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Sem open banking, consolidadores de carteiras buscam alternativas para capturar dados.

Quarta, 20 Janeiro 2021

Sem conseguir um acordo formal com a XP, o consolidador de carteiras de investimentos Gorila vai começar nesta semana a capturar automaticamente os dados dos clientes que têm conta na corretora e derem aval para o serviço. O concorrente Fliper, adquirido pela XP em meados do ano passado, por sua vez, começou a integrar investidores da plataforma, com o empurrão de um convite enviado pela XP à sua base.

Segundo Guilherme Assis, CEO do Gorila, o passo é uma antecipação às regras do “open banking”, arcabouço regulatório que vai disciplinar formas para que o cliente se torne dono, de fato, dos seu DNA financeiro, podendo compartilhá-lo segundo certos parâmetros da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Hoje, o Gorila tem parcerias com Genial, Órama, RB Investimentos e corretoras de criptomoedas, num modelo em que as instituições fornecem os seus protocolos de comunicação (API) para que haja a integração. O Gorila consegue ainda acessar dados do Canal Eletrônico do Investidor (CEI), da B3, que agrega parte das informações sobre os investimentos dos usuários.

Com as integrações tecnológicas, o investidor não precisa imputar manualmente cada aplicação ou resgate realizado. E assim controla de maneira mais fácil a evolução consolidada da sua carteira pessoal.

A partir desta semana, o consolidador parte para a captura automática, rastreamento chamado de “crawler” ou “scrapper”, sem autorização formal das instituições, apenas com a anuência do investidor, que insere a senha das suas contas para que um robô vá atrás dos dados. É o mesmo sistema usado pelo Guiabolso e que foi contestado pelo Bradesco na Justiça. O banco acabou desistindo do processo no fim do ano passado após assinar um termo de compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O Gorila pretende adicionar outras instituições que não topem ceder o API à sua plataforma, mas decidiu começar pela XP por ser a maior e concentrar grande quantidade de profissionais de investimentos como os agentes autônomos, diz Assis. Além disso, a XP anunciou no ano passado a compra do Fliper, acrescenta.

“O que a gente quer entregar para o profissional é uma ferramenta para atender o cliente onde ele estiver, não importa se tem a conta no Itaú, na XP ou no BTG”, afirma Assis. “Isso melhora a qualidade do serviço porque o assessor consegue entender a carteira como um todo. Ele vai pegar o ‘suitability’ [o enquadramento de perfil] e transformar isso em alocação real.”

Os dados de outros bancos e corretoras não parceiras ainda precisarão ser colocados manualmente, a experiência não vai ser tão fluida, mas o cronograma prevê outras integrações. Para ter toda a vida financeira numa plataforma de consolidação vai depender ainda da regulação e da maturidade tecnológica do mercado. Assis diz não ser algo como “virar a chave” de uma hora para outra, como foi com o Pix, o sistema de pagamentos instantâneos liderado pelo Banco Central (BC).

A pandemia atrasou o cronograma do open banking e a abertura de dados relativos a investimentos, na fase 4, deve ficar apenas para o fim de 2022, destaca Assis. “Esse é um bicho mais complexo porque tem a parte de movimentação e muitas exceções, como cisão de fundos, eventos corporativos, ‘split’ de ações, mudanças de nome ou custódia”.

Assis diz que o consolidador busca todo o histórico de investimentos do cliente, fazendo as atualizações de rentabilidade automaticamente, não se trata apenas de uma fotografia dos saldos.

A XP não deu entrevista, mas em nota escreveu ser entusiasta do open banking, porque está em linha com a democratização do mercado financeiro. “A empresa está estruturando os seus processos e, no momento oportuno, realizará a integração com plataformas que possuam sistemas capazes de garantir a segurança dos dados dos clientes”.

A compra do controle do Fliper pela XP tinha como um dos principais atrativos para a plataforma de consolidação a base da corretora, diz o sócio-fundador Renan Georges. “O grande benefício do deal era utilizar todo o ecossistema que a XP tem para proporcionar uma experiência melhor e menos intrusiva aos usuários e, cada vez mais, amparar o universo de investimentos de maneira simples e intuitiva.”

Hoje, são 18 instituições homologadas, algumas em fase de testes. A decisão foi não depender de parcerias para o fornecimento de APIs, afirma Georges. O scrapper é uma das variáveis usadas para coletar as informações. “Se eu esperasse o [open banking do] Banco Central ou as instituições financeiras liberarem o API, o usuário é que sairia prejudicado. A grande disrupção é não esperar acontecer, e sim puxar o movimento para frente.”

Ele explica que o Fliper simula o acesso dos investidores pelos diversos canais de atendimento, mas que há ainda uma série de “engenharias”, guardadas a sete chaves, em que o consolidador processa, categoriza e cotiza os investimentos. Georges acrescenta que se há instituições que não queiram colaborar, também não têm fechado as portas. Por ora, a plataforma não puxa o passado, sincronizando as informações a partir da captura para frente. O executivo diz que isso ocorre porque algumas instituições não têm esse histórico.

O plano para este ano é agregar outras funcionalidades, como orçamento, o patrimônio em imóveis, para se transformar numa espécie de “GPS financeiro”, cita o executivo do Fliper, uma estratégia que conversa com a do fortalecimento do Banco XP. “A ideia é conseguir apoiar as pessoas a gerenciar não só investimentos, mas todos os gastos e categorizar tudo de forma correta.” A empresa vai lançar ainda uma ferramenta tributária para cálculo do Darf para o investidor.

Enviando ordens pelo consolidador.

Como já prestava serviço para corretoras e assets no desenvolvimento de softwares por meio da Valemobi desde 2009, quando o TradeMap foi criado, no fim de 2018, não houve muita barreira para selar parcerias, diz o sócio-responsável Gustavo Reis. Além de consolidar investimentos disponíveis na base do Canal Eletrônico do Investidor (CEI), da B3, a plataforma oferece atualização de carteira durante o pregão porque tem conexão direta com corretoras brasileiras, americanas e de criptomoedas. Pelo multibroker, é possível enviar ordens por meio de um sistema de roteamento, o que quer dizer que toda vez que o investidor negocia algum ativo, o TradeMap faz a integração em tempo real.

Desde a fundação, a empresa criou um elo com influenciadores digitais, que passaram a usar a plataforma como ferramenta de trabalho, ensinando seguidores a olhar o mercado, diz Reis. “O multibroker pegou carona e acabou caindo nas graças, o marketing se tornou viral.” Ele cita ter hoje cerca de 100 parceiros, que ajudam no engajamento e na construção de uma rede de fato.

De pouco mais de 50 mil usuários nos primeiros meses, o TradeMap tinha como meta fechar 2019 com 1 milhão, número maior do que os cerca de 800 mil CPFs existentes na bolsa à época, lembra o executivo. Em 2020, em meio à montanha-russa na bolsa, o crescimento foi acelerado, chegando a 2,5 milhões de clientes, que detêm R$ 82 bilhões em custódia nas corretoras integradas.

Por dia, são 350 mil investidores que acessam a plataforma. À medida que a base pessoa física cresceu, as próprias corretoras quiseram se integrar, o TradeMap conseguiu criar uma força de rede, afirma Reis. Hoje há fila para novas adesões, e a próxima será a Ágora, do Bradesco. Outras quatro devem entrar até fevereiro.No pool estão nomes como BTG Pactual, XP, Guide, Mycap, Órama, Toro, Avenue e Terra, além do mercado Bitcoin e da NovaDax, de criptomoedas. O investidor estrangeiro também consegue disparar ordens pelo multibroker. “O TradeMap se posiciona para ser uma ponte entre o open broker ou investment para desenvolver o ecossistema de corretora e trazer a informação o mais rápido possível, até mais rápido do que no CEI, que demora dois dias úteis para ser atualizado”, diz Reis.

Na plataforma há desde ferramentas gratuitas, com análise técnica e fundamentalista, quanto módulos mais avançados, com assinaturas que vão de R$ 30 a R$ 140,00 ao mês. Algumas corretoras bancam o serviço para os seus clientes.

Há mais de 10 anos na estrada.

Há mais de dez anos, antes de qualquer conversa sobre open banking no Brasil, a Comdinheiro já oferecia o serviço de consolidação de carteiras para gestores de patrimônio, com acesso aos APIs das corretoras porque os escritórios são considerados clientes institucionais , diz o sócio-fundador Rafael Paschoarelli.

Esse caminho não pode ser, contudo, usado para a pessoa física. De qualquer forma, a empresa desenvolveu uma plataforma para o pequeno investidor, o Você Comdinheiro.

O executivo reconhece as dificuldades de algumas instituições, que precisam fazer desenvolvimento tecnológico para que seus APIs funcionem. “As empresas de consolidação estão muito à frente”, afirma Paschoarelli. “Título público é um sistema, ações é outro, fundo de investimento também é outro. Para as instituições há realmente complexidade de fornecer para plataforma de consolidação, porque é uma bola dividida.”

Paschoarelli acrescenta que programar um robô para acessar os sites das corretoras não é a melhor forma de fazer consolidação, porque pode haver erros nessa captura. “Por isso os bancos têm dificuldade para que [o open banking] aconteça, pedem para pôr token, não querem que um consolidador faça por API, com a justificativa de que têm que defender os dados dos clientes”.

Entre fevereiro e março, a Comdinheiro vai começar a capturar dados de investimentos em bancos. Para isso, comprou a solução de open banking de um fornecedor estrangeiro. “O ideal seria via API. Para mim, isso é um custo”, afirma Paschoarelli.

Com uma base de R$ 120 bilhões em investimentos consolidados, a SmartBrain construiu sua rede ao prestar serviços para assessores de investimentos, gestores de patrimônio e consultores. Foi só recentemente que lançou um aplicativo para a pessoa física, diz Cassio Bariani, sócio da empresa.

A preferência, desde o início, 12 anos atrás, é a captura via API, porque a automatizada pode trazer inconsistências e bagunçar as informações, diz o executivo. Ele acha que tão logo o Banco Central (BC) defina as APIs que vão fazer parte do open banking, as instituições financeiras terão condições de abrir os protocolos para o uso por terceiros. O scraping é só usado para a leitura de dados do CEI.

Modalmais, Órama e Genial são alguns nomes que já têm seus sistemas integrados ou em fase de homologação, lista Bariani, enquanto conversa com outras grandes instituições.

A AAWZ, que atua no segmento de agentes autônomos com quase 60 parcerias em que consolida carteiras de R$ 100 bilhões, tem tomadas próprias com grandes bancos e corretoras, além da integração com a bolsa, diz o CEO da companhia, Filipe Medeiros. Ele cita que a maioria das instituições bancárias tem deficiência na plataforma tecnológica em relação aos dados que entregam para o próprio cliente.

Ele espera diretrizes dos próprios reguladores para a aplicação da LGPD em investimentos. “Grande parte das corretoras têm políticas de dados generalistas. O cliente, quando assina a autorização, acaba dando acesso para os parceiros comerciais, só que, diferentemente de Google, Facebook ou Instagram, acessam dados sensíveis do cliente”, diz Medeiros. “Não adianta colocar open banking se não tiver regulamentação porque as grandes instituições têm mais de 70% do patrimônio líquido de tudo no mercado financeiro”.

Fonte: Valor Invest