Em janeiro de 2024, o Science Based Targets Initiative (SBTi) anunciou que revisaria seu principal Padrão Corporativo Net-Zero como prioridade para o ano. Essa revisão incluiria orientações adicionais sobre como lidar com as emissões de escopo 3, que são aquelas provenientes de atividades comerciais de terceiros, como fornecedores, transporte e descarte de produtos.
Já no mês de abril, o Conselho de Curadoria do SBTi divulgou uma nota indicando a intenção de referendar o uso de créditos de carbono para o abatimento de emissões de gases de efeito estufa do escopo 3.
A nota mencionada reconhece o uso de certificados de atributos ambientais como uma ferramenta adicional importante para reduzir as emissões de escopo 3, desde que apoiado por políticas e procedimentos baseados em evidências científicas.
Críticas e Avanços
A partir da divulgação da nota, que atualmente aguarda uma avaliação do Comitê Técnico, houve uma resposta positiva de alguns participantes do mercado voluntário de carbono. Ocorre que críticas também foram emergindo por parte da mídia e membros da própria organização.
As principais opiniões contrárias envolvem uma suposta diminuição do padrão de qualidade e da exigência científica nata ao SBTi, bem como uma diminuição do incentivo financeiro nas reduções de emissões nas cadeias de valor como um todo.
Além disso, há a alegação de que o posicionamento teria pulado etapas de validação na organização, excluindo parte da equipe da tomada de decisão. O eventual desentendimento foi abordado pelo próprio CEO do SBTi, Luiz Amaral.
Em nota, ele admite os ruídos na comunicação, mas enaltece que a iniciativa não pode fugir do debate e deve tratar de alternativas realistas para o cumprimento dos objetivos firmados. Uma posição clara do SBTi pode servir, portanto, de guia para um uso responsável dos créditos de carbono pelas organizações.
Quanto às críticas em relação ao real impacto do uso de offsets, pesquisas mostram que os créditos de carbono, quando incorporados a uma estratégia eficaz de combate às mudanças climáticas, não só servem como uma medida paliativa, mas também impulsionam a inovação e o compromisso efetivo com ações de mitigação em relação a Mudança do Clima.
De acordo com estudos da Ecossystem Marketplace, com dados do Carbon Disclosure Project (CDP), empresas que adotam compensações de carbono têm um avanço maior em suas iniciativas internas de redução de emissões, como:
- Os compradores de créditos de carbono são mais propensos a ter estratégias de engajamento de seus fornecedores e investem três vezes mais em atividades de redução de emissões do que aqueles que não compram créditos;
- 59% dos compradores de créditos de carbono relataram redução nas emissões brutas ano a ano, em comparação com 33% das empresas que não participam desses mercados.
Neste ponto, cabe esclarecer ainda que estudos encomendados pela International Emissions Trading Association (IETA) mostram que as emissões corporativas globais são de cerca de 88 GtCO2eq, incluindo todos os escopos.
E apenas uma pequena parte, aproximadamente 179 milhões tCO2eq, foi compensada com offsets em 2023, o que representa cerca de 0,2% do total de emissões. Esse número é muito baixo para dizer que o uso de offsets já está tendo um impacto significativo nas políticas de redução de emissões das empresas.
Além disso, é importante ter clareza a compensação de emissões carbono deve ser parte de um conjunto mais amplo de estratégia e ações climáticas, e não uma solução isolada. Comprar créditos de carbono não tem o mesmo impacto que reduzir as emissões diretamente.
Os créditos de carbono são uma ferramenta importante nos planos de redução de emissões das organizações, possibilitando que ganhem tempo para o desenvolvimento de tecnologias alternativas em setores difíceis de descarbonizar. E sempre são endereçadas às emissões residuais.
O mesmo estudo da IETA mostrou que as empresas estão caminhando para um déficit de cerca de 4,5 GtCO2eq em relação às metas de redução para 2030, gerando um desalinhamento com o Acordo de Paris. O não cumprimento dessas metas pode ter consequências graves para o clima. Diante desse cenário, os créditos de carbono têm papel ainda mais relevante, mantendo o engajamento de empresas e organizações com compromissos consistentes.
Transparência e Responsabilidade
Em relação às críticas referentes à possível redução da qualidade, esclarece-se que as organizações emissoras dos créditos de carbono estão adotando medidas mais rigorosas para garantir mais transparência e integridade ao mercado.
Para isso, estão sendo estabelecidas diretrizes para verificar projetos de offset e implementar sistemas de rastreamento que assegurem que os créditos de carbono representem compensações efetivas, mensuráveis e permanentes nas emissões.
Essas iniciativas incluem modificações nas metodologias como, por exemplo, a confecção de linhas de base jurisdicionais para a avaliação centralizada do estoque de carbono em projetos NBS.
Recentemente, o Integrity Council for the Voluntary Carbon Market (ICVCM) confirmou que a VERRA (VCS Program) e o American Carbon Registry (ART) atendem aos seus altos padrões de integridade, após um processo robusto de análises metodológicas.
Essa conformidade é fruto das iniciativas de melhorias nos controles e aumentam a confiança dos participantes do mercado na credibilidade desses programas.
Além disso, a Iniciativa de Integridade do Mercado de Carbono Voluntário (VCMI) também têm exercido um papel importante para estabelecer padrões de qualidade e integridade para projetos e certificadoras bem como guias para as empresas sobre as situações em que o crédito de carbono deve ser utilizado como estratégia de redução das emissões, considerando sempre o abatimento de emissões residuais.
Investimento em Iniciativas Sustentáveis
Os créditos de carbono podem impulsionar investimentos em projetos sustentáveis que, de outra forma, não receberiam financiamento suficiente. Estudos da McKinsey apontam o alto custo para garantir a permanência do bioma amazônico, necessitando investimentos da ordem de até US$ 2,3 bilhões por ano.
O mercado voluntário pode, portanto, dar viabilidade econômica à preservação da biodiversidade amazônica, com um potencial de geração de receitas de até US$ 26 bilhões por ano até 2030.
Além do impacto positivo na preservação da biodiversidade, projetos geradores de créditos de carbono podem ser mecanismos eficazes na distribuição de renda e de desenvolvimento social.
Estimativas da BR-VCM, por exemplo, indicam a criação de até 880 mil empregos, sendo 60% nas regiões próximas aos projetos de crédito de carbono.
Isso significa que, além dos impactos ambientais e incentivo à avanços na redução das emissões por parte das empresas, a utilização de créditos de carbono movimenta capital e auxilia no progresso das comunidades envolvidas.
Um Caminho Consciente
O SBTi possui um papel relevante como órgão fiador de estratégias corporativas de descarbonização. E a discussão sobre o uso de créditos de carbono para compensar emissões na cadeia de valor pode auxiliar na manutenção dos objetivos do acordo de Paris.
Quando usados como parte de uma estratégia abrangente, os créditos de carbono ajudam as empresas a cumprirem metas climáticas globais, promover o desenvolvimento sustentável e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono. Portanto, os créditos de carbono não representam um retrocesso nas políticas climáticas, mas sim um impulso para investir em estratégias de mitigação.
Assim, é importante usar os créditos de carbono de forma consciente e complementar para garantir reduções duradouras nas emissões de gases de efeito estufa, além de trazer benefícios sociais e financeiros para as comunidades envolvidas.
FONTE: EXAME