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Ibovespa está em promoção para 'gringos' e isso é bom para os brasileiros.

Quinta, 14 Janeiro 2021

O Ibovespa alcançou a inédita marca de 125.077 pontos no fechamento de 8 de janeiro de 2021 e, embora possa parecer cara nesse patamar para parte do mercado doméstico, o Ibovespa não é uma ilha isolada no mundo das bolsas. Assim, quando levado em consideração seu "preço" em dólar, que é a moeda de referência global, há ainda um desconto de 48,50% até que o índice volte às suas máximas - de 44.616 pontos (19 de maio de 2018). O Ibovespa fechou a quarta-feira (13) em 22.976 pontos em dólar.

"Em níveis globais, o Ibovespa continua sendo um dos principais índices com desempenho abaixo da média dos mercados", observa Pablo Riveroll, diretor de renda variável para Brasil e América Latina da Schroders.

Mas por que você, brasileiro e que investe em reais, deveria se interessar pelo Ibovespa em dólar? "Ele ajuda a entender a atratividade da bolsa para o investidor estrangeiro. É entender o quão atrativa está a bolsa para que o estrangeiro venha, traga o fluxo e possa impactar o investidor local por meio da subida do índice", explica Luciana Silva, gerente de portfólio do Andbank.

A defasagem da bolsa brasileira em dólares na comparação com as demais emergentes começou a diminuir em outubro do ano passado. Contudo, isso não foi o suficiente para sair da rabeira entre as mais desvalorizadas e o Ibovespa ainda terminou 2020 tendo o pior desempenho em dólar entre os índices acionários de países emergentes comparáveis, com queda de 20%.

Além da alta do Ibovespa nas últimas semanas, o abrandamento da depreciação do real também vem beneficiando o índice em dólar, isso graças ao retorno da alocação de recursos estrangeiros por aqui. Com mais dólares dentro do país, a lei da oferta e da demanda se encarregou de fazer seu preço diminuir.

“A gente chegou a ter em 2020 quase R$ 90 bilhões de saída de recursos estrangeiros da bolsa, lá pelo mês de setembro e, a partir do mês de outubro, esse montante foi sendo diminuído até algo em torno de R$ 35 bilhões no fim do ano”, destaca Alvaro Bandeira, economista-chefe do banco digital Modalmais. “Tivemos nos últimos três meses do ano, assim, uma recuperação do mercado local, tanto na desvalorização cambial quanto no mercado acionário.”

Sobre esse movimento de recuperação citado por Bandeira, a comparação de dois momentos do câmbio no Brasil em 2020 ajuda a entender a magnitude. O dólar comercial fechou o ano passado com valorização acumulada 29% em relação à moeda brasileira, aos R$ 5,1878. Bastante coisa? Sim, mas não tanto quanto os 47% então acumulados no fechamento de 13 de maio, quando a máxima de fechamento dos R$ 5,90 em 2020 foi tocada.

Bem, mas está no retrovisor, né? Já foi. Importa agora saber se, com as principais bolsas do mundo “mais caras” em dólares, o fluxo estrangeiro continuará considerando “pechincha” investir no Brasil. E, portanto, se a chuva de dólares e euros de Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e Banco Central Europeu (BCE, da zona do euro) seguirá desaguando, como tem acontecido, nas ações brasileiras. E se você, investidor local, poderá se beneficiar desses movimentos em 2021.

Luciana Silva, do Andbank, afirma que o governo do presidente eleito nos Estados Unidos, Joe Biden, deve favorecer o enfraquecimento do dólar em todo o mundo, incluindo ante o real.

Para Pablo Riveroll, da Schroders, a rotação dos mercados, que já começou, ainda tem "muito espaço" para o Ibovespa continuar subindo, contando com a ajuda dos estrangeiros. "Países que estavam underweight [expectativa de desempenho abaixo da média do mercado, o equivalente a venda] no Brasil estão aumentando posições", afirma.

As ações de mineradoras, siderúrgicas, petroleiras e bancos e outras empresas atreladas à recuperação econômica doméstica devem puxar essa valorização, avalia Riveroll, que espera resultados corporativos fortes em 2021.

Para George Wachsmann, gestor de patrimônio da Vitreo, o cenário de recuperação econômica global, rotação de setores e enfraquecimento do dólar continua no desenho para 2021. Se mantido, o Ibovespa tem o caminho facilitado para continuar suas altas. "Ainda há excesso de liquidez e, aparentemente, não tem sinal claro de quando isso termina", diz.

 

A "bagunça" dentro de casa

 

 O fator de risco para a bolsa brasileira está se o vento - até então favorável - mudar de rumo. E os principais riscos para a continuidade da valorização do Ibovespa em direção a novos recordes - em real e em dólar - estão dentro de casa. Não vai rolar receber a visita dos "gringos" dizendo: "não repara a bagunça". Eles já repararam, e estão esperando que pelo menos parte dela seja arrumada.

Como você deve imaginar, o maior problema é um grande elefante no meio da sala chamado risco fiscal. “Depende muito do lado político”, diz Alvaro Bandeira. Mais especificamente, de acordo com o economista, de como Brasília endereçará o risco fiscal e a crise sanitária propriamente dita.

"O grande divisor de águas será o endereçamento da questão fiscal", reforça Luciana Silva, do Andbank, destacando a importância da campanha de vacinação contra a covid-19 também para reduzir os gastos do governo.

"Ao começar a vacinação, tem o risco de contágio diminuído, o que reduz gastos assistenciais. Assim, caminha para ter um fiscal sob controle, o que seria bastante positivo. Precisamos da vacina para que o peso sobre os gastos seja contido", explica Silva.

O descontrole com os gastos também pode atrapalhar a trajetória esperada de perda de força do dólar. "Se fizermos bobagem não tem limite para o câmbio. E estamos fazendo bobagem em não vacinar as pessoas. A vacina é um caminho para que as coisas voltem ao normal", diz Wachsmann, da Vitreo.

Para resolver a "bagunça fiscal" é preciso dar encaminhamento às reformas. Prometidas para depois das eleições municipais pelo Planalto, como se sabe, essas reformas nem mesmo engatinham no Congresso. E, para além das pressões eleitorais por mais gastos, visando a corrida presidencial de 2022, há ainda a realidade ao redor.

A pandemia no Brasil segue a todo o vapor em sua nova onda. E as perspectivas de vacinação, ao contrário da maioria dos países, são nebulosas. Faltam por aqui não só os recém-desenvolvidos imunizantes, mas até as boas e velhas agulhas e seringas.

“Primeiro, para o fluxo estrangeiro continuar entrando na bolsa, é preciso a vacinação massiva da população, que vai tirar o risco de maior contato social”, diz o Bandeira. De outro lado, afirma, o governo precisa fazer o que precisa ser feito em relação ao quadro fiscal. “Se isso acontecer, investidores vão continuar apostando no Brasil, mas, mais ainda, é preciso uma série de marcos regulatórios em diversas atividades para trazer alguma segurança de longo prazo para que os investimentos estrangeiros sigam seu curso natural”, diz Bandeira. “Se conseguirmos clarear todo esse jogo, temos, sim, a possibilidade de seguir esse curso, tem dinheiro sobrando no mundo e vai continuar assim por bom tempo, por obra dos grandes bancos centrais.”

Sobre esses riscos, o gestor Marcos Mollica, do Opportunity, tem preocupações semelhantes às de Bandeira. “Teremos momentos de estresse novamente em relação ao teto de gastos”, diz. “O risco fiscal mais iminente foi afastado no fim do ano, que era o de uma extensão irresponsável dos auxílios emergenciais, mas as pressões políticas por algum tipo de auxílio vão voltar.”

Por mais que entenda como necessário o fim dos anabolizantes que sustentaram a economia brasileira em 2020, Mollica vislumbra dias difíceis pela frente como efeito colateral desse pé no freio dos gastos. “A recuperação dos últimos meses foi muito pautada nos auxílios, então teremos uma desaceleração econômica sensível no primeiro trimestre, com desemprego elevado. É a receita para a pressão política por mais gastos voltar”, diz. “Do ponto de vista doméstico, portanto, esse vai ser o principal risco.”

Apesar dessa turbulência pela frente, na visão do gestor, o pano de fundo global deve se impor. “Estamos bastante otimistas, continuará a liquidez internacional fluindo, o balanço dos principais bancos centrais vai continuar se expandindo”, diz. “Vamos continuar vendo o fluxo internacional saindo dos setores que foram os grandes vencedores da pandemia, caso das ações de tecnologia nos Estados Unidos, e rotacionando para outros setores, como as bolsas emergentes, o que vai continuar beneficiando as ações brasileiras.”

Fonte: Valor Econômico