Os últimos três meses foram de intensa turbulência no mercado brasileiro. As incertezas dominaram a bolsa, com investidores reduzindo a exposição à renda variável diante de crescentes riscos fiscais e políticos em meio a ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e à alta da taxa básica dos juros. A agenda de reformas parece cada vez mais distante diante da tensão entre os Poderes.
O turbilhão arrancou 669,7 bilhões de reais em valor de mercado das empresas listadas no Ibovespa, principal índice da B3, segundo cálculos da Economatica, plataforma de informações financeiras. O valor calcula as perdas desde o dia 7 de junho – data em que o Ibovespa atingiu a máxima histórica de 130.776 pontos. De lá para cá, o índice caiu 11,8% e viu sua pontuação voltar à casa dos 115.000 pontos.
Há diferentes motivos para a queda generalizada no preço dos ativos, segundo analistas. E não há relação direta com os fundamentos das empresas, exceto casos específicos. Uma das principais razões é o aumento da taxa Selic diante da disparada da inflação, fenômeno que guarda relação com o aumento do risco fiscal.
A taxa básica de juros começou 2021 em 2% ao ano, já subiu para 5,25% e a expectativa é que a taxa chegue perto de 7,50% ao final de 2021. Alguns analistas, inclusive, já começam a prever o retorno da Selic de dois dígitos.
A escalada do juro é má notícia para a bolsa, e o pessimismo é incorporado no preço. Isso porque o valor das ações reflete a expectativa de lucro futuro das empresas, descontada uma taxa futura de juros. “Ou seja, se a Selic sobe, o valuation das ações é recalculado para baixo, derrubando os preços. Além disso, juros altos favorecem os títulos de renda fixa em detrimento das ações”, explica Braulio Langer, analista de investimentos da Toro.
A Selic, por sua vez, está subindo em uma tentativa do Banco Central para conter o aumento generalizado de preços na economia. A inflação oficial do país, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), subiu 0,87% em agosto, alcançando a maior taxa para o mês desde 2000.
Entre os vilões da inflação e da perda de confiança de investidores da bolsa -- ou da chamada aversão ao risco -- estão a crise hídrica, que encarece a conta de luz, e as tensões políticas e fiscais, que impactam o câmbio. A alta do dólar deixa importados e combustíveis mais caros – não à toa a gasolina foi a grande causadora da alta do IPCA em agosto.
Custo Bolsonaro
Em condições normais, a alta da Selic atrairia investidores estrangeiros – e seus dólares – para o país, valorizando o real e diminuindo a pressão da inflação. O Brasil, no entanto, não está em condições normais.
O primeiro ponto de atenção dos investidores é o quadro fiscal. No início de agosto, o governo Bolsonaro propôs adiar o pagamento de precatórios, o que é entendido por alguns analistas como uma espécie de calote no pagamento de dívidas da União. A situação ainda não está pacificada e, nesta quinta-feira, 9, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), propôs deixar o pagamento fora da principal âncora fiscal do país: o teto de gastos.
“O grande ponto de virada da bolsa para o terreno negativo foi a questão dos precatórios. A falta de disciplina fiscal eleva a previsão de alta dos juros e impacta diretamente no preço dos ativos”, argumenta André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos.
Ao mesmo tempo, as reformas econômicas esperadas pelo mercado são deixadas em segundo plano enquanto o presidente alimenta embates com o Supremo Tribunal Federal (STF). De olho nas eleições de 2022 e pressionado por sua queda de popularidade, Bolsonaro atacou as instituições em ato convocado para o Dia da Independência, em 7 de setembro. Para analistas, o aumento na tensão entre os Poderes pode inviabilizar a aprovação de pautas estratégicas no Congresso ainda este ano.
“As reformas tributária e administrativa são essenciais para atração de investimentos para o Brasil. Com as constantes crises institucionais, as reformas não saem”, afirma Alvaro Bandeira, economista-chefe do banco Modalmais.
Na véspera, Bolsonaro colocou panos quentes na crise seguindo a orientação do ex-presidente Michel Temer, figura respeitada no mercado. Em nota oficial, o presidente afirmou que “nunca teve nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”. Houve certo alívio entre os investidores, mas analistas não estão convencidos de que o sinal de moderação é verdadeiro.
“O presidente morde e assopra. Para voltar a morder de novo não custa muito. Enquanto tivermos um presidente beligerante, a situação vai continuar volátil nos mercados”, defende Bandeira.
Exterior deixa de ajudar
Os mercados globais também tiveram parte da influência negativa nos 670 bilhões de reais perdidos pelo Ibovespa nos últimos meses. As ações da Vale (VALE3), que tem a maior representação no índice entre todos os papéis da carteira, registraram as maiores baixas do grupo, com uma perda de 96 bilhões de reais no período.
A mineradora foi influenciada pela queda do preço do minério de ferro, que recua quase 35% nos últimos três meses. Após registrar picos de alta com o aumento da demanda causada pela retomada econômica, a commodity passou a sofrer com as restrições da China. O gigante asiático – que é o maior consumidor de minério de ferro do mundo – está limitando sua produção de aço para atingir metas ambientais.
Para além do mercado de commodities, outra preocupação é o futuro das bolsas americanas. Duas autoridades do Federal Reserve (Fed) disseram nesta quarta-feira, 8, que o banco central dos Estados Unidos pode começar a cortar suas massivas compras de ativos neste ano. O processo, conhecido como tapering, reduz gradativamente o programa de estímulos do Fed que vinha impulsionando a bolsa dos EUA.
O avanço da variante delta preocupa analistas, que começam a revisar suas projeções para a retomada econômica global. Nesta semana o Morgan Stanley rebaixou a recomendação para ações dos EUA para abaixo da média, ou underweight. São preocupações que podem trazer ainda mais volatilidade para um já conturbado cenário local.
FONTE: EXAMEINVEST