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XP caminha para ser banco com conta corrente e cartão, diz CEO

Segunda, 13 Agosto 2018

"Finalmente, nasceu", disse um aliviado Guilherme Benchimol na manhã de sexta-feira, poucas horas depois de o Banco Central informar que havia aprovado a compra de 49,9% da XP Investimentos pelo Itaú Unibanco com imposição de duras restrições em relação ao contrato original. Quinze meses se passaram desde que a transação foi fechada, em 11 de maio de 2017. Quinze meses em que decisões tiveram que ser adiadas e planos foram colocados em banho-maria.

"Durante mais de um ano, ficamos travados aguardando a aprovação dos reguladores. Mas agora estamos como uma mola comprimida", disse o CEO e principal sócio da XP, para indicar a intenção de dar impulso aos planos.

Um deles é o lançamento, ainda em 2018, do banco da XP. Até hoje, os executivos da corretora diziam que a intenção era ter o banco apenas para poder oferecer aos clientes crédito com a garantia dos recursos investidos na casa. Agora, Benchimol revela que o projeto irá bem além disso.

"Nossa visão de longo prazo é que esse banco possa virar um banco completo. Vai entrar o crédito, depois a conta corrente, depois o cartão de crédito. Tem um cronograma de ações. Mas é uma jornada de longo prazo." Ter uma seguradora para oferecer produtos próprios de previdência também está nos planos. Por trás desse novo posicionamento estratégico da XP está o objetivo de fidelizar o cliente e capturar receitas. "Hoje todo o cliente que investe com a gente tem um cordão umbilical com o banco no qual ele tem conta corrente. A gente quer cortar esse negócio."

Na avaliação do executivo, a escala atual, com quase 1 milhão de clientes até o fim do ano, já permite a migração para um modelo de negócio mais completo. E como as restrições do BC a respeito de aquisições pela XP só se aplicam a corretoras e plataformas de investimentos, outros negócios estão liberados. "Serviços de pagamento, gestora de recursos, fintech de cartão de crédito. Mas são possibilidades, não estamos considerando nada agora."

Mesmo com planos represados, a plataforma de investimentos seguiu ampliando a base de clientes e o volume de ativos sob custódia de forma acelerada. "Crescemos 70% desde a assinatura com o Itaú. A inclinação da nossa curva de crescimento não se alterou", disse Benchimol.

De acordo com ele, a empresa saiu de uma base de R$ 100 bilhões de ativos sob custódia e 500 mil clientes, em junho de 2017, para R$ 170 bilhões de ativos e 700 mil clientes agora. Considerando as três marcas - XP, Rico e Clear -, a captação mensal roda na casa de R$ 6,5 bilhões. A meta para 2018 é chegar a R$ 225 bilhões em ativos e 850 mil a 900 mil clientes. Segundo Benchimol, a corretora prevê atingir receita de R$ 3 bilhões e um lucro líquido de R$ 650 milhões neste ano.

Em setembro a XP estreia uma campanha publicitária institucional na televisão aberta com o objetivo de fortalecer sua marca e acelerar ainda mais o crescimento orgânico. "Essa sempre foi a nossa prioridade e seguirá sendo", disse o CEO.

Embora invista cada vez mais em tecnologia, a principal aposta da corretora para avançar são os agentes autônomos. A XP lançou um programa para contratar mil novos agentes até o fim deste ano, elevando a 4,2 mil o número de profissionais. O alvo são os gerentes de bancos. "Os gerentes não são felizes. Com metas de venda agressivas e produtos ruins, eles têm dificuldades de encantar os clientes. Esse modelo não tem futuro e essa é a disrupção que causaremos no sistema."

De acordo com ele, na base de novos agentes autônomos da XP, os 50% melhores trazem, em média, R$ 70 milhões em captação de recursos ao fim de 12 meses. No acordo firmado com o BC, a XP ficou expressamente proibida de assinar contratos de exclusividade com os agentes com os quais opera. "Os contratos que continham exclusividade seguem válidos, mas não podemos firmar novos", explicou Benchimol, acrescentando que eles são poucos e não expressivos em termos de volume de recursos. "Talvez nosso maior desafio seja fidelizar o agente autônomo, não por exclusividade mas por competência. Essa é uma corrida de todo mundo", disse.

Benchimol procurou distanciar a XP da febre das fintechs, as novas empresas de tecnologia financeira que são encaradas como uma possibilidade real de concorrência para um mercado bancário altamente concentrado. "Eu sou um empresário mais raiz. Sou adepto da contabilidade tradicional", disse. "Uma empresa vale o que gera de receitas menos o que tem de despesas. Mas hoje, no mundo inteiro, a maior parte das fintechs está mais preocupada com a próxima rodada de captação e não percebe que, assim, está abrindo mão de seu ativo mais importante, suas ações." Na visão dele, o maior desafio das fintechs é ganhar sustentabilidade. "Há empresas que valem bilhões dando prejuízo."

Ao comentar o acordo fechado com o BC, que impôs restrições ao avanço acionário do Itaú Unibanco, Benchimol disse que a autoridade agiu com "parcimônia e equilíbrio". "O Banco Central agiu com o rigor necessário para garantir, formalmente, a independência, as operações apartadas." E o objetivo principal, segundo o executivo, que era ganhar mais credibilidade ao ter o Itaú como sócio, é alcançado. "O grande público acaba entendendo que o banco é mais seguro que uma corretora, apesar de isso não ser verdade."

Pelo Acordo em Controle de Concentração (ACC) aprovado pelo BC, o Itaú Unibanco obteve autorização para concluir a compra de 49,9% do capital total da XP, o equivalente a 30,1% das ações ordinárias. As companhias deverão atuar de forma independente, sem integração operacional ou comercial, a fim de manter a livre competição entre elas. O Itaú não poderá acessar a base de clientes da XP por 15 anos, nem apresentar proposta de compra do controle da corretora por oito anos. O acordo proibiu ainda tanto a XP como o banco de adquirir controle ou participação em corretoras, distribuidoras ou plataformas abertas de investimentos abertas pelo prazo de oito anos.

"Esse remédio hoje impacta pouco, mas pode impactar mais a médio e longo prazo", disse Benchimol. Questionado sobre o risco de ficar de fora de uma eventual onda de consolidação do mercado de corretoras e plataformas de investimentos nos próximos oito anos, o executivo concluiu: "É muito difícil falar em oito anos. Não posso participar de um movimento de consolidação por oito anos, mas nunca quis montar um negócio que dependesse de consolidação." Em sua avaliação, hoje a XP está posicionada em todos os segmentos, desde o varejo até a altíssima renda, passando pelo "trader".

A principal mudança no novo acordo é que, a partir das restrições impostas pelo Banco Central, outros caminhos societários poderão ser trilhados no futuro. "Agora temos opções diferentes. Junto com nossos sócios, poderemos optar por abrir o capital ou buscar um sócio estratégico no futuro", disse Benchimol.

Pelo acordo original, em 2022 os fundos General Atlantic (GA) e Dynamo sairiam totalmente do capital da XP, quando o Itaú atingisse 74,9% do capital total e 49,9% do votante. Agora, isso não acontecerá mais, por veto do BC, e outras opções deverão ser buscadas para dar saída aos fundos, explicou Benchimol. Já está acordado entre as partes que em 2022 o Itaú comprará mais 12,5% da XP, elevando para 62,4% a fatia no capital total e para 40% no votante. Entretanto, essa aquisição adicional terá que ser novamente submetida ao BC, que poderá aprová-la ou não. As opções de venda do controle a partir de 2024 e de compra do controle da XP a partir de 2033 foram excluídas do novo contrato.

Pelo acordo que vigorará, Dynamo e GA, que têm 49,5% da corretora, vendem 29,5% agora para o Itaú. Uma outra fatia de 10% será vendida ao Itaú em 2022, caso o BC concorde, mas os fundos ainda ficarão com outros 10% livres para vender desde já, se quiserem.

No dia 31 de agosto, o Itaú fará um aumento de capital de cerca de R$ 660 milhões e pagará R$ 6,3 bilhões pelas ações já existentes que está comprando. Do total pago pela participação, os dois fundos embolsarão R$ 3,7 bilhões e os outros R$ 2,6 bilhões irão para Benchimol e seus sócios. "A única certeza que temos é que não vamos investir o dinheiro em um banco", brincou o CEO da XP ao encerrar a entrevista.

 

Fonte: Valor Econômico