Notícias

A segunda década perdida

Terça, 17 Novembro 2020

Uma das formas de medir o crescimento de um país é olhar o crescimento de seu PIB per capita: tudo que é produzido no país em um ano dividido pela população daquele ano.

Vários outros indicadores — como expectativa de vida, mortalidade infantil, acesso a melhores condições de saúde, educação — estão mais ou menos correlacionados com o comportamento do PIB per capita. É por isso que os economistas olham para este indicador para acompanhar o crescimento dos países ao longo de anos e décadas.

Entre 1950 e 2007, EUA e Inglaterra tiveram crescimento do PIB per capita por volta de 2,3% ao ano, um ritmo que lhes permitiu dobrar seu PIB per capita em menos de 30 anos.

No pós-guerra, nenhum deles teve “milagres econômicos” como o Brasil dos anos 70, quando o nosso PIB per capita cresceu 78,9% na década ou 6% ao ano.

Mas o grande segredo da riqueza foi simples: crescimento consistente durante décadas, quase sem interrupções.

Infelizmente, no final deste ano, o Brasil completará sua segunda década perdida nos últimos 40 anos.

Mesmo que não tivesse ocorrido a crise da covid-19 e o Brasil crescesse 2,5% este ano, terminaríamos a década atual com um crescimento do PIB per capita de apenas 1%. (Não estou falando de 1% "ao ano", e sim na década inteira.)

Nossa volatilidade política, nossos planos econômicos heterodoxos, nossa incapacidade de fazer reformas sobre as quais já deveriam haver amplo consenso — tudo isso tem um custo.

A conta chega devagarzinho, aparentemente imperceptível, mas 10, 20 anos depois, o estrago é enorme.

Com a projeção esperada de queda do PIB de 4,8% este ano (queda do PIB per capita de 5,5%), devemos fechar esta década com uma queda do PIB per capita de 6,5%, maior do que a queda observada na década de 80 (4%), que ficou conhecida como "a década perdida" do Brasil.

Do início dos anos 80 até o final de 2020, ou seja, nos últimos 40 anos, nosso PIB per capita (com estas duas décadas perdidas) terá crescido apenas 0,6% ao ano. Se mantivermos este ritmo, levaremos 116 anos para dobrar nosso PIB per capita — mais de um século para nos aproximarmos do PIB per capita de Portugal de alguns anos atrás.

Nosso grande desafio é elevar o padrão de vida de nossa população — dobrando nosso PIB per capita não em 100 anos, mas nos próximos 25-30 anos, ou seja, até 2050.

Para que isso aconteça, teremos que crescer nosso PIB em mais de 3% ao ano nos próximos 30 anos, o que seria equivalente a um crescimento do PIB per capita acima de 2% ao ano por três décadas!

Parece fácil, mas não é.

Nos próximos 30 anos, a taxa de crescimento da população brasileira será cada vez menor e, a partir de 2047, segundo o IBGE, a população do Brasil começará a contrair ano após ano — algo jamais visto por nossa geração ou pelos nossos pais e avós.

Crescimento menor da população significa crescimento menor da força de trabalho, o que reduz o crescimento da economia.

Além disso, a redução na taxa de crescimento da população será acompanhada pelo rápido envelhecimento da população nos próximos 30 anos. Em 2020, de acordo com o IBGE, temos 20,8 milhões de pessoas (9,8% da população) com mais de 65 anos de idade. Em 2050, esse número será de 50,9 milhões de pessoas (22% da população). Este processo de envelhecimento muito rápido também dificulta o crescimento do Brasil.

Para contrabalançar o efeito adverso na economia do menor crescimento e envelhecimento da população, será necessário um aumento consistente da produtividade, algo que não conseguimos nos últimos 40 anos.

Maior produtividade exige um maior integração com o resto do mundo, melhorar a qualidade do sistema educacional, simplificar nosso sistema tributário, melhorar o ambiente de negócios e persistir no equilíbrio macroeconômico. É uma agenda de reformas longa, muitas das quais, complementares.

Não adiantará muito melhorar o ambiente de negócios se falharmos na melhoria da qualidade da educação nos próximos cinco ou seis anos, pois o trabalhador que chegará ao mercado de trabalho daqui a 20 anos nascerá e entrará nas nossas escolas ao longo dos próximos anos.

Por fim, além das reformas citadas acima, ao longo dos próximos anos teremos que melhorar nosso sistema de saúde, que será cada vez mais pressionado pelo envelhecimento da população, melhorar a distribuição de renda, pois ainda somos um dos países mais desiguais do mundo, e ainda teremos que lidar com mais uma década de ajuste fiscal, o que poderá, a depender das nossas escolhas, levar a um novo aumento — e não redução — da carga tributária.

Temos um imenso desafio à frente e pouca margem de erro. Não podemos repetir os erros dos últimos 40 anos que nos levaram a duas décadas perdidas (1981-90 e 2011-20).

O mais importante não é discutir o crescimento do Brasil nos próximos dois ou três anos, mas sim avançar — sem a hesitação habitual — na agenda de reformas estruturais.

Estamos dispostos a encarar o desafio?

 

Fonte: Brazil Journal - Mansueto Almeida