A Lei 14.112/2020, em vigor desde 23 de janeiro deste ano, introduziu o inciso I do §1º no artigo 189 da Lei 11.101/05, com o propósito de afastar as discussões acerca da forma de contagem dos prazos na recuperação judicial, ocorridas a partir do advento do CPC de 2015, tendo estabelecido que todos os prazos previstos na Lei 11.101/05 ou os prazos dela decorrentes devem ser contados em dias corridos.
Apesar de ter dado fim às discussões acerca da forma de contagem dos prazos de suspensão das ações e execuções contra o devedor (stay period) e de apresentação do plano de recuperação judicial, que eram objeto de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais por força da disposição do artigo 219 do CPC, que estabeleceu a contagem dos prazos processuais em dias úteis, o artigo 189, §1º, I, da Lei 11.101/05 fez surgir nova discussão, agora, em relação à forma de contagem dos prazos recursais, que são eminentemente processuais e estão previstos no CPC, e não na Lei nº 11.101/2005.
Geraldo Fonseca (2021, p.233) faz crítica ao dispositivo introduzido pela Lei 14.112/2005, em razão de o mesmo não permitir que se extraia "(...) com segurança se esses prazos — agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso especial, recurso extraordinário — são contados em dias úteis ou corridos (...)", destacando que "restará à jurisprudência corrigir a falha".
O TJ-RJ [1] e o TJ-MT [2] possuem precedentes pela contagem dos prazos recursais em dias corridos, aplicando a letra fria dessa nova norma e a se pautar no precedente da 4ª Turma do STJ (REsp nº 1.699.528/MG), que, em 2018, havia definido a necessidade de se computar em dias corridos os prazos inerentes ao microssistema da recuperação judicial, a fim de se manter sua unidade lógica. Já TJ-SP [3], TJ-MS [4], TJ-SC [5] e TJ-PR [6] possuem julgados entendendo, em linhas gerais, pela contagem dos prazos recursais em dias úteis, conforme o artigo 219, do CPC, em razão de tais prazos não estarem previstos na Lei nº 11.101/2005 e nem dela decorrerem.
Existe recente precedente da 4ª Turma do STJ (AgIn no REsp nº 1.937.868/RJ) que entendeu que o prazo para interposição de agravo de instrumento contra decisões proferidas na recuperação judicial deve ser contado em dias úteis. Em que pese tal julgado ter ocorrido já na vigência da Lei nº 14.112/2020, o mesmo não enfrentou a questão sob o enfoque do §1º, inciso I, do artigo 189 da Lei nº 11.101/05, uma vez que a decisão reformada foi proferida antes desta alteração.
O precedente possui grande relevância para o saneamento da questão em razão de denotar o alinhamento da posição daquela turma com o entendimento adotado pela 3ª Turma (REsp nº 1.698.283/GO), em 2019, quando se entendeu que os prazos eminentemente processuais não correlatos ou intrínsecos ao stay period devem ser contados em dias úteis, por não comprometerem a unidade lógica temporal da recuperação judicial.
A recuperação judicial é formada por uma estrutura normativa guiada por uma engrenagem de prazos processuais e materiais coordenados e interconectados, para que, ao fim do stay period, se alcance a solução final da recuperação judicial, com a concretização das etapas preparatórias necessárias que viabilizam a estabilização do passivo, a negociação do plano, a sua deliberação em assembleia de credores e a análise de sua homologação. Na linha dos precedentes da 3ª e da 4ª Turmas do STJ são esses prazos que precisam ser computados em dias corridos, para a preservação da unidade lógica temporal da recuperação judicial.
Os prazos recursais, além de não estarem previstos na Lei nº 11.101/2005, mas, sim, no CPC (artigos 1003,§5º e 1023), dela também não decorrem. Em verdade, tais prazos decorrem do exercício dos direitos à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição, que possuem matriz constitucional (artigo 5º, LV, CRFB) e regulação no CPC, o que afasta a incidência do artigo 189, §1º, I.
A contagem em dias úteis dos prazos recursais também não interfere na unidade lógica da recuperação judicial, pois o stay period (artigo 6º, §4º) e os prazos de apresentação do plano de recuperação judicial (artigo 53) e de realização da assembleia de credores (artigo 56, §1º) iniciam suas contagens a partir da decisão de deferimento da recuperação judicial, e não sofrem interrupção nem suspensão se tal decisão for atacada por agravo de instrumento ou por embargos de declaração, contados em dias úteis ou corridos. O mesmo ocorre em relação aos prazos da fase de verificação administrativa de créditos e de objeção ao plano, que iniciam suas contagens a partir da publicação dos editais dos artigos 52, §1º, e 55, §único, da Lei 11.101/2005, respectivamente.
Os eventuais reflexos no andamento da recuperação judicial e do stay period decorrentes da concessão de efeito suspensivo aos recurso interpostos não podem ser imputados à forma de contagem dos prazos recursais em dias úteis, mas, sim, aos desdobramentos práticos desses recursos que ocorrerão mesmo se os prazos forem contados em dias corridos, conforme as circunstâncias de fato e de direito neles envolvidas com a demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Não parece razoável, nem justo, incompatibilizar a recuperação judicial com a contagem dos prazos recursais em dias úteis, com fundamento nos princípios da celeridade e da efetividade que a guiam, pois o CPC também é norteado por tais princípios, tendo o legislador entendido por bem estabelecer a contagem dos prazos processuais em dias úteis como forma de se atender as reivindicações da classe dos advogados e, consequentemente, otimizar o exercício dos direitos de defesa e ao contraditório, por meio de uma assistência jurídica mais efetiva e adequada, em respeito às prerrogativas inerentes à função, tendo, para tanto, alterado a sistemática recursal a fim de conferir maior agilidade e eficiência ao processo.
Além disso, a CLT e a Lei nº 9.099/95 que exigem andamento processual tão (ou até mais) célere e efetivo quanto a recuperação judicial, já adotam a contagem dos prazos processuais em dias úteis. A diferença entre tais normas e a regulamentação da recuperação judicial a justificar a contagem em dias corridos nesta é o fato de a mesma possuir um microssistema próprio formado por prazos materiais e processuais inter-relacionados que devem ser concluídos conjuntamente com o stay period. Logo, os prazos processuais não correlacionados ao stay period não possuem, nessa linha, justificativa para serem contados em dias corridos, quando a norma processual geral estabelece sua contagem em dias úteis, como entendeu o STJ.
Buscando conferir uma interpretação integrativa ao artigo 189, §1º, I, da Lei 11.101/05, acredita-se que o mesmo, ao se referir aos prazos que "dela decorram", não quis fazer referência aos prazos recursais pelos motivos postos acima, mas, sim, aos prazos estabelecidos no plano de recuperação judicial para o cumprimento de obrigações por parte do devedor (prazo para o pagamento) e dos credores (informar dados bancários), quando o plano for omisso em relação à forma de contagem, já que são prazos que não estão previstos na Lei nº 11.101/2005, mas dela decorrem.
A partir das análises feitas, acredita-se que o tema ora proposto pode contribuir para o debate da matéria e para que se estabilize o entendimento sobre a forma de contagem dos prazos recursais na recuperação judicial, de modo a se conferir segurança e previsibilidade aos profissionais atuantes na área, aguardando-se, em todo caso, ansiosamente, por uma posição consolidadora por parte do STJ.
FONTE: CONJUR