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Imóveis no exterior são os novos alvos dos investidores brasileiros

Quarta, 25 Novembro 2020

Depois de explorar o mercado de fundos imobiliários local, que viu o número de investidores chegar à marca de 1 milhão de pessoas físicas na B3 (considerando os portfólios listados) neste ano, o brasileiro agora descobre outras geografias. Gestoras de recursos especializadas no segmento de “real estate” e escritórios de fortunas têm reforçado equipes e pensado em estruturas para atender a demanda de quem busca diversificação em moeda forte e gosta de compor o patrimônio com um mix de ativos reais e financeiros.

Moradias multifamiliares, centros de serviços médicos, hospitalidade e até imóveis comerciais entram no rol de alternativas fora do Brasil, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. São projetos que, dependendo do estágio, podem proporcionar retornos na casa dos dois dígitos, sem correlação com ativos líquidos tradicionais. Mas é preciso ter gente especializada nessa garimpagem porque os riscos podem ser proporcionalmente altos, especialmente na classe de ilíquidos.

A Leste Real Estate, braço de investimentos alternativos do Grupo Leste, do ex-BTG Pactual Emmanuel Hermann, aumentou o time em Miami de 8 para 20 pessoas, em plena pandemia. Por meio de fundos ou carteiras administradas, a casa já investiu em 26 projetos e saiu de seis deles, tendo participado de negócios com US$ 3,36 bilhões do total de ativos. Os retornos realizados foram entre 16,2% e 30,7%.

A gestora olha para desenvolvedores ou imóveis que não façam parte ainda do universo de ativos listados dos “real estate investment trust (REITs, na sigla em inglês), os fundos imobiliários americanos, mas que numa segunda fase, quando agregados, podem ser. “A gente faz parte da cadeia de geração de valor da indústria, participa antes que migrem para as carteiras REITs, esses são os nossos compradores”, diz Hermann.

Enquanto os fundos preferem investimentos grandes, na casa dos bilhões de dólares, a gestora vai atrás de empreendimentos que demandem menos capital, não padronizados, e que depois podem ser empacotados. Dessa forma, mira não só a renda dos futuros aluguéis como também ganhos de capital. Como parte do investimento é feito via dívida, essa é outra forma de amplificar os retornos.

Nos EUA, Hermann explica que, diferentemente do Brasil, o normal é os gestores colocarem dinheiro junto com outros investidores. É baseado na cultura da mobilidade do americano que tem investido, por exemplo, em moradias multifamiliares — complexos de apartamentos ou casas em que há uma gestão centralizada de serviços e segurança, com as unidades todas destinadas à locação.

O primeiro veículo, entre aportes e desinvestimentos, durou 2,5 anos e envolveu a compra de um terreno onde foram construídos 13 prédios, com 366 apartamentos. Quando ficaram prontos foram vendidos para um dos maiores fundos de pensão americanos, com 92% das unidades locadas e um “cap rate” (a taxa de retorno que uma propriedade proporciona como renda) de 4,75% ao ano, cita Stephan de Sabrit, sócio responsável pela unidade de real estate e crédito da Leste.

O segundo fundo, criado para comprar grandes propriedades hoteleiras malgeridas ou que precisavam de reforma, veio, porém, num momento de piora para o turismo de negócios e de lazer e a tese vai levar mais tempo para se provar.

O terceiro investimento se baseia na história de envelhecimento da população. Nos EUA é comum fazer cirurgias em centros médicos com internação e alta no mesmo dia, em vez de recorrer a hospitais. O portfólio, com US$ 500 milhões, já está boa parte investido, diz Sabrit.

A gestora de fortunas Brainvest, que desde 2013 investe em habitações multifamiliares nos EUA, tem hoje um portfólio com 12 mil apartamentos alugados, e que se mostraram bastante resilientes durante a pandemia, diz o sócio-fundador Dany Royzman. O executivo acha que o segmento ainda terá boa performance, mas tende a ficar um pouco mais congestionado porque entrou na moda. A casa tem avaliado oportunidades em pequenos centros logísticos, mais próximos dos consumidores no país.

Além dos EUA, a Europa

Fora dos Estados Unidos, a Brainvest começa a desenvolver o conceito de “multifamily” com a gestora inglesa Meg Asset Management na Espanha, um mercado que ainda não existe, num projeto de 500 milhões de euros. O primeiro projeto do gênero em solo europeu foi desenvolvido em Dublin, na Irlanda, um polo de tecnologia e da indústria farmacêutica.

“A sede europeia de algumas grandes empresas é em Dublin, com nomes como Facebook, Linkedin e Google. Elas precisam de mão de obra jovem que queira morar lá, mas o mercado imobiliário não tem investimentos desde 2008 porque a crise devastou a Irlanda e os bancos quebraram”, diz Royzman.

Ele cita que países anglo-saxões costumam ter moradias multifamiliares, mas nos predominantemente católicos, como Irlanda, Espanha, Portugal e Itália, prevalece a cultura de ser dono do imóvel, tal como no Brasil. Com o perfil mais nômade dos “millennials”, esse é um segmento que pode prosperar na Europa. Enquanto nos EUA, a Brainvest já compra as unidades prontas, nessas novas localidades é preciso incorporar, construir o prédio e alugar depois.

Outro portfólio que também trouxe bons frutos é o de hospitalidade, fora da hotelaria tradicional. A Brainvest comprou 25% do Ultima Collection, que reúne propriedades de altíssimo luxo em diversas regiões para famílias que buscam o conforto de um hotel cinco estrelas com todo tipo de amenidade — de piscina privativa e SPA a passeios de lancha e traslado de helicóptero —, mas com a privacidade de uma habitação privada. Um dos destinos está na parcela privada da Ilha de Cannes, onde já se hospedou o rei Luís XIII.

“Com a pandemia, muitos bilionários usaram como uma espécie de ‘gateway’, alugaram por três meses, com toda segurança e sem dividir nada com ninguém”, diz Royzman. O gestor cita que o investimento foi feito há dois anos e que está colhendo os resultados agora. Os retornos têm sido da ordem de 25% ao ano. Em geral, a Brainvest busca rentabilidade que parte de 15% ao ano nos ativos que recomenda.

No conjunto, a gestora tem cerca de US$ 400 milhões investidos, sem contar os novos empreendimentos. Normalmente, começa com uma estrutura de private equity e depois faz a listagem em bolsa, a exemplo do projeto de residências multifamiliares nos EUA, negociado na bolsa de Zurique desde 2016. O Ultima Collection, operação feita com outros investidores, também já tem negociação no secundário.

“Se não vende para um investidor estratégico, a melhor saída é a listagem em bolsa. A gente sempre preza isso na hora que entra, qual vai ser a forma de saída independentemente das condições do mercado, porque daí a decisão de ficar ou sair é do cliente, não do gestor.”

A Urca Capital Partners é outra casa que tem identificado oportunidades lá fora. Estuda como viabilizar um veículo local para os brasileiros investirem em ativos imobiliários comerciais nos EUA. Segundo o sócio-fundador Leonardo Nascimento, uma das ideias é estruturar um multimercado global, com 100% dos ativos no exterior, que compre títulos de dívida das empresas que investirão nos projetos-alvo. A remuneração de receita financeira oriunda da taxa de juros dos papéis é que vai refletir o cap rate dos imóveis investidos.

A ideia é fazer um fundo fechado, que possa ser listado na B3, com uma captação a partir de US$ 20 milhões. De acordo com Nascimento, investir em propriedades comerciais, que podem proporcionar um cap rate entre 6% e 6,5%, tem se mostrado opção interessante. São imóveis “AAA”, com inquilinos como Walgreens, CVS ou Outback, o tipo de varejo que sofreu menos com a paralisação das atividades. “São empresas que já têm um contrato [de locação] de longo prazo, a gente não compra imóvel sem contrato”, afirma.

Adriano Cantreva, sócio da gestora de fortunas Portofino, diz gostar do segmento de moradias multifamiliares e também daqueles com usos diferentes do espaço. Estacionamentos em shopping ou galpões antes ocupados por grandes redes de varejo vêm sendo transformados, por exemplo, em “cloud kitchens”, um pool de cozinhas para alugar por restaurantes que fornecem alimentação por delivery ou retirada. Clínicas de saúde para fisioterapia ou outros serviços médicos, infraestrutura para centro de dados são outra tendência para buscar renda.

Rodadas de investimentos privadas, fundos ou ativos listados em bolsa compõem a exposição que a gestora faz no setor. Cantreva diz que o objetivo é buscar retornos na casa de 20% ao ano para prazos de até 36 meses entre investimentos e desinvestimentos.

 

Fonte: Valor Investe