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'Ações da aglomeração' x 'ações do confinamento': a virada de jogo na bolsa com a vacina

Quarta, 11 Novembro 2020

Parece que o jogo virou não é mesmo? Esse seria o sentimento das ações (se elas fossem pessoas, me deem essa licença poética) dos setores de aviação, turismo, entretenimento, shoppings e outras ligadas à aglomeração de pessoas.

Conforme o número de contaminados por covid-19 escalava no mundo e as restrições de circulação aumentavam, mais profundo era o movimento de queda das ações desses setores, enquanto aquelas ligadas ao varejo on-line, tecnologia, entre outras, voavam.

Levantamento realizado por Marcelo d'Agosto, consultor financeiro e colunista do Valor Investe, mostra que a "carteira de ações da aglomeração" derreteu 53% no primeiro trimestre, enquanto o tombo do Ibovespa foi de 36,9%.

Mas, afinal, quem está nessa "carteira da aglomeração"? Empresas de vestuário, mais focadas nas vendas em lojas de rua e shoppings, como Hering e Renner, administradoras de shoppings (Multiplan, Iguatemi, BR Malls e Aliansce Sonae), companhias aéreas e de turismo (Azul, Gol e CVC), concessionárias de rodovias (Ecorodovias e CCR), a educacional Cogna, a T4F, de entretenimento, e a Ambev, de bebidas. Todas as ações foram consideradas com peso igual na carteira.

Com a flexibilização das regras de distanciamento social no Brasil e as boas notícias com relação ao desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, esse movimento já começa a se inverter e a "carteira da aglomeração" já acumula alta de 13,1% no quarto trimestre contra 9,4% do Ibovespa, até 9 de novembro.

No ano, o principal índice da bolsa brasileira acumula queda de 10,5% e as "ações da aglomeração" despencam 36,2%.

'Com a notícia da vacina da Pfizer e o crescimento da esperança pelo fim da pandemia, pelo fim dos 'lockdowns' e pela volta à normalidade, começamos a ver um movimento de rotação de setores no mercado", afirma João Vitor Freitas, analista da Toro Investimentos.

O estrategista da Genial Investimentos, Filipe Villegas, explica que o mercado começa a montar suas posições buscando antecipar os acontecimentos em um horizonte de 6 a 12 meses, pelo menos quando o assunto é investimento de médio a longo prazo. "O mercado não espera o fato se concretizar", diz. É o popular "sobe no boato e cai no fato".

Assim, o movimento de alta nas "ações de aglomeração" mira expectativas sobre o que deve se sair bem nos negócios no primeiro semestre de 2021. Essa valorização já foi observada em outros momentos do ano em meio a notícias positivas sobre estudos de medicamentos e vacina contra a covid-19, mas foi na segunda-feira (9) que os mercados transbordaram otimismo com uma informação, ainda embalados pela definição da eleição americana.

A farmacêutica Pfizer anunciou na segunda cedinho que os primeiros resultados do ensaio de sua vacina contra o novo coronavírus, em parceria com a BioNTech, foram considerados "impressionantes" e mostrou eficácia de mais de 90% nos testes em voluntários.

João Vitor Freitas, analista da Toro Investimentos, explica que é um movimento natural os investidores realizarem lucros nas empresas que subiram muito durante a pandemia e começarem a se posicionar para reabertura das economias e em ações de "empresas de valor que estavam esquecidas".

"Enquanto durante a maior parte do ano as empresas do 'fique em casa' performaram muito bem, agora, com a expectativa pela vacina, o mercado já começa a trocar seus investimentos para montar posições de reabertura das economias", diz Freitas.

Para José Falcão, especialista em renda variável da Easynvest, contudo, é preciso cautela para entender se essa rotação vem de grandes investidores, como fundos e investidores institucionais, ou é mais especulativo e de curto prazo.

"Não tem certo ou errado [no mercado], mas a minha impressão é que é muito mais um efeito manada para pegar essa recuperação e a minha visão é de que alguns setores não tem essa sustentabilidade [de preços]", diz Falcão.

Fogo de palha ou movimento duradouro?

As ações da CVC, Cogna, Azul, BR Malls e Hering são 5 dos 10 ativos com os piores desempenhos do Ibovespa no ano, até 9 de novembro. Assim, Marcelo d'Agosto também vê como natural e esperada a valorização desses papéis ao menor sinal do que chamam de "novo normal". Contudo, se isso vai resultar em bons números operacionais que sustentem o preço daqui em diante é outra história.

"Essas empresas sofreram, a cotação das ações caiu muito e a tendência é que voltem a faturar e a vender. Se ela é um bom investimento, se vai voltar a ter lucro, ninguém sabe direito", diz d'Agosto.

Para Filipe Villegas, da Genial, haverá uma "linha tênue" entre o que já vai estar embutido nos preços das ações e o que as empresas realmente entregarão em seus balanços do primeiro semestre do ano que vem.

Para as varejistas de vestuário, que ficaram para trás em 2020 e estão na "carteira da aglomeração", Villegas pontua que o ponto de preocupação é o fim do auxílio emergencial e a consequente queda da renda da população, em meio a um desemprego crescente.

"Isso vai ter impacto em empresas do setor de varejo. As empresas que têm atuação mais no segmento premium, no público A/B, e menos dependentes do auxílio podem se sair melhor", diz. Entre as administradoras de shoppings da "carteira da aglomeração", Iguatemi é mais voltado para a classe A, Multiplan para a classe B e BR Malls para a classe C.

"Setor de shoppings é mais resiliente e há uma tendência de que essas empresas se valorizem", diz Falcão, da Easynvest.

Já as companhias aéreas e de turismo são as empresas que devem demorar a desligar o sinal de alerta. Enquanto as varejistas e shoppings tiveram um choque de demanda com a pandemia que tem se dissipado, as aéreas passam por um "choque transformacional", segundo Villegas.

"Setor aéreo e de entretenimento são mais frágeis, as empresas são menos capitalizadas e os negócios são mais complexos, podem demorar a sair da crise", afirma Falcão.

Para Villegas, a demanda pelo setor aéreo não deve voltar tão cedo ao patamar pré-pandemia. "As pessoas descobriram alternativas para fazer reuniões, por exemplo. A pandemia quebrou paradigmas", destaca o estrategista sobre o impacto nas viagens corporativas. Ele ainda reforça a necessidade de reestruturação que essas empresas precisarão enfrentar.

"Tem todo um processo de reorganização da companhia (as aéreas, no caso), de pagar dividas, de recontratar as pessoas, é um processo longo ainda", ressalta d'Agosto.

No curto prazo, Arthur Sousa, assessor de investimentos da Aplix, a valorização de ações dos setores que foram mais prejudicados durante a pandemia devem dar o tom dos mercados. "É algo que tende a continuar", diz.

No longo prazo, o "oba oba" de rotação de carteiras e a recuperação do "tempo perdido" se consolidará nos preços se as empresas apresentarem os bons resultados operacionais - e lucro, claro - que o mercado financeiro vem projetando.

"Saindo a vacina, o mercado como um todo tende a se beneficiar, todos os setores vão desempenhar bem. Depois é pé no chão e observar os números frios”, diz Falcão.

 

Fonte: Valor Investe