A temporada de resultados do quarto trimestre de 2020 ainda está longe do fim, mas os principais bancos já apresentaram seus números, mostrando o impacto da pandemia do coronavírus para os seus números, que ainda devem persistir em boa parte de 2021.
O destaque positivo entre os resultados ficou para o Bradesco (BBDC3;BBDC4), com um lucro líquido no quarto trimestre de R$ 6,8 bilhões nos últimos três meses de 2020, o maior resultado trimestral da história do banco, 2,3% superior ao que foi identificado um ano antes e com aumento de 35,2% em relação aos três meses anteriores, além de 23% acima do consenso do mercado. O banco, contudo, terminou 2020 com lucro acumulado de R$ 19,458 bilhões, retração de 24,8% em relação a 2019.
Com isso, o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, na sigla em inglês) do banco foi de 19,4% no período reportado. O bom resultado foi sustentado principalmente pela sólida margem financeira com o mercado, bem como pela redução nas provisões de crédito e controle de custos, aponta a equipe de análise da Safra Corretora.
Conforme destaca Marcel Campos, analista da XP Investimentos, o resultado foi impulsionado por três fatores em especial. Em primeiro lugar, a forte margem financeira, que se expandiu significativamente no trimestre, uma vez que o banco foi capaz de melhorar o spread por meio de um portfólio mais rentável e voltado para o varejo. O crescimento nesta linha foi de 8% na base de comparação anual, atingindo R$ 16,6 bilhões no trimestre. No acumulado do ano, a margem financeira atingiu R$ 63,1 bilhões, representando um crescimento de 7,4% frente 2019.
Em segundo lugar, estão as receitas de serviços mais altas do que o esperado, uma vez que o banco se beneficiou da recuperação da atividade econômica. As receitas de serviços cresceram 7% no trimestre, para R$ 8,7 bilhões, com destaque para a receita com cartões, que expandiu 18% no trimestre. Por outro lado, uma ressalva: os seguros se comportaram mal, apresentando uma contração de 27% no trimestre, para R$ 2,3 bilhões, com aumento de sinistros e a taxa de juros mais baixa de todos os tempos impactando o ramo.
O terceiro ponto são os custos menores do que o previsto, uma vez que o Bradesco liderou os cortes dentro do setor bancário, com o fechamento de 403 agências no trimestre e 1.083 em 2020, algumas delas convertidas em outras modalidades de ponto de atendimento. As despesas operacionais do Bradesco encerraram o ano em R$ 46,4 bilhões, uma baixa de 5,3% na comparação com 2019.
Entre os resultados considerados positivos, mas que não empolgaram tanto o mercado, esteve o do Santander (SANB11) que, logo após a divulgação dos números, viu sua ação ter uma sessão de forte volatilidade, começando a sessão do dia 3 de fevereiro com fortes ganhos de 5% no início da sessão e fechando em leve queda de 0,39%.
Analistas de mercado destacaram os pontos positivos do balanço da instituição financeira, cujo lucro líquido gerencial totalizou R$ 3,958 bilhões nos últimos três meses do último ano, alta de 6,2% na comparação com igual período do ano passado e de 1,4% na base de comparação trimestral.
Em 2020, o lucro do Santander Brasil somou R$ 13,849 bilhões, queda de 4,8% sobre o ano anterior. Vale ressaltar que o responsável pela queda do lucro foi o aumento da provisão para créditos de liquidação duvidosa que foi de R$ 15,7 bilhões em 2020, montante 30,2% na base de comparação anual. Porém, entre os grandes bancos, o Santander Brasil apresentou a menor queda do lucro.
Os valores da provisão extraordinária foram concentrados no segundo trimestre, em um movimento divergente ao de outros bancos. Além disso, apesar do montante ser bastante significativo, o montante pode ser considerado exíguo quando comparado ao Itaú, por exemplo, cuja provisão para perdas avançou 66,4% no ano passado em relação a 2019, para R$ 30,2 bilhões.
Sobre isso, a XP Investimentos destaca um ponto de atenção: as menores provisões impactaram positivamente os lucros, porém devem ser vistas com cautela pelos investidores. O banco consumiu 10 pontos percentuais em índice de cobertura – relação entre empréstimos inadimplentes e provisões – de 90 dias para 290%, embora o índice de inadimplência tenha permanecido em 2,1%.
Contudo, outros pontos foram destacados como positivos para o Santander Brasil: o Credit Suisse, por exemplo, aponta que os números foram sustentados pelo forte desempenho de tarifas e um leve aumento na margem com clientes. A aceleração de tarifas também se destaca como positiva.
O ritmo no crescimento da sua carteira de crédito no ano (alta de 16,9%) foi considerado bom pelos analistas da Levante Ideias de Investimentos, porém levemente abaixo do visto no resultado do Itaú (alta de 20,3% de crescimento em 2020)
Outro destaque foi o crescimento 6,6% no ano da margem financeira bruta, que atingiu R$ 51,1 bilhões, um resultado expressivo em que a baixa taxa de juros Selic e os programas de crédito do governo impactam negativamente o resultado. Mais uma vez para efeito de comparação, o Itaú apresentou queda em 2020 de 6,1% nessa linha em seu resultado divulgado dois dias antes. O Santander atribui o desempenho à boa performance da margem de produtos, por maiores volumes, e de mercado.
Os analistas do BBI também apontam que o Santander Brasil está de volta aos níveis pré-pandêmicos no que diz respeito a índices de capital, “indicação sólida de deve haver capital suficiente para financiar o crescimento esperado do banco acima do mercado nos próximos anos”.
O Itaú (ITUB4), por sua vez, entre os bancos privados, foi o que mais decepcionou, apesar dos números não terem sido exatamente ruins.
O maior banco da América Latina em número de ativos registrou lucro líquido ajustado de R$ 5,388 bilhões no quarto trimestre do ano passado, queda de 26% na base anual, ficando 1% abaixo do consenso de mercado, mas aumento de 7,1% na base de comparação com o terceiro trimestre de 2020. Porém, a melhora em relação ao trimestre anterior indica tendência de recuperação, conforme apontam os analistas do Safra, após um primeiro semestre de 2020 com forte provisão de perdas para fazer frente ao impacto econômico com a pandemia.
O retorno sobre patrimônio líquido ficou em 16,1% no trimestre, aumento de 0,5 ponto porcentual, mas queda de 6,5% no comparativo anual, principalmente devido ao fraco resultado da subsidiária que atua no Chile, Colômbia e Panamá.
Em 2020, o lucro líquido recorrente atingiu R$ 18,5 bilhões, queda de 34,6% na comparação com 2019.
Conforme destaca a XP Investimentos, no geral, o resultado foi ajudado por uma carteira de crédito maior do que o esperado e margens mais altas (spread cresceu 5 pontos-base no trimestre). No entanto, a deterioração da linha de seguros e os custos acima do esperado impactaram o trimestre.
Os números da margem financeira da companhia foram apontados como bons, ainda que vistos com uma certa cautela. Na avaliação do JPMorgan, a receita líquida de juros (NII) tem apresentado recuperação, mas a pressão permanece. Para os analistas do banco, a alta de 4% da NII no quarto trimestre (na base trimestral) só ocorreu porque o resultado do terceiro trimestre foi “muito fraco”.
De acordo com os analistas do banco americano, a queda de 19% na base anual nas receitas de tarifas da área de gestão de ativos era até esperada pela base de comparação, que era incomumente elevada. Contudo, destacaram, as receitas de tarifas de conta corrente encolheram pela primeira vez na história, em uma baixa de 5% na base anual.
Por sinal, a preocupação com as receitas de tarifas de conta corrente não vem de hoje, ainda mais no contexto de maior competição nesse segmento. Eles veem obstáculos não apenas para o Itaú, mas para o setor bancário como um todo, apontando que esses são os primeiros sinais de que a competição com as fintechs está tendo nas receitas de tarifas.
O último a divulgar seus resultados do quarto trimestre e do ano de 2020 foi o Banco do Brasil (BBAS3) que, conforme destaca a equipe de análise da Levante, deixou a desejar em diversos aspectos operacionais e teve um desempenho abaixo dos outros grandes bancos na maioria dos aspectos.
O lucro líquido ajustado nos últimos três meses do ano foi de R$ 3,7 bilhões, queda interanual de 20,1%, mas alta trimestral de 6,1%. O retorno sobre o patrimônio líquido no trimestre foi de 11,9% enquanto que, para 2020, o lucro líquido ajustado totalizou R$ 13,9 bilhões, queda de 22,2% ante 2019.
Confira abaixo os principais números dos grandes bancos no 4º trimestre e em 2020:
A receita de serviços apresentou uma queda na comparação anual de 1,6% no trimestre, atingindo R$ 7,4 bilhões no acumulado do ano, a receita caiu 1,7% e atingiu R$ 28,7 bilhões. Já a margem financeira apresentou uma baixa de 16,1% no trimestre em relação ao mesmo período de 2019. “Dentre os poucos destaques positivos, destacamos a redução nas despesas com pessoal com quedas de 8,5% no trimestre e 1,1% em 2020 na comparação com o mesmo período de 2019”, avaliam os analistas.
Na avaliação da XP, o Banco do Brasil apresentou resultado regular, com ganhos em linha com as expectativas. “O resultado foi ajudado pelos impostos, que vieram positivos devido à maior distribuição de juros sob capital próprio no trimestre, mas compensados por maiores provisões operacionais, um problema antigo”, avalia Campos.
O QUE ESPERAR PARA 2021?
Mas, além do resultado em si, o que acaba por influenciar ainda mais o desempenho das ações do setor bancário após o resultado são as indicações trazidas pelas instituições financeiras.
Também nesse quesito, o Bradesco apresentou considerações mais otimistas com crescimento de receitas, aumento da carteira de crédito e controle de custos. Já a margem financeira com clientes (sem levar em consideração o resultado da Tesouraria) deve ter aumento de 2% a 6%. Para as receitas com prestação de serviços, a projeção é de avanço entre 1% e 5% em 2021. A expectativa é de que as despesas com provisão fiquem entre R$ 14 e R$ 17 bilhões, um valor bem abaixo dos R$ 25,8 bilhões em despesas líquidas com provisões no último ano.
Para Marcel Campos, da XP, o guidance tem como destaques a projeção de crescimento moderado de receitas e a continuidade de forte corte de custos. A Safra Corretora aponta que espera uma recuperação ainda mais intensa do Bradesco neste ano, reportando um custo de crédito “mais normal”. Os analistas ainda destacam que “outro vetor positivo é a recuperação econômica, que deve sustentar as receitas do banco”.
Em teleconferência, Octavio Lazari Jr, presidente do Bradesco, apontou esperar uma alta da inadimplência entre o segundo e o terceiro trimestres, “mas não em níveis maiores que antes da pandemia”. O Bradesco também projeta expansão da sua carteira de crédito entre 9% e 13%. Contudo, as perspectivas levam em conta o programa de vacinação da população brasileira e a sinalização de rigor fiscal. Lazari destacou estar convicto de que a economia entrará em terreno positivo, e o ciclo de recuperação poderá surpreender à medida que a vacinação avance com mais ritmo”.
Já o Itaú tem uma projeção mais modesta de alta da carteira de crédito, entre 5,5% e 9,5%, enquanto a margem financeira com clientes deve ter expansão de 2,5% a 6,5%. Já margem com o mercado deve ficar entre R$ 4,9 bilhões e R$ 6,4 bilhões, enquanto a receita de tarifas deve crescer de 2,5% a 6,5%.
Porém, dois pontos chamaram a atenção dos investidores: as projeções de que o custo do crédito (formado por despesas administrativas, impostos, margem financeira e inadimplência) deva ficar entre R$ 21,3 bilhões e R$ 24,3 bilhões, uma queda de 30% na base anual: em 2020, o custo totalizou R$ 30,2 bilhões. Já as despesas devem ficar entre uma queda de 2% e uma expansão de 2%.
Mesmo com a expectativa de queda do custo de risco de crédito, a projeção é de que a inadimplência possa piorar nos meses que virão, ainda que não no patamar visto no início da recessão. Milton Maluhy Filho, novo presidente do Itaú, destacou ser difícil uma projeção da inadimplência por conta do cenário incerto para a economia, mas avalia que o pico ocorrerá entre o final deste ano ou no início do ano que vem.
De acordo com o Bradesco BBI, o guidance do Itaú foi conservador, reduzindo as chances de revisões para cima das projeções. Segundo os analistas do banco, os números estão bem alinhados às estimativas ao levar em consideração o ponto médio do guidance. “Levando em conta as diferentes projeções de cada uma das principais linhas do balanço do banco, chegamos a um lucro líquido recorrente esperado entre R$ 24,4 bilhões e R$ 24,8 bilhões para 2021. Esses números se comparam às nossas projeções de R$ 25,3 bilhões para o ano, implicando uma leve queda de 2% a 4% [na comparação com as projeções do banco]”, avaliam os analistas. Eles ressaltam ainda que, como um banco já eficiente, o espaço para cortes adicionais de custos também pode ser mais limitado.
O Santander, por sua vez, não faz projeções específicas. Contudo, em teleconferência, Sérgio Rial, presidente da instituição, destacou não ser necessário fazer novo provisionamento relacionado à crise.
Já a administração do Banco do Brasil anunciou um guidance para 2021, com lucro de R$ 17,5 bilhões no meio da faixa, ante estimativa de R$ 17,4 bilhões das 12 estimativas da Bloomberg. Já a projeção de receita de serviços é entre variação negativa de 1,5% e positiva de 1,5%, mesma variação em termos de custos.
“Embora o lucro fosse, acreditamos que [o guidance] seja negativo tanto nas receitas de serviços quanto nos custos. Em termos das receitas de serviços, o BBAS já havia caído 2% em 2020 devido à menor atividade econômica, mas é o banco com ambos: i) a menor penetração das tarifas de varejo, uma vez que os clientes têm menor penetração de produtos; e ii) o banco de atacado com pior desempenho. Como ambas as áreas tinham espaço para melhorias, esperávamos que as receitas de serviço do Banco do Brasil tivessem um desempenho melhor em 2021 do que seus pares, não o contrário”, avalia Campos, da XP.
Já em relação aos custos, o banco divulgou que seu programa de desligamento voluntário superou ao chegar a 5,5 mil funcionários, o que já deve dar ao banco uma vantagem na redução de custos. Como a orientação implica até mesmo em um aumento nos custos para 2021, os participantes do mercado podem se perguntar sobre a capacidade da administração de reduzir as estruturas físicas do banco em face dos desafios políticos, ressalta.
Cabe destacar que, no início do ano, houve uma forte pressão do presidente Jair Bolsonaro para que André Brandão, CEO do banco, fosse demitido em meio ao programa de reestruturação da instituição financeira, o que não aconteceu. Já em teleconferência com jornalistas, Brandão afirmou que houve um problema de comunicação com Bolsonaro quando anunciou que fecharia mais de 300 agência em todo o país.
Brandão disse a jornalistas que o BB não abandonará totalmente nenhuma cidade, reiterando o plano de reduzir o número de agência do banco e economizar R$ 10 bilhões até 2025.
Conforme destaca a Levante, questões com a independência da gestão do banco em relação ao governo vêm se mostrando mais importantes que a performance operacional da companhia. Como resultado, o Banco do Brasil está com valor de mercado menor do que o seu valor patrimonial e com múltiplos muito descontados em relação aos outros bancos.
Na avaliação dos analistas, contudo, apesar da estatal possuir alguns problemas em relação à independência, o desconto nos múltiplos é exagerado. Além disso, a companhia já anunciou o aumento do total dos lucros a ser distribuído aos acionistas em 2021 para 40%, tornando o retorno em dividendos e juros sobre o capital próprio (JCP) atrativo.
“Enxergamos cinco catalisadores em potencial para as ações do banco para 2021; i) o IPO (abertura de capital) do BV, antigo banco Votorantim, no qual a estatal possui 50% de participação; ii) a possível venda de sua participação de 28,7% na Cielo [contudo, negada pelo BB durante a teleconferência do 4º trimestre]; iii) possível IPO da ELO; iv) alguma parceria de mercado na gestão de recursos (asset) e v) anúncio de novas medidas de melhoria de eficiência, quesito no qual o banco deixa a desejar em relação aos seus pares privados”, apontam.
Vale destacar que, conforme quadro abaixo com a compilação da Refinitiv com a recomendação das casas de análises para as companhias, o Banco do Brasil conta com recomendação neutra de 4 instituições e 11 recomendações de compra, apesar de ter o maior potencial de valorização em relação ao preço-alvo atual entre todas as instituições. Confira abaixo:
Entre os que possuem recomendação neutra para os ativos, está o BBI. “Para que as ações do Banco do Brasil sejam reavaliadas, mais do que apenas melhores resultados serão necessários. O mercado espera que mensagens mais fortes sejam transmitidas, provavelmente apontando para cortes de custos mais agressivos ou pelo menos para algumas outras iniciativas que possam destravar valor de uma forma mais eficaz (apenas vender subsidiárias não deve ser a solução)”, apontam os analistas do BBI.
Enquanto isso, despontando na preferência entre os analistas de mercado, aparece o Bradesco, em meio ao cenário de redução de custos e estimativa de redução do custo do crédito. Dividindo opiniões, por sua vez, estão os papéis do Itaú e do Santander Brasil, com recomendações neutras e de compra.
Após um ano de 2020 bastante complicado, algumas temas seguirão no radar dos investidores do setor bancário, com os investidores de olho nos índices de inadimplência levando em conta o cenário ainda incerto para a economia e com o fim dos programas de parcelamento de crédito adotados pelos bancos e com os programas governamentais ao menos mais enxutos.
Mais a longo prazo, temas que já estavam em destaque antes mesmo da pandemia, como a necessidade de maior digitalização e corte de custos para lidar com a maior concorrência, além dos efeitos da agenda do Banco Central com o Pix e o open banking, seguem no radar.
Fonte: Infomoney