A volta do estrangeiro para a bolsa brasileira trouxe um novo combustível para as ações. Em novembro, o Ibovespa subiu quase 16% — o melhor desempenho mensal desde março de 2016 e o melhor resultado para esse mês desde 1999. No ano, o principal índice da bolsa ainda perde 5,84%, sob efeito da pandemia de covid-19. Para o investidor com alguma liquidez, a sugestão é manter uma parcela em ações, com um horizonte acima de três anos, além de buscar diversificação em classes alternativas como fundos imobiliários e exposição ao exterior.
No mês passado, a recuperação dos ativos de risco foi generalizada. Entre os índices setoriais da B3, destaque para o de companhias do setor imobiliário (16,5%) e de menor capitalização (16,6%). Na renda fixa, o IMA-B 5+, que representa uma cesta de títulos públicos atrelados à inflação com prazo a partir de cinco anos, ganhou 2,6% — no ano ainda está negativo em 1,9%. Até o real se apreciou, com a queda de 7,6% do dólar, enquanto o ouro, ativo de proteção, perdeu 11,6%.
Assim como o capital estrangeiro, as boas notícias vieram do exterior. A proximidade de uma vacina contra a covid-19, a vitória do democrata Joe Biden na corrida eleitoral americana, casada com um Senado republicano, e a indicação de Janet Yellen para comandar o Tesouro dos EUA turbinaram os mercados internacionais. Os emergentes acompanharam, diz José Alberto Tovar, sócio-fundador da Truxt Investimentos.
“Houve algumas transferências, uma rotação importante de ativos. Como consequência, tudo que tinha sido esticado demais no mundo da pandemia está voltando um pouco”, resume Tovar. O gestor diz que essa troca de ativos vem perdendo intensidade e que a tendência é os mercados entrarem num período de menor volatilidade.
Com Biden na presidência dos EUA, as relações comerciais com a China e países do bloco europeu devem ganhar maior previsibilidade, inaugurando uma fase de disputas menos abrasivas, diz Tovar. “O externo melhorou bastante, o que ajuda os emergentes considerados ‘value’ [negociados a um preço abaixo do seu valor], com menos tecnologia, e o Brasil pegou carona nesse movimento.”
Cenário interno não ajuda
Lamentavelmente, o gestor diz que o quadro fiscal é muito ruim e que é grande a dúvida sobre o que será feito para manter o programa de auxílio para as famílias de baixa renda, e se as pressões para mais gastos no Congresso vão prosperar. “O presidente [Jair Bolsonaro] se mostra animado com a força eleitoral de uma renda cidadã, mas se o teto [de gastos] for quebrado, vai tirar toda a credibilidade [da política econômica].” O risco, diz Tovar, é a pauta de reformas só ser retomada depois da eleição das presidências da Câmara e Senado.
Depois de o governo gastar o equivalente a 8% do PIB no auxílio emergencial, o caminho da austeridade fiscal é a única escolha racional, diz o sócio da Truxt. É essa incerteza que tem mantido a curva de juros extremamente inclinada e o câmbio depreciado apesar de o balanço de transações correntes estar arrumado.
A inflação observada nos preços de atacado e nos alimentos também é vista com preocupação pelo gestor. “O governo diz que é passageiro, mas é onde pega o povo na veia. É muito punitivo. Ainda bem que o cenário externo está mais amigável.”
Por ora, o multimercado da casa tem uma pequena aposta na alta das taxas dos contratos de juros com vencimento em janeiro de 2025. A avaliação de Tovar é que já passou da hora de o Banco Central (BC) subir a Selic porque, com juro real negativo, a autoridade tem sido uma grande tomadora de risco.
Em meio à migração de investimentos da renda fixa para a bolsa, Tovar diz estar animado com a carteira de ações que a gestora montou, aproveitando as barganhas trazidas durante a pandemia. “Temos alta convicção nas empresas que a gente conhece há muito tempo, que são bem geridas, e têm capacidade para enfrentar a crise.”
O que ter na carteira
As escolhas transitam entre três temas: casos ligados à tecnologia, a vendas internacionais e à tese do “financial deepening” — a sofisticação dos mercados financeiros e de capitais. Na carteira, há nomes como XP, BTG Pactual, Stone, Mercado Livre e Magazine Luiza, além de uma parcela na construtora Cyrela, pelo perfil de empreendimentos destinados às classes altas, que vêm investindo mais nas próprias casas.
O momento geopolítico aparentemente mais calmo, com Biden na presidência dos EUA e vários países saindo da recessão ao mesmo tempo, desenham um cenário que potencialmente favorece o Brasil, como produtor de matérias-primas, diz Fernando Lovisotto, sócio da Vinci Partners. “A tendência de dólar mais fraco deve fazer o fluxo de dinheiro circular mais, com as commodities para cima.”
Localmente, ele diz que o mercado está vivendo duas histórias. Na bolsa, as ações têm se valorizado por causa do capital externo, enquanto os contratos futuros de juros apontam altas de taxas à frente por conta da incerteza fiscal e da rolagem da dívida.
A Vinci trabalha com um cenário-base em que o governo não vai romper o teto de gastos e que a inflação é pontual, voltando à normalidade ao longo do ano que vem. Isso possibilitaria ao BC manter a Selic em 2% ou elevar um pouco no segundo semestre de 2021. “O juro real de curto prazo negativo ou próximo de zero vai fazer com que os investidores continuem o processo de migração para a bolsa”, diz Lovisotto.
Em 2020, ele lembra que quem deu suporte às ações foi a pessoa física, enquanto os investidores institucionais, como os fundos de pensão, ainda não haviam aumentado a alocação em renda variável.
Lovisotto acredita que o fluxo externo para a bolsa tende a prosseguir, porque os movimentos dos estrangeiros costumam ser prolongados, na entrada ou na saída. “Com cenário externo favorável, a Ásia se recuperando da covid, estão surfando a onda dos emergentes. E, daí, compram de tudo. Nem sabem onde é o Brasil, só que 5% do peso que tem entre os emergentes, é um fluxo grande para nós.”
Tudo menos CDI
Para quem pretende destinar o 13 salário para investimentos, Lovisotto sugere colocar dinheiro em tudo, menos no CDI. “O brasileiro demorou para entrar no mundo de juros baixos, mas se não tiver susto do lado fiscal e a inflação seguir dentro da meta a renda fixa não vai dar nada”, diz. Ele cita fundos imobiliários e ações entre as alternativas descoladas do referencial da Selic. “As famílias vão tomar mais risco mesmo, buscar 4% a 5% em termos reais, mas não se deve apostar num negócio só, mas em classes diferentes.”
Com o país numa encruzilhada e a dívida brasileira chegando a 100% do PIB, nível de economias desenvolvidas, há dois desfechos possíveis para os ativos locais: podem se valorizar, com real se apreciando e juros futuros caindo, se o teto de gastos for respeitado, ou tomar direção oposta na hipótese negativa, diz Fernando Barrozo do Amaral, head da Genial Advisory.
Para ele, as indicações foram positivas nas últimas semanas para o caminho da austeridade. Num cenário binário, a recomendação é manter o posicionamento da carteira, sem ampliar a exposição local por causa da indefinição fiscal, e internacionalizar mais o portfólio. “Para se proteger da situação negativa do país, é preciso ir para ativos não correlacionados com o risco Brasil. Há muita opção de investimentos mesmo em veículos locais com ativos no exterior”, diz.
Essa internacionalização, prossegue, já vem ocorrendo nos multimercados, que ganharam, ao longo do tempo, capacidade para gerir ativos fora do Brasil, com parte relevante dos retornos extraída dessas estratégias. Adicionalmente, ativos estrangeiros já podem ser acessados pelo público de varejo por meio de Brazilian Depositry Receipts (BDRs), de ações ou fundos imobiliários internacionais. Os fundos globais são outra forma de testar as águas externas.
No Brasil, a gestora de patrimônio já tinha reduzido a exposição a Tesouro IPCA+ (ou NTN-Bs) longas porque é o tipo de ativo que pode sofrer se o fiscal pender para o pior desfecho, enquanto manteve os vencimentos mais curtos. Em bolsa, a casa diminuiu marginalmente a parcela investida, aumentando em multimercados com mais agilidade para se mover de um lado ou outro.
Com um cenário externo mais benigno, Fabricio Taschetto, sócio-fundador da ACE Capital, acha que o Brasil tem condições de desatar o nó fiscal de forma relativamente fácil. “O problema é que o presidente [Jair Bolsonaro] não tem dado sinais tão bons assim”, diz. Mesmo com dúvidas sobre a extensão do auxílio emergencial, ele acredita que o teto de gastos será respeitado. Isso abriria uma frente de ganhos com juros, o real e a bolsa.
Por ora, o gestor prefere ações no exterior, já que há uma avenida para a retomada do crescimento global. Num horizonte de três a quatro meses, é no câmbio que ele vê boas perspectivas de ganhos, com valorização do real, mas há alguns problemas pela frente a serem superados antes de embarcar nessa tendência. Ele cita a extensão ou não do auxílio emergencial e o fluxo dos bancos para redução de “overhedge”. Parte dessa demanda já vem sendo executada pelas instituições e, se necessário, o BC pode vender moeda para não gerar estresse com saída de recursos na virada do ano, pondera.
Em títulos públicos, o posicionamento é considerado mais perigoso por Taschetto. “As Bs [NTN-B] longas têm muito valor, mas há o risco de não cumprimento do teto.” Na bolsa local, as preferências da ACE estão em companhias alavancadas, que possam se beneficiar de uma retomada cíclica da economia. “Mês a mês, os dados de atividade vêm surpreendendo.”
Um contexto macroeconômico em melhoria tem provocado otimismo em relação à história do Brasil, segundo análise de Esteban Polidura, diretor de soluções e produtos do Julius Baer para as Américas. Conforme descreve, o consenso de analistas prevê que o PIB tenha uma queda de 5% neste ano, mas já aponta crescimento acima de 4% em 2021. Apesar das perspectivas fiscais desafiadoras, a avaliação é que o mercado brasileiro pode continuar se beneficiando da mudança tática dos investidores.
Entre as principais sugestões do especialista é sempre manter a calma. “Aqueles que venderam suas ações no início do processo e nunca voltaram ao mercado de ações perderam mais de 60% em retorno potencial”, diz. Ele acrescenta que manter muito dinheiro em caixa significa perder dinheiro na maioria das moedas, considerando inflação e impostos.
Fonte: Valor Investe