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BC deve preparar mercado para possível alta da Selic em setembro, diz Guerra

Quarta, 17 Julho 2024

A recente piora das expectativas de inflação no Brasil requer uma resposta rápida para evitar possíveis efeitos danosos para a economia posteriormente, o que significa uma mudança de direção rumo a um novo aumento dos juros básicos do País. A visão foi defendida por Felipe Guerra, CIO da Legacy Capital, em entrevista exclusiva ao InfoMoney na sexta-feira (12). “Quanto mais esperar [para elevar os juros], maior vai ser o trabalho para consertar. Achamos que, nesse câmbio de R$ 5,45, o BC deveria preparar o mercado e o Governo para eventual alta [da taxa Selic] em setembro”, alertou o executivo.

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Segundo Guerra, as projeções do mercado para a inflação devem ir para acima de 4% neste ano e no ano que vem, o que forçaria o BC a colocar no seu modelo uma expectativa de inflação em 3,60%, portanto acima da meta de 3%. “Nunca vimos na história um BC não se mexer quando o modelo de inflação diverge mais de 50 pontos-base da meta”, acrescenta.

Dado o cenário, algo que aflige o executivo é “quando o arcabouço irá explodir”, pois, na sua visão, a âncora fiscal “não é viável”. Guerra também se mostrou preocupado com o impacto das falas recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o Banco Central.

Apesar de dizer que há desafios para a Bolsa no Brasil, o executivo avalia que “nunca esteve tão barato” para comprar ações de shoppings e que há boas oportunidades também em papéis mais ligados a concessões públicas. Já ao falar sobre os Estados Unidos, ele acredita que o cenário está mais “benigno” para ativos de risco lá fora e vê chance de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) realize dois cortes neste ano.

InfoMoney: Um estudo apontou que boa parte da alta do dólar é fruto de ruídos locais. Qual é o peso desses ruídos na visão da Legacy?

Felipe Guerra: A questão é se é ruído mesmo ou sinal. Tem muito sinal e muito ruído. Essas falas e entrevistas do Lula geram volatilidade. Do lado dos sinais, temos toda essa questão do presidente com relação ao Banco Central. Quando ele fala isso, ele antecipa a preocupação com a transição. Você está saindo de um Banco Central técnico para outro que será apontado pelo presidente que acha que tudo tem que ser diferente. Você coloca em xeque a credibilidade do próximo mandato do BC de certa forma. Isso provoca uma necessidade de o BC se mostrar mais técnico do que ele deveria, se ele não tivesse o presidente falando. Essa postura gera um ônus para a próxima equipe do BC, que terá se provar tecnicamente. Enquanto isso não acontecer, você vai ter essa desconfiança.

Outro sinal é a questão do arcabouço. As medidas de indexação dos benefícios sociais ao salário mínimo e a proposta de subir o piso de saúde e educação fazem com que o arcabouço seja inviável. A questão não é se o arcabouço vai ser respeitado ou não. A questão é quando o arcabouço vai explodir. Para ele ser viável, você precisa de medidas estruturais, de desindexação dos benefícios sociais ao salário mínimo e uma revisão dos pisos de saúde e educação. O arcabouço não para de pé.

Há um terceiro ponto que não depende tanto do Governo e que afeta o câmbio, que é a conta corrente. Fizemos uma revisão. Temos visto uma piora. Economistas estão revendo a conta corrente para mais negativa. Tem alguns fatores: há muita saída pelo canal do Bitcoin e tem a questão das ‘blusinhas’. Tem um canal de importação de compras feitas pelas pessoas em sites chineses. É uma conta que tem piorado bastante. Outro fator que chama atenção é a contratação de serviços de tecnologia por parte de empresas para estar na nuvem. As companhias têm que importar tecnologia de fora, senão ficam de fora. Tem muito local no preço do câmbio. Acho que o câmbio justo é esse que está na tela. A questão é se ele tem muito ou pouco prêmio para os riscos que o país apresenta.

IM: E o que você acha?

Guerra: Acho que o prêmio é baixo. Poderia ser maior. Não achamos que tem tanto prêmio assim para apostar na moeda. Acho que alguma coisa tem que ser feita com relação à piora das expectativas. Se o mercado está com uma expectativa de inflação de 4,10% para este ano, isso significa que o modelo do BC deve colocar uma projeção de 3,60%, sendo que a meta é 3%. O modelo do Banco Central vai ficar muito distante da meta. Nunca vimos na história o Banco Central não se mexer quando o modelo de inflação dele diverge mais de 50 bps [pontos-base] da meta. É muito provável que o BC tenha que preparar o mercado para um próximo ciclo de alta. Um país emergente como o Brasil não pode se dar ao luxo de ver a expectativa de inflação piorando. Quanto mais esperar, maior vai ser o trabalho para consertar. Achamos que, nesse câmbio de hoje [sexta], de R$ 5,45, o BC deveria preparar o mercado e o Governo para eventual alta em setembro. Além da piora nas expectativas de inflação, o crescimento do PIB tem surpreendido para cima. Os juros atuais não estão restritivos e a economia está acelerando.

Se fizer logo, o BC vai precisar de 150 bps [pontos-base] até o fim do ano. Faz três altas da Selic de 50 bps [pontos-base], com consenso da diretoria. Nisso, você ancora as expectativas e o novo BC assume com a casa mais organizada.

IM: Como estão vendo a Bolsa agora? Há chance de que essa alta se mantenha?

Guerra: A Bolsa tem um desafio grande que é o nível de juros, do CDI. Gostamos de olhar caso a caso. Teve um movimento muito grande de saída de estrangeiros e de resgate nas indústrias de fundos de ações. Tem muito coisa boa e que acabou ficando nas mínimas históricas, pior do que 2015 quando o país estava em recessão. Os múltiplos de alguns papéis estão muito comprimidos e justificam ter uma alocação, porque o upside [potencial de alta] é grande dado o patamar histórico.

IM: Onde há oportunidades?

Guerra: Nunca esteve tão barato pra comprar [ações] de shoppings. A TIR [taxa interna de retorno] dos shoppings está muito alta. O prêmio sobre o juro real é muito alto. Parece um investimento muito atrativo. É uma posição que parece ter menos risco nesse momento, porque o preço está muito baixo. Os shoppings estão com crescimento de receita. Ações de utilities [concessões públicas] também estão descontadas, estão com prêmios altos. Nunca esteve tão barato para comprar boas empresas de utilities no Brasil. Uma boa posição é estar comprado (apostando na alta) nessas empresas e tomado (quando se acredita na subida) em juros. A pessoa tem pouco a perder com os papéis das empresas e com os juros, que não vão fechar (recuar). Eles vão abrir (aumentar). Gostamos de Bolsa e crédito e menos de juros e de câmbio. Se o BC fizer a coisa certa é melhor tomar no juros. Já se ele não fizer, é melhor tomar (apostar na alta) no dólar.

IM: Como estão vendo o cenário internacional agora?

Guerra: Achamos que o cenário externo está mais benigno. A oferta de emprego deu uma normalizada e a quantidade de pessoas também deu uma melhorada. O mercado de trabalho está mais equilibrado e os dados econômicos estão apontando para uma desaceleração em relação ao PIB [Produto Interno Bruto] potencial, além de que a inflação do PCE (Índice de Preços para Gastos de Consumo Pessoal) está com um qualitativo bem melhor. O número de seguro- desemprego nos EUA subiu para uma média móvel de 230 mil. Essa média significa uma criação de vagas de trabalho entre 150 mil e 200 mil por mês. Isso é tradicionalmente compatível com um PIB entre 2% e 2,5%. Não estamos vendo uma recessão. Temos um cenário benigno que vai possibilitar o banco central americano cortar os juros duas vezes.

IM: Mercado voltou a sonhar com três cortes. É um exagero?

Guerra: Acho que pode acontecer. O mais importante é ter a segurança que os juros são daqui para baixo. Se tiver mais ou menos como estamos vendo, o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) vai cortar duas vezes e ano que vem corta mais. Diria que tem 150 pontos-base de corte de juros que devem ocorrer entre 2024 e 2025. As condições estão dadas. Se vai ser um pouco mais ou pouco menos, os dados é que vão dizer. Tem que olhar os números de inflação, vendas no varejo e mercado de trabalho. Se o mercado de trabalho estiver mais fraco, o consumidor vai estar mais fraco. Se for desacelerando mais, o Fed pode cortar três. Se ficar no patamar que estamos vendo, acho que ele vai cortar duas vezes e que não vai ser sequencial.

IM: O que esse cenário representa em termos de posições em juros?

Guerra: É um contexto positivo para ativos de risco. Você tem valorização dos bonds (títulos) e da Bolsa. Se estamos em um ambiente em que o juro das empresas vai ser mais baixo, o múltiplo das empresas pode ser mais alto. Ter uma posição comprada em Bolsa e aplicada [apostando na queda] em juros simultaneamente é uma boa para esse ambiente mais benigno para risco. Preferimos Bolsa a juros, porque achamos que não haverá recessão nos Estados Unidos. Acreditamos que eles vão seguir crescendo próximo do potencial e que isso vai fazer com que o juro não feche tanto. É um ambiente bom para carry trade e deveria ser bom para emergente. O externo está ajudando o Brasil e os demais emergentes.

IM: Por que os emergentes não têm se beneficiado disso?  

Guerra: Tivemos três eleições importantes na Índia, África do Sul e México. Todas elas tiveram um resultado mais à esquerda, o que envolve um Estado que gasta mais. O mercado está super sensível a essa agenda fiscal. Emergentes, no geral, não conseguiram se beneficiar desse cenário internacional por conta do resultado dessas eleições. Já o Brasil se complicou com a questão fiscal e com o presidente [Lula] dando uma série de entrevistas. Poderíamos ter performado muito, dado que os outros emergentes estavam com problemas, mas arrumamos os “nossos próprios problemas” e fomos lá e nos afogamos no copo d’agua.

 
 
FONTE: INFOMONEY