Notícias

Gestão de recursos vive fase de ouro e disputa por profissionais

Terça, 03 Novembro 2020

Com a percepção de que o Brasil conseguirá rodar a economia com taxas de juros baixas e experimentará um movimento de sofisticação do mercado de capitais e de investimentos, o segmento de gestão de recursos vive sua fase de ouro. Mesmo com as sequelas da pandemia de covid-19, uma série de movimentações mostra motores aquecidos, com novas assets e fundos dando a largada, e disputa por profissionais com experiência na área.

Emblemática foi a saída de Rubens Henriques, que era CEO da Itaú Asset Management, para criar uma gestora multiestratégia em sociedade com o BTG Pactual, após 13 anos em um banco apontado como um dos mais alinhados com as assets independentes em termos de remuneração. Outra baixa foi a de Bruno Castro. Ele deixou o posto de superintendente da área de fundos de fundos do Itaú após nove anos de casa para se tornar CEO da XP Asset.

No universo das casas independentes, a Helius Capital, de ex-traders do Credit Suisse e do Bank of America, teve a cota 1 da sua carteira “long biased” na sexta-feira, e hoje será a vez do fundo de ações global da BlueGriffin, de Marcelo Karvelis. A Genoa Capital, de ex-gestores da Itaú Asset, estreou em julho e já reúne um patrimônio de R$ 6,7 bilhões. A Legacy Capital, uma das mais bem sucedidas da nova geração, vai colocar em novembro uma versão de previdência do seu multimercado na rua e reforçou a equipe para ganhar capacidade na sua estratégia principal.

Esses são apenas alguns exemplos. Para se ter uma ideia da abrangência de toda essa movimentação, só neste ano, até setembro, a Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos, registrou 80 novas gestoras no Brasil, a partir de um conjunto de 650 no fim de 2019. Outras 28 fecharam as portas.

É um movimento que acompanha a captação dos portfólios mais sofisticados. Só neste ano, até setembro, os multimercados e os fundos de ações levantaram R$ 83,1 bilhões e R$ 66,1 bilhões, respectivamente, de um total de R$ 196,1 bilhões do setor.

Uma das assets que nasceram em plena pandemia, a BlueGriffin marcou a volta de Karvelis para um projeto no Brasil. Mais de 20 anos atrás, o executivo esteve no grupo que fundou a Claritas, uma das primeiras gestoras independentes do país, vendida mais tarde para o americano Principal Group — em 2012, com a negociação de uma participação de 60% e, em 2016, com a compra da fatia remanescente.

Nos últimos três anos, até março, Karvelis esteve no conselho do Selleto Value Global Fund, nos Estados Unidos, e antes se dedicou a um veículo de investimentos proprietário com foco em venture capital. Agora, vai dividir seu tempo na ponte aérea Miami-São Paulo.

A equipe da asset tem cinco pessoas, entre elas o advogado Luís Felipe Carvalho Pinto. O último a embarcar no projeto, como sócio sênior, é Flavio Castanheira Jr., vindo da mesma Claritas, onde era, desde 2012, o diretor que cuidava de distribuição internacional e de projetos especiais — antes disse foi diretor de vendas da Principal International.

O fundo de ações da casa começa a rodar hoje, em pleno processo eleitoral nos EUA. Vai investir em ações estrangeiras listadas na bolsa americana, numa carteira composta por cinco “books”: das gigantes na nova economia do grupo chamado de “FANMAG” — Facebook, Apple, Netflix, Microsoft, Amazon e Google — e dos setores defensivos, cíclicos, e saúde e tecnologia, além de uma parcela mais tática que pode incluir "hedge" (proteção).

“A gente testou o modelo umas 50 mil vezes, em todas as situações, e está bem robusto. Independentemente da volatilidade, deve ser um produto interessante”, diz Karvelis. Com aplicação mínima de R$ 20 mil, a carteira inicial terá cerca de 70 ações, incluindo tecnologia associada à pesquisa médica e ao desenvolvimento de novas drogas e vacinas, e companhias menores de tecnologia, a exemplo do setor de software e de games. No bloco das grandes, ele incluiu Disney pela vertical de conteúdo.

Outra asset que acabou de debutar é a Helius Capital, liderada por William Leite. Ele foi analista de ações do fundo Verde na antiga Hedging-Griffo, passou pela SPX, pela tesouraria do Credit Suisse e até janeiro tocava as estratégias de ações da Garde. A ele se juntaram Eduardo Rebouças e Bernado Ferri, também vindos da Garde, Bruno Stuani, que até setembro era diretor do Bank of America, e Kaique Vasconcellos, que veio do time de pesquisa do Safra.

A gestora nasce com um multimercado long biased (com classificação tributária de ações) na plataforma do BTG Pactual e está em negociação para entrar em outros distribuidores como XP, Órama, Genial, Guide e Ativa.

“Com a taxa de juros baixa, estamos vivendo um cenário em que principalmente a bolsa tende a ser um ativo que vai performar bem. Por nossa experiência em tesouraria e em hedge funds, o long biased acaba tendo uma característica defensiva”, diz Leite. “É uma carteira estruturalmente comprada em bolsa, mas na hora que enxerga alguns riscos pela frente rapidamente consegue reduzir a exposição e proteger o cliente dos grandes eventos do mercado.”

O gestor acrescenta que o portfólio carrega uma estrutura de hedge e que também vai arbitrar eventos corporativos, tentando capturar prêmios em fusões e aquisições de empresas listadas, por exemplo. Embora reconheça um cenário incerto pela frente, por conta do quadro fiscal, Leite acha que muito da piora econômica já está no preço de câmbio e nas ações. Ele vê, porém, sinais de atividade muito forte em alguns setores, como siderurgia e construção civil.

Já a Legacy, com um patrimônio de cerca de R$ 17 bilhões construído em pouco mais de dois anos, aproveitou a “travessia no deserto” durante a crise para agregar novas competências ao seu fundo multimercado com estratégia macro, conta Felipe Guerra, sócio-fundador da asset. A gestora, formada inicialmente por ex-executivos do Santander e da Gap Asset, entrou na pandemia com 30 pessoas e agora são 45 profissionais.

Entre as principais contratações, Patrick Pereira, ex-Neo e Verde, chegou em abril para tocar a área de ações local. Roberto Prado, que era economista do Itaú BBA, reforçou o time macro no mesmo mês. Em agosto, chegaram o ex-Credit Suisse Leonardo Ono, responsável por crédito privado, e Ricardo Kazan, vindo da Novus, para estratégias ligadas a commodities, cobrindo ativos como ouro, petróleo e cobre.

“O patrimônio aumentou 50% e a gente está crescendo o ‘capacity’ também, se especializando mais em termos geográficos e de ativos, para aumentar a volumetria”, diz Guerra. Todas as mesas alimentam o mesmo fundo, o multimercado macro, que neste ano acumula retorno de 6,7%.

Agora uma versão de previdência vai chegar ao mercado, em parcerias com as seguradoras do Itaú, XP, Bradesco, Icatu, Santander, Safra e Porto Seguro. A ideia é diversificar o passivo, diz o executivo-chefe de operações da Legacy, José Eduardo Araujo. “Com juros mais baixos, faz muito sentido o veículo de previdência, a gente vê muito cliente de familly office e de private banking se aproximando desse universo por causa do benefício fiscal. Esse deve ser um produto ‘core’ na empresa, e não um subproduto.”

 

Fonte: Valor Investe