Um contrato de cessão de crédito que é aperfeiçoado com a manifestação de vontade das partes e chancelado pelo Poder Judiciário não poder ser unilateralmente desfeito sob o argumento de que deixou de interessar a uma das partes, ainda que ela se encontre em recuperação judicial.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pela Editora Abril, que visava desistir da venda de créditos que possui em face da Eletrobras, para uma empresa de gestão de recursos.
A votação foi unânime, conforme posição do ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso. Ele foi acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.
Com o resultado, a Abril terá de alienar à Quadra Gestão de Recursos créditos que podem alcançar R$ 22 milhões, pelos quais receberá apenas R$ 5,1 milhões, valor que foi acordado em momento anterior, no qual a empresa precisava de verba para pagar dívidas trabalhistas.
Previsão errada
Os créditos da Abril em face da Eletrobras foram colocados à venda porque não havia perspectiva de receber os valores em curto prazo. Eles foram reconhecidos em decisão judicial que se encontrava, à época, em fase de cumprimento de sentença.
Inicialmente, tiveram o valor fixado pelo juízo da execução em R$ 17,1 milhões, mas ainda pendia análise pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A análise da Abril era pessimista. No plano de recuperação da editora, estão lançados como ativo permanente de só R$ 965,9 mil e com previsão de perda de 100%.
Com isso, foi feito o pedido de alienação ao juízo da recuperação judicial, que por precaução mandou abrir prazo para uma espécie de certame judicial, em que os eventuais interessados pudessem apresentar propostas. Não houve interessados além da Quadra, que ofereceu os R$ 5,1 milhões.
Em outubro de 2018, o juízo da recuperação judicial então homologou a única proposta entregue em cartório no prazo estipulado. Essa decisão foi atacada por dois credores por agravo de instrumento, os quais foram julgados prejudicado e improvido. O último deles foi julgado em dezembro de 2018.
Depois de tudo isso, a Abril foi aos autos para informar que não teria mais interesse econômico na cessão dos créditos, inclusive porque a medida não teria mais utilidade, pois a dívida trabalhista havia sido paga com outros recursos e a situação financeira da empresa se encontrava mais estruturada, com reais chances de recuperação.
Agora é tarde
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, essa desistência é indevida. A corte definiu que a cessão de crédito, aperfeiçoada perante o Poder Judiciário, há de ser cumprida pelas partes contratantes.
Relator no STJ, o ministro Marco Aurélio Bellizze identificou que a mudança de postura da Abril se deveu ao fato de que, no período de 1 ano e 5 meses que pedido de autorização de venda levou para ser aperfeiçoado, o crédito que seria cedido se revelou bastante maior do que o previsto pela empresa inicialmente.
Isso porque se identificou a probabilidade de receber o valor integral dos direitos creditórios nos próximos dois anos, o que acrescentaria aos caixas da Abril o montante de R$ 22 milhões.
"Essa linha argumentativa, além de não possuir nenhum respaldo legal, sobretudo em se tratando de contrato estabelecido entre empresários, contraria, de modo insofismável, a própria postura apresentada pela recuperanda nestes autos, em evidente comportamento contraditório", criticou o relator.
Isso porque tudo indicava a princípio que a venda dos créditos seria lucrativa, benéfica e necessária para a Abril. Com isso, considerou imprópria a tese de que a empresa seria lesada por ter assumido prestação desproporcional ao valor dos créditos somente em razão de sua necessidade de pagar as dívidas trabalhistas. A desproporção deve ser aferida segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o contrato.
Além disso, destacou que a cessão de crédito foi absolutamente aperfeiçoada com a manifestação das partes. "A exigência legal especial (de autorização judicial para a alienação de venda de ativo permanente da recuperanda), como condição de eficácia, não altera a natureza de execução imediata do contrato em tela"”, disse.
Afirmou ainda que a posterior definição do crédito, se maior ou menor ao valor ajustado, não pode ser considerado evento extraordinário ou imprevisível às partes.
"Ora, o risco e a própria incerteza a respeito do valor do crédito, objeto de cessão, constituíram a própria essência do negócio jurídico em questão, de absoluto conhecimento das partes contratantes/empresários e devidamente considerados", apontou o ministro Bellizze.
Concluiu, assim, que o negócio jurídico da cessão de créditos submetido por exigência legal à apreciação do Judiciário e devidamente chancelado não pode ser unilateralmente desfeito, em prejuízo da segurança jurídica que legitimamente se espera nesses circunstâncias.
FONTE: CONJUR