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Atividade fraca vira dilema para o Copom

Quinta, 11 Fevereiro 2021

A fragilidade da atividade econômica, demonstrada pela surpreendente queda nas vendas no varejo, deve impor um teste de fogo ao Banco Central: como elevar juros e enfrentar a alta da inflação em um ambiente de recuperação tão lenta? O quadro ganha contornos ainda mais tensos, evidenciados pelo desempenho dos ativos financeiros, que reagem à delicada situação fiscal do país com a pressão por novas rodadas de auxílio emergencial de volta ao foco dos agentes.

“É bem difícil a posição do BC. Achamos que o número do varejo veio em linha com uma atividade mais fraca nos próximos meses, embora os fundamentos não sejam para quedas tão espetaculares como foi. Nesse sentido, a atividade traz pressão desinflacionária, mas, do outro lado, tem a inflação de custos, com a alta das commodities, e o choque cambial, mais os riscos fiscais, que apontam na direção de mais inflação”, diz Mauricio Oreng, superintendente de pesquisas macroeconômicas do Santander Brasil.

Ontem, os dados de vendas no varejo em dezembro pegaram os analistas de surpresa. A queda de 6,1% ante novembro configurou o pior tombo de toda a série histórica iniciada pelo IBGE em 2000. Não à toa, o resultado ficou bem distante da expectativa dos analistas consultados pelo Valor, de um recuo de 0,6%.

“Isso provavelmente deixará o Copom em um dilema”, afirma o economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics, William Jackson. Para ele, a contração do varejo em dezembro indicou que a economia está fraca e que ainda necessita de suporte, especialmente se os números de janeiro continuarem indicando um ambiente desafiador. “Por outro lado, esses números podem reforçar o desejo dos políticos de estender o auxílio emergencial - o que pode fazer o Copom sentir que uma política monetária mais rígida é necessária”, pondera.

Tudo isso indica um equilíbrio extremamente difícil, entre estímulo monetário e fiscal, que também deve levar em conta a situação precária das contas públicas.

“O que pode fazer o BC elevar os juros apesar dos preocupantes dados do varejo é uma leniência no front fiscal que faça a percepção de risco fiscal se elevar, o dólar se valorizar e as expectativas de inflação se desancorarem”, diz Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho no Brasil.

Para ele, isso aconteceria, por exemplo, se a pressão sobre um novo auxílio aumentar, e, em vez de R$ 200, um valor maior for aplicado. “Do mesmo modo, fazer um auxílio emergencial fora do teto e não propor reformas também adiantariam o movimento de alta do BC, mesmo em um cenário de economia fraca”, acrescenta.

Ontem, todas essas incertezas culminaram no recuo da bolsa, com a desvalorização de ações ligadas a consumo e bancos. O Ibovespa fechou em queda de 0,87%, aos 118.435 pontos, com giro de R$ 23,90 bilhões. Outro indicador da percepção de risco é o prêmio entre juros de longo prazo e os de curto prazo - que segue bastante elevado, próximo de 4 pontos percentuais entre o DI para janeiro de 2027 e o DI para janeiro de 2022.

Apesar do tombo no varejo, o mercado de juros continua precificando chance de elevação da Selic na reunião de março do Copom, com 66% de possibilidade de um aumento de 0,50 ponto percentual e 34% de chance de uma alta de 0,25 ponto.

 

O cenário básico defendido pela RPS Capital é de que o ciclo de normalização monetária deve ter início no mês que vem, apesar da frustração com o comércio varejista em dezembro e com o IPCA de janeiro abaixo do esperado. O economista-chefe da casa, Gabriel Barros, aponta a retomada das discussões sobre o auxílio emergencial como um ponto que reforça seu cenário.

Ele nota que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, “foi bastante duro ao falar da questão fiscal e disse que, se houver uma prorrogação [do auxílio], eventualmente ela teria de ser compensada com medidas de austeridade”. Na visão de Barros, “como a promessa do Congresso de avanço das reformas é algo futuro, o mercado não tem se mostrado disposto a dar o benefício da dúvida e a acreditar que reformas serão adotadas”.

Instituições financeiras como Barclays, Itaú Unibanco e Bank of America (BofA) são algumas que esperam o início do ciclo também em março. Há divergências, contudo, em relação ao ritmo de normalização. O BofA, por exemplo, defende um aumento de 0,50 ponto percentual no mês que vem na Selic, enquanto o Barclays espera que o ciclo tenha início com uma elevação de 0,25 ponto.

Já os analistas do Citi apontam que o discurso de Campos Neto, na terça, sugere um Copom “data dependent”, mas que isso se dará, principalmente, “no que diz respeito aos potenciais impactos que as negociações fiscais podem exercer sobre as expectativas de inflação e sobre os preços dos ativos domésticos”. O Citi mantém inalterada sua projeção de que a Selic terminará o ano em 4%, com um ciclo de alta que terá início em junho.

A Capital Economics trabalha com alta só em agosto, embora reconheça probabilidade maior de ajuste em junho. Já o Santander deve anunciar hoje nova projeção de Selic, para 4% no fim do ano. “Provavelmente, achamos que a alta inicial de juros viria entre o 2º trimestre e o 3º trimestre. Sobre março, ainda estamos divididos”, diz Oreng.

Ontem, o dólar comercial encerrou em leve queda, de 0,20%, para R$ 5,3716, com ajuda do exterior após dados fracos de inflação nos Estados Unidos.

Fonte: Valor Econômico