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Intervenção na Petrobras põe à prova independência do conselho

Segunda, 22 Fevereiro 2021

Depois da intervenção do presidente Jair Bolsonaro, para destituir Roberto Castello Branco do comando da Petrobras, o conselho de administração da estatal se reúne amanhã para discutir os próximos passos na transição da companhia. O colegiado vai decidir se acata o pedido do governo para que seja convocada assembleia de acionistas para eleger o general da reserva Joaquim Silva e Luna, diretor-geral de Itaipu Binacional, para o conselho. É um movimento necessário para que, depois, o militar seja efetivado como presidente da petroleira. Pelo estatuto da Petrobras, o presidente da empresa também tem assento no conselho.

Ainda não está clara a posição do conselho sobre o assunto. “Essa é a pergunta de um milhão de dólares”, disse um dos membros do grupo, ao ser questionado se o colegiado vai acatar o pedido do governo de chamar uma assembleia. Embora a interferência de Bolsonaro tenha sido recebida com indignação pelo conselho, em um primeiro momento, alguns membros consideram a troca inevitável. Na avaliação de três conselheiros, rejeitar o nome de Silva e Luna pode desencadear uma crise com a União ainda mais traumática para o interesse dos demais acionistas.

“Não adianta dar murro em ponto de faca, a União é o acionista majoritário. Não vejo como impedir essa destituição [de Castello Branco]. O conselho pode vetar [a indicação de Silva e Luna] e até mesmo escolher outro nome para a presidência da Petrobras dentro do próprio conselho, mas o governo pode chamar uma nova assembleia e renovar o conselho.

O desejo de Bolsonaro de trocar o comando da Petrobras ocorre após críticas públicas do presidente à política de preços da estatal, em meio a ameaças de uma nova greve dos caminhoneiros. Em suas primeiras declarações após a indicação, Silva e Luna negou que Bolsonaro tenha pedido mudanças na política de preços - que prevê reajustes sem periodicidade definida e alinhados ao mercado internacional -, mas disse que a empresa precisa enxergar as “questões sociais”. “O caminhoneiro está se manifestando, mas a sociedade inteira percebe isso. Isso aí são considerações que têm que ser analisadas junto com o conselho [da empresa], junto com a equipe”, disse ao Valor, no sábado.

O conselho da Petrobras tem duas reuniões ordinárias marcadas para esta semana: amanhã, a pauta pe extensa e na quarta-feira vai analisar o balanço anual). Ambos os encontros foram agendados antes da intervenção de Bolsonaro. Um dos pontos previstos para discussão amanhã seria a recondução de Castello Branco para mais um mandato como presidente, item retirado de pauta. A convocação de Assembleia Geral Extraordinária (AGE) para eleição de Silva e Luna para o conselho não está na pauta oficial da reunião de amanhã, mas o tema será discutido. Segundo fontes, Castello Branco deve participar da reunião e não há a expectativa de que ele renuncie antes do fim do mandato, em 20 de março.

Pelo estatuto da Petrobras, cabe ao conselho eleger e destituir membros da diretoria. Antes de analisar o pedido do governo, para troca do presidente da empresa, Silva e Luna ainda precisa ser eleito conselheiro e ter seu nome avaliado pelo Comitê de Pessoas - órgão estatutário vinculado ao conselho e que analisa se as indicações passam pelos requisitos. Só então o nome é levado ao CA.

Na sexta-feira, o Ministério de Minas e Energia enviou ofício à Petrobras solicitando a convocação da AGE para eleger Silva e Luna conselheiro. A expectativa é que a assembleia ocorra na segunda quinzena de março. O conselho tem como saídas: acatar e convocar a AGE; ou rejeitar o pedido ou sequer votar a questão, deixando o ônus da convocação para o governo. Nesse caso, porém, a União, como acionista controladora, pode convocar uma AGE e propor uma renovação no conselho, sugerindo novos nomes, mais alinhados, para o lugar de membros que não tenham acatado a recomendação. O governo propôs a manutenção do atual colegiado. A sinalização da União, no sentido de uma recondução, pode funcionar como pressão para os atuais conselheiros aprovarem a AGE, dizem fontes.

O conselho possui onze membros, três ligados aos acionistas minoritários (Marcelo Mesquita, Rodrigo de Mesquita e Leonardo Antonelli), um eleito pelos empregados (Rosângela Buzanelli) e sete indicados pela União: Eduardo Bacellar (presidente do conselho), Castello Branco, João Cox Neto, Nivio Ziviani, Ruy Schneider, Omar Carneiro da Cunha Sobrinho e Paulo Cesar de Souza e Silva.

O clima entre os conselheiros, na sexta-feira, era de indignação. A representante dos empregados, Rosângela Buzanelli, crítica à atual gestão, disse que a forma como Bolsonaro interferiu na troca foi “um desrespeitoso ato presidencial”. “Em que pese o direito do acionista controlador, no caso a União, de destituir e indicar um conselheiro de administração e o presidente da estatal, há que se fazê-lo com o mínimo de respeito às pessoas, aos ritos e processos legais”, afirmou, em carta aos empregados.

A Aberdeen Standard Investments, gestora que detém 0,5% do capital total da Petrobras, enviou uma carta ao presidente do conselho, Eduardo Bacellar, dizendo que está “atenta e vigilante” à situação. “Sustentamos firmemente nossa visão de que mudanças no corpo de executivos atual da companhia, sem um devido racional e rigoroso processo, serão tomadas como negativas”, cita a carta. Segundo a gestora britânica, “desvios dos preceitos” colocarão em risco os “esforços de reconstrução de credibilidade da comunidade de investidores”.

Fonte: Valor Econômico