O otimismo tomou conta do mercado brasileiro nos últimos meses. Após uma alta acumulada de quase 9% no ano, parte dos analistas ainda enxergam que o Ibovespa tem espaço para ir além, batendo os 130 mil, 135 mil ou até mesmo 140 mil pontos no final de 2023. Mas há também quem esteja mais cético e cauteloso.
A Kinea, em carta divulgada no começo do mês, por exemplo, afirmou ver um cenário mais desafiador no segundo semestre de 2023 – tanto no que tange à economia global, quanto no que tange a local.
“No mundo, vemos os primeiros sinais que o mercado de que o mercado de trabalho norte-americano pode estar finalmente arrefecendo, trazendo a possibilidade do aperto monetário finalmente ganhar tração na economia real”, fala a equipe da gestora.
Nesta quarta-feira (12), a inflação americana (CPI) de junho trouxe uma alta de 0,2% no mês e de 3% no acumulado dos últimos 12 meses. Apesar de dar espaço para que o Federal Reserve seja mais brando em sua política monetária, o número mostra uma economia mais fraca, o que deve se refletir nos resultados das empresas nos Estados Unidos e, decorrentemente, no mundo.
O time da Kinea chama a atenção para o fato de os PMIs (índices de gerentes de compras, na sigla em inglês) terem desacelerado consideravelmente, principalmente os de manufatura.
“A desaceleração da economia está sendo postergada pela resiliência do consumo, que por sua vez se mantém por uma combinação da poupança acumulada e um ainda resiliente mercado de trabalho. Os dados mais recentes da economia norte-americana parecem agora, no entanto, sugerir que o mercado de trabalho está sentindo a desaceleração econômica”, mencionam.
O economista Luiz Fernando Roxo vai em uma linha parecida, mencionando a curva de juros dos Estados Unidos.
“Todas as vezes que as taxas mais curtas ficaram acima das mais longas nos Estados Unidos, ou seja, invertidas, houve uma recessão. Em 100% das vezes”, comenta o especialista. “As pessoas, por enquanto, não estão precificando a recessão. Mas a recessão nunca aparece no radar, ela acontece de uma hora para a outra”.
China também é ponto importante para a Bolsa
Além de a economia americana estar dando seus primeiros sinais de desaceleração, a da China também não está empolgando. A reabertura após a política de Covid Zero vem frustrando e as projeções para o produto interno bruto, caindo.
“Com relação à China, continuamos a observar uma atividade em desaceleração, com números no segundo trimestre bem inferiores ao esperado pelo mercado”, comenta a Kinea.
André Leite, CIO da TAG Investimentos, endossa a preocupação com a economia do gigante asiático.
“Todo mundo achou que a China, depois da reabertura, viria sua economia voltar para o ritmo de crescimento que estava tendo antes da Covid 19. Isso não aconteceu. O consumidor chinês continuou comprando, claro. Elle voltou a gastar alguma coisa. Mas não voltou para o nível de pré-pandemia. Os indicadores de atividade da China estão decepcionando”, elabora.
Pelo fato de o país ser um grande consumidor de commodities, produtos importantes para a economia brasileira – e para a Bolsa -, a performance do país deve impactar o Ibovespa.
A melhor forma de ilustrar isso, provavelmente, é falando da Vale (VALE3). A mineradora, que corresponde a quase 10% do Ibovespa, recua mais de 20% no ano, acompanhando o preço do minério, que vem em baixa, justamente por conta da China. Apesar da recente recuperação no mês, no acumulado do ano as ações VALE3 ainda caem 21%.
E, para o final de 2023, há quem duvide de uma melhora nesta frente. Apesar das sinalizações de estímulos econômicos pelo governo chinês no setor imobiliário, parte dos analistas pensa que o provável é que essas medidas focarão na venda de imóveis já construídos, para melhorar o caixa das construtoras, e não na produção de novos. Mais do que isso, há também o temor do banco de que a fraqueza do setor imobiliário chinês seja estrutural, com os anos dourados de significativa atividade imobiliária acabando.
As questões internas
Por fim, o cenário para o Brasil, na visão dos mais cautelosos, também pode ser um pouco mais conturbado daqui até o resto do ano.
“No Brasil, certamente o Produto Interno Bruto (PIB) não deve manter o mesmo momento observado no primeiro semestre. E talvez, mais importante, com essa desaceleração e maior proximidade de mudança na liderança do banco central, fantasmas fiscais e inflacionários podem voltar a assombrar nossa economia”, comenta a Kinea.
No último Focus, publicado nessa segunda, a projeção para o crescimento do PIB brasileiro em 2023 estacionou em 2,19% após oito semanas consecutivas de alta. A surpresa quanto à economia no primeiro trimestre foi puxada por uma super safra do agronegócio, o que dificilmente se repetirá, e os juros em patamares altos devem continuar a, cada vez mais, impactar os demais setores.
“Não estamos vendo um cenário de reaceleração econômica que justificaria uma sequência de upgrades nos lucros do setor privado. Consideramos que a subida recente da bolsa reflete simplesmente uma expectativa de redução de juros e, principalmente, queda de prêmio de risco, que pode não se sustentar no decorrer do ano”, menciona a gestora.
A equipe da Kinea avalia que, apesar de o governo estar sinalizando uma preocupação fiscal, as medidas anunciadas até agora não são suficientes para atingir a meta das contas públicas nos próximos anos. O aumento do risco fiscal pressionaria o Banco Central brasileiro a ser mais duro em suas decisões monetárias.
Do outro lado, medidas adicionais, como o imposto sobre dividendos ou o fim do juros sobre capital próprio, podem sair do papel e gerar impacto relevante na Bolsa.
Queda dos juros mais lenta
“Ou o governo consegue as fontes de receita e reduzir o risco fiscal para o ano que vem, mas com isso impõe um aumento de carga tributária às empresas, ou teremos um aumento do risco fiscal com o não cumprimento das metas”, expõe.
Outro fator que pode minguar o otimismo é a percepção de que a inflação brasileira no segundo semestre tende a ser mais forte do que no primeiro. Algo que embasa essa perspectiva é o fato de que a isenção do ICMS sobre combustíveis, imposta no segundo semestre do ano passado, em breve deixará de ser contada no índice.
Nesse sentido, nesta terça, a publicação do IPCA de junho fez a tese de que o Banco Central iria derrubar a Selic em 50 pontos-base em sua reunião de agosto perder força – o que impactou o Ibovespa.
“A gente acha que o mercado estava sonhando demais ao achar que o Banco Central começará um processo de redução da taxa de juros com um corte de 0,5 ponto percentual. Normalmente todo começo de ciclo, seja de abertura ou de redução, começa com movimentos menores”, explica Leite, da TAG. “Lembre, ainda, que o BC está para cortar o juros enquanto, lá fora, as autoridades monetárias ainda estão subindo. Então não é prudente acelerar o processo nesse momento. Você tem que esperar os bancos centrais lá de fora concluírem o movimento”.
No final, após todas essas questão, há também o fator da precificação.
“Fora empresas de commodities, com toda questão da China, e os bancos, com as fintechs, depois desse rally que vimos, parte das companhias já não está negociando de forma barata. Os múltiplos que medem preço pelo lucro (P/L) não estão mais abaixo da média histórica, mas bem perto da média. A nossa visão de Bolsa é uma Bolsa que está barato, tem motivo para estar barato e o resto está negociando na média”, explica o especialista da TAG.
FONTE: INFOMONEY
LINK: https://www.infomoney.com.br/mercados/economia-global-politica-de-juros-e-precificacao-o-que-pode-travar-a-bolsa-brasileira-no-segundo-semestre/