sou bom pagador e não tem interesse nenhum em me oferecer uma taxa mais baixa, e o concorrente dele não sabe disso, então também não tem o que fazer", afirma.
- Posso saber qual a minha nota ("score")?
Sim. A lei garante que o cadastrado tenha acesso a todas as informações existentes sobre ele no banco de dados.
- Qual tipo de dado pessoal o cadastro pode conter?
A redação da lei hoje proíbe que sejam mantidas informações "excessivas" (definidas como "aquelas que não estiverem vinculadas à análise de risco de crédito ao consumidor"). Zanatta considera o termo "excessivas" genérico demais. "Há diversas informações que são úteis e se pode se discutir se são ou não excessivas, como se o consumidor usa um iPhone ou um celular da Motorola, ou se a pessoa usa mais o Twitter ou Facebook."
- Quais dados ficam definitivamente de fora do cadastro positivo?
Dados bancários, como saldo de conta corrente, limite de cheque especial, limite do cartão de crédito ou informações sobre investimentos dos consumidores estão sob sigilo bancário e não entram no cadastro positivo.
"A pessoa é boa pagadora se ela tem uma conta para pagar e paga essa conta, não se ela tem muito dinheiro na conta corrente", afirma Pablo Nemirovsky, superintendente de serviços ao consumidor da Boa Vista SCPC.
- O birô de crédito pode divulgar meus dados pessoais?
A princípio, os gestores do cadastro positivo estão autorizados apenas a repassar a nota do consumidor, seu "score", aos clientes (bancos que cedem empréstimos, por exemplo). Caso a instituição financeira obtenha uma autorização individual, porém, ela pode levantar mais dados do cadastro.
Se alguém quiser contratar um financiamento de um imóvel, o banco pode pedir permissão para ver suas informações em um cadastro positivo. A instituição leva, então, essa autorização ao birô, que mostra os dados do consumidor - as contas de luz que foram pagas nos últimos anos e se houve algum atraso, por exemplo.
- E se alguém esquecer de sair do cadastro ou não souber direito do que se trata?
Uma das maiores críticas de advogados é que o Brasil não conta com uma lei de proteção de dados pessoais (há um projeto de lei de 2016 na Câmara dos Deputados que sanaria esse problema).
Por enquanto, remete-se ao Marco Civil da Internet, de 2014, que diz que, se uma empresa está passando os dados pessoais de alguém para um terceiro, a pessoa deve concordar com isso e esse consentimento precisa ser "livre, expresso e informado".
A discussão, agora, é se isso se aplica ao cadastro positivo. "No caso do cadastro ou dos termos de consentimento de um produto, até que ponto o consumidor entendeu com o que está concordando ou não?", questiona Gonçalves, do Trench Rossi Watanabe.
- O banco só contém informações positivas sobre consumidores?
A lei fala em um banco de dados com informações de "adimplemento", ou seja, dos pagamentos feitos, e não dos calotes dados. Os defensores do cadastro dizem que, por isso, o dano ao consumidor é mínimo e o cadastro é, na prática, uma lista de bons pagadores.
Para Rafael Zanatta, do Idec, esse argumento é falacioso. "Imagine que diz lá que você pagou a conta de luz em janeiro, fevereiro e abril. Isso abaixa sua nota", diz. "Obviamente, a base de dados inclui as irregularidades para atribuir uma nota ao consumidor."
Um levantamento do Serasa obtido divulgado po jornal Folha de S. Paulo em fevereiro mostra que, após aderir ao cadastro positivo, 40% dos consumidores melhoraram suas pontuações. Outros 22%, porém, pioraram seu "score", e para 38%, nada mudou.
- Se uma informação equivocada no cadastro me prejudicar, quais as consequências?
Tanto o gestor do banco de dados quanto a fonte (o banco, por exemplo) podem ser responsabilizados caso um consumidor seja prejudicado injustamente pelo birô de crédito, se sua nota estiver abaixo do desejado devido a uma cobrança indevida, por exemplo.
No caso de cadastros de inadimplementos, esse tipo de reclamação já é rotineira. No cadastro positivo, dados desfavoráveis ao consumidor seriam meses sem registro de contas pagas, atrasos no pagamento ou uma quitação de dívida renegociada, entre outros exemplos.