Eis uma consequência inevitável da avalanche eleitoral: a dissociação da realidade brasileira do contexto global. Enquanto nos debatemos entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), o mundo segue seu curso. E, infelizmente, o cenário não é dos mais promissores para a economia brasileira no curto ou no médio prazos.
Enquanto a bolsa brasileira estava fechadas por conta do feriado na sexta-feira, as bolsas internacionais encerraram uma semana de queda sob impacto de uma confluência de números negativos. Na terça-feira, o Fundo Monetário Internacional reduziu a previsão de crescimento da economia global de 3,9% para 3,7%.
Entre os motivos estão a guerra comercial entre Estados Unidos e China, um arrefecimento na economia europeia e o aumento de juros nos Estados Unidos, que leva a cortes de investimentos em países emergentes, como Brasil. Ao encerrar o encontro anual do fundo, ontem na Indonésia, sua diretora-geral, Christine Lagarde, lamentou “o questionamento do multilateralismo”, fonte de “um nível de incerteza nunca visto”.
Segundo um número crescente de analistas, o ciclo de crescimento global pode estar no fim justamente quando o Brasil tenta sair da maior recessão de sua história. Na semana passada, o Dow Jones, o principal índice de ações americano, fechou em queda de 4,5%. A expectativa é que a temporada de balanços, que começa hoje, traga algum alento de curto prazo para um cenário sombrio.
A grande pergunta para investidores de olho no Brasil é o quanto o país consegue se blindar do cenário externo. Os bons números de Bolsonaro fizeram com que a bolsa brasileira ficasse estável na semana passada, apesar da turbulência internacional. O problema é que o capitão reformado do exército vem dando reiterados indícios de ser menos comprometido com o liberalismo econômico e com as reformas do que o mercado convenientemente supôs nas últimas semanas.
“A reforma da Previdência está sob risco, as privatizações ficaram no passado e por onde se olha nas propostas tudo passa por forte aumento de gastos, como no Bolsa Família”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados e colunista de EXAME.
Em artigo recente a EXAME, Harold James, professor de Princeton, alertou para a demora em medidas populistas causarem danos na economia real. A única certeza, para James, é que um dia o chão acaba, seja para Donald Trump nos Estados Unidos ou para Recep Erdogan, na Turquia. A vantagem de chegar atrasado à corrida populista global dá ao Brasil a vantagem de analisar os erros externos.
“Um eventual governo Bolsonaro corre o risco de fazer menos do que Michel Temer vinha fazendo”, diz Vale.
Fonte: Exame