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Populismo de Bolsonaro coloca Guedes em uma sinuca de bico

Segunda, 01 Março 2021

A campanha presidencial de 2018 e o início do governo Jair Bolsonaro foram marcados por uma grande expectativa do mercado em relação à guinada liberal na economia prometida pelo então superministro Paulo Guedes. Dois anos depois, ainda que seguida por um start no processo de privatização da Eletrobrás e dos Correios, a interferência de Bolsonaro na Petrobras deixa dúvidas sobre as reais intenções da agenda econômica do governo federal - e coloca Guedes numa sinuca de bico.

"Se você comparar o que o Guedes prometeu realizar no começo do governo e o que ele entregou até agora, dá uma diferença brutal. Ele só deve ter entregue 3% do que prometeu", comentou Ricardo Sennes, diretor da consultoria Perspectiva, no último episódio do podcast Exame Política. "Por outro lado, se ele saísse agora, entraria para a história como o ministro da economia com o pior desempenho do ponto de vista de crescimento do país. Ou seja: ele fica nessa sinuca de bico, preso entre essas duas dificuldades: de não conseguir entregar o que ele prometeu e ir perdendo espaço no governo, e ao mesmo tempo não querer sair com um legado tão ruim."

De acordo com a última pesquisa Exame/IDEIA, divulgada nesta semana, 61% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro deve sim interferir nos preços dos combustíveis, um dos preços que mais impactam na inflação e que já pesou no bolso de pelo menos 41% da população. Mas ao acenar a essa parcela do seu eleitorado, Bolsonaro azeda suas relações com o mercado financeiro, que já precifica as dubiedades econômicas do presidente - sem, entretanto, aprová-las cegamente.

"O presidente tem poucas boas notícias pra dar e focou bastante nisso, passando a mensagem da defesa do aumento de preços", explicou no podcast o economista Maurício Moura, fundador do IDEIA Big Data. "Obviamente existe um lado positivo em começar as privatizações, porque esse é um processo demorado. Mas o governo está aquém do que ele se propôs a fazer. O gerenciamento de expectativas em relação às privatizações foi falho porque prometeu-se muito e entregou-se pouco. E isso gera uma descrença."

Essa disputa sobre a agenda econômica do governo Bolsonaro indica claramente que Guedes perdeu a hegemonia das decisões econômicas do governo Bolsonaro. O mercado já percebeu essa disputa, e que ela está sendo vencida pelo centrão, com claro apoio dos militares. É uma agenda muito menos privatista, muito menos fiscalista, menos voltada à corte de gastos estruturais. Esse sinal da Petrobras vem casado com esse movimento mais de longo prazo - e a minha impressão é que o mercado já precificou isso, porque o câmbio está como está, a curva de investimentos não se mexe, o fluxo de investimento externo direto continua baixo. Isso significa que o mercado entende que nós temos, no ambiente econômico do governo Bolsonaro, algo muito incerto e com vários sinais de preocupação.

Ricardo Sennes, diretor da consultoria Perspectiva, no último episódio do podcast Exame Política

AS VACINAS E A RETOMADA DA ECONOMIA

Na esteira dos entraves enfrentados atualmente pelo governo Bolsonaro, as incertezas sobre vacinação contra a covid-19 também foram assunto do último Exame Política. Incluindo as doses efetivamente contratadas e também as que o governo diz que já negocia, estima-se que pelo menos toda a população dos grupos mais vulneráveis já pode estar vacinada até agosto - o que propiciaria um início da retomada econômica no segundo semestre, ainda que não no ritmo prometido pelo governo.

"Mas é muito difícil que haja uma recuperação em V, como diz o governo, porque foram deixadas muitas cicatrizes em várias cadeias de valor. Muitas empresas quebraram, descontinuaram a produção, e isso não volta de uma hora para outra", analisa Sennes. "Então me parece que a questão está, realmente, na capacidade do governo de concluir de fato essas negociações com as farmacêuticas."

O podcast EXAME Política vai ao ar todas as sextas-feiras com os principais temas da política no Brasil e no mundo.  Clique aqui para ver o canal no Spotify, ou siga em sua plataforma de áudio preferida, e não deixe de acompanhar os próximos programas.

 

Fonte: Exame