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Setor financeiro perde espaço no Ibovespa e deixa lacuna para varejo e saúde

Sexta, 06 Novembro 2020

As ações do setor financeiro perderam participação no Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, no último ano. Composto majoritariamente por bancos, mas incluindo também seguradoras e a própria B3 (empresa "dona" da bolsa), esse segmento detinha uma parcela de 32,2% do Ibovespa no último trimestre do ano passado. Agora, esse espaço foi reduzido para 24,2%.

Apesar da queda na participação, o setor ainda abocanha um pedaço importante do índice: o equivalente a uma a cada quatro ações no Ibovespa pertencem ao mundo financeiro.

A lacuna deixada pelo setor financeiro foi preenchida por ações do comércio varejista e novidades no índice, como empresas de educação, de serviços médicos e farmácias.

"É um movimento natural que o índice abra espaço para novos setores. Precisamos buscar essa pulverização porque isso vai mostrar que a nossa bolsa está amadurecendo. Precisamos perseguir isso", diz Luciana Silva, gerente de portfólio do Andbank.

Além de uma esperada e bem-vinda maior pulverização, a abertura de capital de empresas do setor financeiro nas bolsas americanas, ao invés da brasileira, também contribuiu para essa perda de espaço, segundo Jorge Junqueira, sócio-gestor da Gauss Capital.

"XP, Stone e PagSeguro estariam compondo o índice agora", avalia Junqueira sobre as companhias que preferiram ter suas ações listadas em Wall Street.

Apesar disso, os bancos continuam mantendo sua importância no Ibovespa e na economia, mas o momento é de transição para novas tecnologias, e os bancos mais tradicionais tendem a ficar alguns passos para trás.

"Talvez o crescimento dos lucros não sejam mais tão óbvios, ainda que os bancos continuem lucrativos. Há muito espaço para que essas instituições cresçam em novas frentes. Os bancos têm capacidade de se reinventar", diz Silva.

Embora a perspectiva siga otimista para os bancos, eles devem ser cada vez mais bons geradores de dividendos e rentáveis do que empresas de crescimento, segundo a gerente do Andbank.

Varejo e saúde

O aumento da presença de empresas de varejo no índice mostra maior aderência do indicador à economia real, mesmo que o Ibovespa ainda esteja muito longe de representar a realidade econômica do país, segundo Luciana Silva.

Os efeitos da pandemia ajudaram as empresas de varejo on-line a crescerem. As gigantes do setor passaram de crescimento de 1% ao ano de participação no mercado para 10% em dois meses, aponta Junqueira. "Foram 10 anos em dois meses e isso é fantástico", afirma o gestor da Gauss.

Mesmo o surgimento de um "pedaço" de farmácias no índice vem na esteira do varejo, aponta Silva. "As farmácias são muito mais do que vendas de remédios e já têm grande margem com produtos de beleza, por exemplo", diz a especialista que vê no futuro das lojas brasileiras o que já acontece nos Estados Unidos, em que as farmácias vendem de vitaminas até peças de roupa.

A covid-19 naturalmente jogou um holofote no setor de saúde, mas Jorge Junqueira destaca que as empresas do segmento começaram a mostrar sua força na bolsa antes da pandemia. Hoje, as farmácias e fabricantes de medicamentos correspondem a 2% do Ibovespa e as prestadoras de serviços médicos representam 4,1% do total. E não deve parar por aí.

Junqueira destaca que as drogarias chamaram atenção com seus IPOs (ofertas públicas iniciais de ações) nos últimos anos e a próxima fronteira é a abertura de capital dos hospitais. A Rede D’Or, maior grupo hospitalar do país, protocolou o prospecto preliminar para realização de seu IPO nas modalidades primária e secundária em 14 de outubro. A estreia na bolsa deve acontecer em dezembro e, segundo o Valor apurou, a oferta primária deve levantar nada menos que algo como R$ 7,5 bilhões e R$ 10 bilhões.

As novidades na bolsa podem, em breve, ajudar a aumentar o espaço da saúde no Ibovespa, mas o índice ainda está longe de ser um S&P 500, índice dos Estados Unidos com as 500 maiores empresas americanas e 14% preenchida pelo setor de saúde. Junqueira lembra, contudo, que boa parte delas desbrava áreas mais avançadas, atuando com biotecnologia e inovação.

Quem vem "correndo por fora" no Ibovespa é o setor de educação, com 1,5% de participação. Ainda pouco, mas uma importante "novidade" no índice e que poderia ser maior caso as educacionais não tivessem seguido as financeiras com a abertura de capital no exterior. Empresas como Vasta, Arco e Afya optaram por negociar suas ações nos Estados Unidos e deixaram de encorpar o setor na bolsa brasileira.

Alta concentração - ainda

No início da década de 1970, as ações de Itaú e Bradesco já faziam parte do índice e ajudavam a engrossar o segmento de serviços financeiros, que representava 10,5% na época, mas foi em 2010 que o setor cavou mais espaço e chegou a 17% do Ibovespa, atrás apenas de mineração e siderurgia (24,4%).

Embora tenha perdido 7,8 pontos percentuais em participação do fim de 2019 para cá, os bancos e outras empresas financeiras continuam no topo do ranking de setor mais relevante do Ibovespa. O Itaú detém a segunda maior participação no índice atual (6,38%%), perdendo apenas para a Vale (10,46%).

"Ainda é um índice muito concentrado, mas já vimos alguma evolução nesse sentido. O que esperamos é que cada vez mais empresas venham para o mercado e ele seja mais diversificado e pulverizado", diz Luciana Silva.

Para Junqueira, a pulverização do Ibovespa nos últimos anos deixa o índice um pouco mais próximo da realidade da economia real, mas segue longe de ser uma referência para os investidores. "O setor financeiro é muito relevante e ainda em bancos tradicionais, o que tem sido um detrator de performance", explica o gestor.

 

Fonte: Valor Investe