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Com Biden, mercado ESG espera apoio governamental à pauta liderada pelo setor privado sob Trump

Quarta, 20 Janeiro 2021

Joe Biden assume a Casa Branca nesta quarta-feira (20) prometendo a proverbial troca da água pelo vinho à frente da maior potência econômica e cultural do mundo. Saem de cena Donald Trump e um governo deliberadamente de oposição às causas ambiental, racial, LGBTQ+, de gênero, entre outras. Exatamente a direção contrária do discurso de campanha do novo presidente dos Estados Unidos.

A se confirmar na nova gestão a linha de atuação proposta, tendem a ganham ainda mais força, portanto, esses valores. E esse movimento, como consequência, deve se refletir também no universo econômico e de investimentos. Especificamente, nas três letrinhas mais badaladas entre as caixinhas de produtos oferecidas no mercado de capitais, a indústria de produtos ESG (sigla em inglês para critérios Ambientais, Sociais e de Governança).

"Na hora em que temos um presidente dos Estados Unidos com o comprometimento com essa agenda, como Biden tem demostrado, a pauta como um todo se reforça", diz Maria Eugenia Buosi, sócia de Resultante Consultoria. "E não só com a ambiental, como ele destacou em campanha, mas com a vice Kamala Harris ganham força a pauta de gênero e racial. Então, acho que teremos vários 'drivers' sendo fortalecidos e que são caros ao mercado ESG."

Buosi destaca que, com Biden, a tendência é de consolidação da resposta dada nos últimos anos pela sociedade civil e, consequentemente, pelo meio empresarial ao governo Trump.

"Vimos ao longo do governo Trump uma movimentação do setor privado muito mais proativa em relação à agenda ESG, então, na hora em que temos governos como foi o dele, acaba sendo cobrado do setor privado um posicionamento mais severo, mais efetivo", diz. "Sabendo que isso não vai vir das políticas públicas, embora seja uma agenda relevante sinalizada pela pressão da demanda, dos acionistas e de consumidores internacionais, as empresas vão lá e fazem."

Para o Brasil, Buosi vislumbra dias melhores para a agenda ambiental durante o governo Biden. Como se sabe, a pressão nacional e internacional tem sido grande nessa área, inclusive de investidores, enquanto índices de queimada na Amazônia e no Pantanal chocam o mundo. Em debate com Trump, foi parar nas manchetes por aqui recado dado por Biden ao presidente Jair Bolsonaro.

"A Floresta Amazônica no Brasil está sendo destruída, arrancada. Mais gás carbônico é absorvido ali do que todo carbono emitido pelos EUA. Eu tentarei ter a certeza de fazer com que os países ao redor do mundo levantem US$ 20 bilhões e digam [ao Brasil]: 'Aqui estão US$ 20 bilhões, pare de devastar a floresta. Se você não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas'", disse o então candidato Biden em debate com Trump em agosto passado.

"O Brasil é um grande exportador, e a movimentação internacional que já estava forte na Europa passa a ter uma grade colaborador com Biden, vai exigir do Brasil como país uma serie de revisões e posicionamentos", diz Buosi.

De acordo com ela, fatos como o Brasil ter o maior reservatório de água doce e potável, por si só, já deveriam bastar para a postura governamental ser diferente da atual. "Precisamos sair do 'por que eu?' e irmos ao 'por que não eu?'", diz. "Dada a abundancia de recursos, a detenção de maiores florestas, é preciso protagonizar, liderar a agenda ambiental do planeta."

"De fato, com Biden na Casa Branca, vai haver maior pressão sobre o Brasil, mas como país podemos nos beneficiar muito", entende Carolina da Costa, sócia da Mauá Capital, que hoje lidera a incorporação de critérios ESG dentro da gestora de recursos.

Costa recorda o papel de coordenação de agendas globais dos Estados Unidos desde o pós-guerra, com a criação, por exemplo, da Organização das Nações Unidas (ONU). "Trump fez um movimento contrário, de isolamento, mas o tema ambiental e mesmo a questão sanitária trazida pela pandemia exigem coordenação global", diz. "Por esse ponto de vista, a vitória de Biden é uma boa notícia para o mundo."

A executiva vê com bons olhos a formação do governo Biden, com John Kerry escolhido representante especial do Meio Ambiente. "Ele é sênior em relações internacionais, participou do Acordo de Paris, conhece do assunto e vai liderar um plano de investimento em energias renováveis da ordem de US$ 2 trilhões", diz.

Como boa notícia para Brasil, especificamente, Costa aponta para a indicação de Tom Vilsack para chefiar a Agricultura nos Estados Unidos. "Ele conhece o nosso país e é fã do nosso programa de produção de etanol a partir da cana de açúcar, será um grande ativo outra vez para o Brasil explorar esse mercado global."

Mas e a tentativa de Bolsonaro de reproduzir o modus operandi de Trump? Permitem esperanças de aproveitarmos as oportunidades que venham a surgir com Biden? "Temos toda a oportunidade de bom relacionamento", entende Costa. "Aquilo que for uma agenda empresarial, ligada ao agronegócio e ao biocombustível, o governo não vai se meter tanto", diz.

Costa concorda com a visão global de vilania atribuída ao Brasil no que diz respeito ao desmatamento. "Estamos atrasados, no mínimo, oito anos", diz.. Mas entende que, por outro lado, o agronegócio tem do que se "orgulhar". "Somos líderes em produção de baixo carbono e temos ferramentas para atender a agenda americana, condições de potencializar o que já temos de bom e solucionar o que temos de problemas, principalmente na pecuária, para ganhar espaço para a exportação aos Estados Unidos."

Luzia Hirata, analista ESG da Santander Asset, destaca que os pilares firmes fincados pela sociedade têm sido mais efetivos que pressões governamentais contrárias nos últimos anos. Também coordenadora do grupo de trabalho de sustentabilidade da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), observou fortes movimentações pró-ESG passando ao largo do governo Trump bem como, no Brasil, do governo Bolsonaro. "Temos uma pressão cada vez maior, como demonstrado por movimentos sociais mais intensos, e por outro lado temos também empresas atuando de forma significativa, independentemente de posição de governo", diz.

A analista lembra que, embora a narrativa de Biden em campanha tenha sido redonda em relação à pauta ESG, vale andar pé ante pé paraver se, na prática, a teoria não será outra.

"Qualquer troca de governo requer reavaliar cenários e tudo que vem por trás dos discursos, mas de fato é no dia a dia que vamos observar como as coisas estão andando", diz. "E a pressão da sociedade e o posicionamento das empresas também merecem ser observados para medir também impactos."

Hirata enfatiza que, não só por uma questão de engajamento social, mas também econômica, as temáticas ambientais e de igualdade social têm chegado às altas lideranças de empresas. "Companhias estão entendendo que é necessário olhar para esses aspectos para entender como impactarão no seu ambiente de negócios, e como fatores que antes não eram tão bem avaliados afetam no futuro a produtividade das empresas."

 

Fonte: Valor Investe