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Dólar, bolsa e ouro lideram ganhos em mês de alta tensão

Sexta, 30 Outubro 2020

Em meio a muito vaivém, o Ibovespa caminha para fechar outubro com sinal positivo. Dólar e ouro galgaram mais alguns degraus, enquanto na renda fixa alguns títulos do Tesouro estavam no vermelho. Ao que tudo indica, não vai ser fácil atravessar a arrebentação nos dois meses que restam para encerrar 2020.

Com ruídos sobre os rumos da política fiscal no Brasil, após os gastos emergenciais para famílias e empresas na pandemia, a segunda onda de covid-19 na Europa e as eleições nos Estados Unidos são o combustível que deve pautar o humor dos mercados no curto prazo. Nas alocações para essa fase de mar revolto há escolhas seletivas em bolsa, em títulos de dívida corporativa e bancários, e até em papéis do governo, desde que o risco seja medido. A receita da diversificação não sai do radar.

Nessa gangorra de preços, o Ibovespa, que chegou à marca dos 101.918 pontos, fechou ontem a 96.582 pontos, com alta mensal acumulada de 2,09% a um dia do encerramento de outubro. Ouro e dólar, considerados ativos de proteção, subiam 2,08% e 2,63%, respectivamente. O índice de renda fixa do mercado (IRF-M) tinha queda de 0,23%. O Tesouro Prefixado com vencimento em 2023 recuava 0,72%, enquanto o Tesouro IPCA 2045 perdia 1,44%. O Tesouro Selic com resgate em 2025 cedia 0,04%.

“O investidor começa a se preocupar mais com entrega do que com promessas, quer ver sinais de recuperação da economia e reformas”, resume Erick Scott Hood, chefe da área de produtos da Guide Investimentos.

Nesse ambiente cheio de incertezas, o investidor voltou a privilegiar liquidez, segundo Luiz Gustavo Pereira, chefe da divisão de mercado de capitais da Guide. “Ele quer ter o dinheiro na mão ou investir no curto prazo até que o cenário em termos macro e microeconômico esteja mais claro”, afirma. “Essa questão da liquidez tem impedido uma melhora mais estrutural dos ativos de risco.” Mesmo na bolsa, diz, a preferência tem sido por ações que sejam fáceis de vender e virar caixa.

Depois de o estrangeiro sacar muito dinheiro da bolsa local nos últimos anos, era o investidor brasileiro que vinha dando suporte para as ações. Mas, agora, esse capital perdeu fôlego, acrescenta Pereira. “Se não mudar o humor, vai ser difícil ver a retomada de alguma euforia. Não dá para colocar na conta que o Ibovespa vai a 150 mil ou 200 mil pontos”, ressalta.

Com a situação fiscal fragilizada e uma relativa recuperação das ações após o baque do começo da pandemia, há poucas oportunidades claras na bolsa, diz Luis Sales, estrategista-chefe da Guide. Ele espera que o Ibovespa transite numa banda mais curta, não abaixo dos 93 mil pontos, mas também não muito além dos 105 mil pontos. “O investidor está esperando algo novo, um avanço mais expressivo da pauta de reformas ou um crescimento econômico mais robusto.”

As eleições municipais em novembro adicionam inércia na relação do Planalto com o Legislativo. “O governo não consegue se alinhar com o Congresso, no segundo semestre não houve nenhum avanço concreto na pauta econômica. A dificuldade de rolar a dívida pública e os juros futuros pressionados mostram a dificuldade de o Brasil segurar a taxa, limitando o potencial de alta da bolsa e também impactando o dólar”, diz Sales.

Nas suas recomendações em bolsa, a preferência tem sido por companhias sólidas, com diferenciais competitivos e que dependam menos da retomada econômica, como aquelas ligadas ao comércio eletrônico ou à tecnologia.

O gringo deu as caras, mas...

Ao longo de outubro, mesmo com o aumento da volatilidade, houve entrada de capital externo na renda variável pela primeira vez depois de um longo período de seca. Até o dia 27, as compras superavam as vendas em R$ 2,6 bilhões. No ano, as saídas somavam R$ 85,2 bilhões. Com o câmbio desvalorizado, o estrangeiro voltou também a comprar títulos públicos.

“O investidor está gostando mais de Brasil. Por conta do preço, começa a ver valor, mas se o governo não fizer o ajuste fiscal — e isso significa a manutenção do teto de gastos —, mesmo com os preços atrativos o mercado não vai performar bem”, diz André Raduan, sócio e gestor da Genoa Capital.

O cenário-base da gestora é que, mesmo que o auxílio emergencial seja extrapolado para o início de 2021, os recursos venham da rubrica “restos a pagar”, com o arcabouço fiscal relativamente de pé. Isso possibilitaria ao Banco Central (BC) manter a Selic em 2% ao ano. Mesmo com o repique inflacionário recente, Raduan acredita ser um fenômeno transitório.

Com o desemprego na casa dos 15%, a leitura é que dificilmente o país experimentará um quadro de inflação persistente. As projeções da casa são que o IPCA feche 2020 entre 3,10% e 3,20%, cedendo no primeiro trimestre de 2021.

A maior parte dos recursos da Genoa está em renda variável e nos prefixados mais curtos. Como "hedge" (proteção), o fundo macro da casa tem posições em dólar. “Espero que o BC atue, mas tem a questão do ‘overhedge’ e até o fim do ano há pouca chance de apreciação significativa do real”, diz Raduan. Na quarta-feira, dia de estresse generalizado por conta de uma segunda onda da covid-19 na Europa, a autoridade monetária vendeu pouco mais de US$ 1bilhão.

Na bolsa, a gestora tem buscado casos que tenham relação com uma aceleração do PIB — as estimativas são de um crescimento de 4% a 4,5% no ano que vem. Os segmentos de ‘tradeables’ (bens negociados no exterior), de materiais básicos, como Vale, além do consumo tradicional e o ligado ao comércio eletrônico estão entre os ativos que compõem a carteira.

A manutenção da Selic baixa e dos juros reais negativos também favorece a tese do “financial deepening” — a sofisticação dos mercados financeiros e de capitais. Segundo Raduan, isso dá condições para o aumento gradual da alavancagem de empresas e famílias, desde que o fiscal seja sustentável. No setor financeiro, a Genoa tem feito apostas relativas, comprando novatas de tecnologia financeira, com o Ibovespa, que tem grande peso no setor bancário tradicional, na ponta oposta, a de venda.

Raduan diz também ver oportunidade em estratégias ligadas a juros reais, já que a inflação implícita em alguns papéis subiu bastante. A preferência é por vencimentos mais curtos, entre 2023 e 2025, em posições mais táticas, por considerar a alta de preços passageira.

O gestor considera que a disfunção observada no mercado de títulos públicos ao longo do mês foi endereçada por Banco Central e Tesouro. O vencimento de compromissadas, que não serão roladas pelo BC, começa a levar recursos para as Letras Financeiras do Tesouro (LFT ou Tesouro Selic) e pode reduzir o deságio dos papéis.

A boa e velha renda fixa

Na renda fixa, mesmo com o cenário mais adverso, não dá para fugir desse tipo de alocação, afirma Hood, da Guide. Ele lembra que a recente desvalorização das LFTs assustou o investidor, mas os títulos continuam válidos como opção de liquidez. O especialista segue, contudo, animado com papéis de dívida privada, com debêntures e certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRI e CRA) com taxas atrativas. “Às vezes, tem papel pagando IPCA mais 4,5%, CDI mais 3,5%, é um carrego importante.”

Com o estresse no mercado de títulos públicos, a vida do investidor ficou mais difícil. Segundo a estrategista-chefe da Órama Investimentos, Sandra Blanco, com o aumento da dívida pública, a chance de o teto de gastos ser furado também em 2021 e sem um sinal de reforma à vista, é natural exigir um prêmio que recompense tomada de risco. “Os investidor não está vendo empenho, então se pergunta: ‘como posso financiar o governo com essa taxa’?”

Num momento de tantas incertezas e sem o conforto em títulos pós-fixados, a recomendação da casa é não fazer mudanças bruscas na carteira, mas manter a diversificação feita meses atrás e esperar a tormenta passar.

Na distribuição do portfólio, dependendo do perfil, a renda fixa deve responder por 30% a 60% da alocação, com 10% em bolsa para o perfil moderado e 15% para o arrojado. Fundos imobiliários podem ficar com uma fatia de 15% a 20% e multimercados algo, entre 10% e 20%. No fundo de ouro da instituição, a indicação é manter algo entre 5% e 10%. “Isso tem funcionado bem como um colchão para amortecer a volatilidade.”

Para quem tem recursos novos e não sabe o que fazer com esse dinheiro, Sandra sugere CDBs com liquidez diária. O Tesouro Selic, com o prêmio atual, poderia ser uma alternativa, mas ela diz que nada garante que os títulos não passem por nova desvalorização.

As eleições à presidência nos EUA também podem trazer mais volatilidade. Na análise dos especialistas da Genoa, a tendência é que o candidato democrata, Joe Biden, conquiste a Casa Branca. Tal renovação seria potencialmente favorável para os emergentes pela expectativa que os estímulos se concentrem em infraestrutura.

 

Fonte: Valor Investe