Notícias

CVM pode ser mais dura com os influenciadores digitais

Sexta, 04 Dezembro 2020

As recentes orientações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a conduta de influenciadores digitais de investimentos foram o primeiro passo para que o regulador comece a adotar medidas mais duras em casos de irregularidades, na visão do diretor da autarquia, Henrique Machado.

Pode ocorrer, por exemplo, abertura de processos sancionadores. Ou ainda a emissão de “stop orders” — quando, ao perceber determinada infração, o regulador ordena que aquela atividade deixe de ser realizada, sujeito a aplicação de multa diária. O diretor, que por vezes ficou marcado como voz dissonante do colegiado, encerra seu mandato na autarquia no dia 31 de dezembro.

No mês passado, o regulador divulgou um alerta sobre a atuação destes profissionais, que vem sendo muito difundida em plataformas como Twitter e Instragram. Segundo a CVM, com a crescente popularização das redes sociais e o maior interesse do público em geral sobre os mercados, é preciso estar atento à suposta oferta de serviços profissionais que dependam de registro no regulador.

“A nossa preocupação, externada no ofício, é que as pessoas que queiram fazer recomendação de ativos tenham a devida habilitação. E que sejam realmente capazes de orientar. Há um limite entre o que é liberdade de imprensa ou de opinião e a atividade profissional de análise de valores mobiliários ou a recomendação direta”, disse Machado ao Valor.

Essas figuras são novas e possuem capacidade de fazer preço no mercado. E o papel do regulador, segundo ele, é fazer com que esses profissionais exerçam suas atividades com capacidade técnica demonstrada.

“[A emissão de uma 'stop order'] É uma maneira de impor uma multa e avisar ao mercado que aquela pessoa não está habilitada. Pode ser uma stop order, pode ser a abertura de um processo sancionador”, afirmou. O diretor reconhece, no entanto, o desafio dessa tarefa para o regulador. Apesar do crescimento do mercado, a CVM teve sua estrutura reduzida ao longo dos anos.

“Tanto os casos de influenciadores que atuam como analistas quanto esquemas de pirâmides e administração irregular de carteiras têm se difundido. As pessoas precisam saber quando são atividades irregulares” , afirmou.

O diretor iniciou seu mandato na CVM em 2016. O advogado é servidor de carreira do Banco Central (BC), foi secretário do Conselho Monetário Nacional (CMN). Também atuou como secretário-executivo adjunto e chefe de gabinete do ex-presidente do BC, Henrique Meirelles.

Após o fim de seu mandato no regulador, Machado deverá se apresentar ao BC em janeiro e cumprir quarentena, ao mesmo tempo em que analisa propostas para trabalhar no setor privado, em escritórios de advocacia e companhias.

Machado defende uma maior diversidade no colegiado da CVM, incluindo de gênero e racial, passando também pela formação de seus componentes — sejam servidores públicos ou da iniciativa privada. No momento, a única mulher do grupo é a diretora Flávia Perlingeiro.

Durante sua temporada na autarquia, Machado foi relator de dezenas de casos, muitos deles relevantes. Envolveram, por exemplo, o empresário Eike Batista e os bancos Cruzeiro do Sul e Panamericano.

Uma voz isolada

Por algumas vezes, as posições de Machado diferiram do restante da mais alta cúpula da autarquia. Um dos exemplos mais recentes foi a decisão do colegiado que autorizou os fundadores da Linx a votarem na assembleia que aprovou a compra pela Stone. Machado foi o único do colegiado que concordou com a área técnica de que os executivos da Linx deveriam ser impedidos de votar na reunião de acionistas.

Seu entendimento foi de que havia um potencial conflito de interesse, e os fundadores da empresa estariam previamente impedidos de votar na assembleia. No jargão do direito societário, esse é o “conflito formal”. O colegiado entendeu, por maioria, que não se tratava de “hipótese de benefício particular” dos fundadores da Linx, Nercio Fernandes, Alberto Menache e Alon Dayan.

E para o presidente Marcelo Barbosa e a diretora Flávia, não havia conflito de interesses apto a gerar impedimento de voto. Isso porque não existia, na visão deles, “flagrante contraposição entre os interesses dos acionistas fundadores e o interesse social”.

Recentemente, houve divergências também nos julgamentos de processos envolvendo dezenas de ex-executivos da Petrobras. Relator dos casos, Machado votou pela aplicação de multas a ex-diretores e ex-conselheiros da estatal, como a ex-presidente Dilma Rousseff.

As discussões também cabiam entendimentos sobre prescrição dos fatos, e o diretor acabou sendo voto vencido. Apenas os ex-diretores Renato Duque e Paulo Roberto Costa foram condenados. Os processos avaliaram falhas em auditorias e aprovação de obras das refinarias de Abreu e Lima e Comperj. No fim do julgamento, o diretor criticou o resultado.

“No caso da Petrobras, havia uma expectativa muito grande sobre o resultado do julgamento e que talvez não tenha sido atendida. E de certa forma, a divergência chama atenção”, afirmou.

Na área de regulação, Machado capitaneou as discussões sobre a instrução 607, que criou um manual de processos sancionadores na CVM e incorporou as mudanças previstas na lei que deu mais poderes ao regulador. O diretor também destaca os trabalhos em temas como as regras de prevenção de lavagem de dinheiro, BDRs e a norma que possibilitou a realização de assembleias virtuais, além da iniciativa para ampliar a eficácia dos instrumentos de indenização de investidores no Brasil.

As mudanças para o regime de fundos — cuja audiência pública foi lançada nesta semana —, para ofertas públicas e para as normas que tratam da infraestrutura e autorregulação do mercado tratam de regras basilares do mercado de capitais, disse Machado. “Não me lembro de um momento em que se tivesse trabalhado todos os pilares de uma só vez e de tê-los reformados. O trabalho na área de regulação foi rico e aprendi muito”.

 

Fonte: Valor Investe