O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) do Brasil manteve nesta quarta-feira (9) a meta para os juros básicos (Selic) em seu piso histórico de 2% ao ano. O nível foi tocado pela primeira vez em agosto, e segue o mesmo pelo terceiro encontro consecutivo do colegiado.
Trata-se da taxa de referência mais baixa da série histórica iniciada em 1999, quando o nível de preços no Brasil passou a ser regido pelas metas de inflação. Ficará em vigor pelo próximos 42 dias, quando acontece nova reunião.
A decisão foi unânime tal e qual eram as apostas do mercado, de Selic andando de lado até 2021. Mas se você está entre aqueles que esperava pela queda do "forward guidance", ele ainda segue. Mas balança.
E se você não tem a menor ideia do que seja esta expressão, ela nada mais é do que uma "orientação futura" dada por uma autoridade monetária. E Banco Central avisou, há poucas reuniões, que os juros ficariam em 2% ao ano por algum tempo, sem motivos em suas planilhas para subir tão cedo.
Ao anunciar a decisão de hoje, o BC manteve a tal orientação de nome empolado. Surpreendeu, no entanto, ao avisar, no final do comunicado, que não garante que o "forward" sobreviva aos próximos.
A inflação de agora, acima da meta, mas dentro do intervalo de tolerância, incomoda o seu bolso. Mas não é uma grande preocupação nas planilhas da autoridade monetária a ponto de motivar uma alta dos juros no curto prazo. O horizonte pelos próximos semestres, esse sim, não é dos melhores. E a indicação de juros parados em 2% ao ano caminha para, "em breve", sair de seus comunicados.
"Veio uma surpresa que é a possibilidade do fim do 'foward guidance' devido a reversão da tendência de queda nas expectativas de inflação", avalia Flávio Aragão, sócio da 051 Capital. "Ou seja, caso as expectativas de inflação sigam sua escalada, o Copom deve iniciar logo no primeiro semestre o aumento da taxa básica de juros."
"O Copom reconhece que a manutenção do 'forward guidance' se deteriorou com as pressões recentes de inflação", diz João Beck, sócio da BRA Investimentos. "No entanto, ressalta que isso não implica em uma alta automática da Selic, pois a economia pode continuar necessitando de estimulo elevado, frente às incertezas quanto à evolução da atividade."
A meta do Banco Central neste ano é entregar uma variação média dos preços medida pela IPCA de 4% em 12 meses, com intervalo de tolerância de entre 2,5% e 5,5%. A última medição feita IBGE, medida pelo IPCA, aponta inflação acima do centro da meta em novembro, aos 4,31% ao ano. Para o ano que vem a meta será de 3,75% e, em 2022, de 3,50%.
A ideia de ter juros baixos, em linhas gerais, é simples. Diminuir o custo de empréstimos e financiamentos para estimular o consumo, de modo que os preços voltem a se aquecer. Ao passo que, subir juros, tende a forçar o efeito contrário.
Outro efeito esperado por estímulos monetários é que ações e e outros ativos "reais", como imóveis e mesmo ouro, mantenham fôlego, dadas as poucas opções melhores na renda fixa.
LEIA A ÍNTEGRA DO COMUNICADO
Em sua 235ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 2,00% a.a.
A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:
No cenário externo, a ressurgência da pandemia em algumas das principais economias tem revertido os ganhos na mobilidade e deverá afetar a atividade econômica no curto prazo. No entanto, os resultados promissores nos testes das vacinas contra a Covid-19 tendem a trazer melhora da confiança e normalização da atividade no médio prazo. A presença de ociosidade, assim como a comunicação dos principais bancos centrais, sugere que os estímulos monetários terão longa duração, permitindo um ambiente favorável para economias emergentes;
Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentes sugerem a continuidade da recuperação desigual entre setores, em linha com o esperado. Contudo, prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais;
As últimas leituras de inflação foram acima do esperado e, em dezembro, apesar do arrefecimento previsto para os preços dos alimentos, a inflação ainda deve se mostrar elevada. Apesar da pressão inflacionária mais forte no curto prazo, o Comitê mantém o diagnóstico de que os choques atuais são temporários, mas segue monitorando sua evolução com atenção, em particular as medidas de inflação subjacente;
As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se em níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;
As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,2%, 3,3% e 3,5%, respectivamente;
No cenário básico, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de R$5,25/US$*, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 4,3% para 2020, 3,4% para 2021 e 3,4% para 2022. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2,00% a.a. e se eleva até 3,00% a.a. em 2021 e 4,50% a.a. em 2022; e
No cenário com taxa de juros constante a 2,00% a.a. e taxa de câmbio partindo de R$5,25/US$*, e evoluindo segundo a PPC, as projeções de inflação situam-se em torno de 4,3% para 2020, 3,5% para 2021 e 4,0% para 2022.
O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.
Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado, notadamente quando essa ociosidade está concentrada no setor de serviços. Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.
Por outro lado, um prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que piore a trajetória fiscal do país, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.
O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.
Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica de juros em 2,00% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui os anos-calendário de 2021 e 2022.
O Comitê considera adequado o atual nível extraordinariamente elevado de estímulo monetário que vem sendo produzido pela manutenção da taxa básica de juros em 2,00% a.a. e pelo forward guidance adotado em sua 232ª reunião, segundo o qual o Copom não pretende reduzir o grau de estímulo monetário desde que determinadas condições sejam satisfeitas. O Copom avalia que essas condições seguem satisfeitas. Apesar da elevação desde a última reunião, em particular para o ano de 2021, as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, permanecem abaixo da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária; o regime fiscal não foi alterado; e as expectativas de inflação de longo prazo permanecem ancoradas.
O Copom avalia que, desde a adoção do forward guidance, observou-se uma reversão da tendência de queda das expectativas de inflação em relação às metas para o horizonte relevante. Além disso, ao longo dos próximos meses, o ano-calendário de 2021 perderá relevância em detrimento ao de 2022, que está com projeções e expectativas de inflação em torno da meta. A manutenção desse cenário de convergência da inflação sugere que, em breve, as condições para a manutenção do forward guidance podem não mais ser satisfeitas, o que não implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros pois a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade. No cenário de retirada do forward guidance, a condução da política monetária seguirá o receituário do regime de metas para a inflação, baseado na análise da inflação prospectiva e de seu balanço de riscos.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.
Fonte: Valor Investe