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Cabeça no forno, pé na geladeira: estreantes na bolsa têm desempenhos distintos

Sexta, 16 Outubro 2020

Em ano de recorde de ofertas de ações, com mais de R$ 94 bilhões em captação, o desempenho das empresas recém-chegadas à bolsa ainda é bastante díspar. Entre as 19 companhias que abriram capital em 2020, dez acumulam perdas e as outras nove apresentam desempenho acima ou em linha com o preço definido na oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). O levantamento exclui a operação da Aura Minerals, que já é listada na Bolsa de Toronto e emitiu por aqui recibos de ações (BDRs).

Gestores afirmam que o mercado, em geral, sofreu nos últimos meses com problemas que vão muito além dos fundamentos das empresas, como o risco de novas ondas da covid-19 pelo mundo e a incerteza em torno das questões fiscais no Brasil. Assim, esse ambiente deixa o investidor ainda mais seletivo e levou até algumas empresas a desistirem de listar suas ações na bolsa agora — ao todo, dez empresas cancelaram oficialmente os planos de IPO.

“No início do ano, a onda de IPOs veio com a queda de juros e recursos indo para ações. Já no segundo semestre teve a pandemia e questões sobre o lado fiscal, então o mercado ficou mais retraído. Logo, nossa percepção é que algumas ofertas vieram com preço mais caro e realmente precisaram trazer algo de diferente”, afirma o gestor de portfólio da Western Asset no Brasil, Cesar Mikail.

É justamente aí que histórias diferentes, preço favoráveis e boa gestão se tornam ainda mais importantes na alocação de recursos. Para Mikail, um exemplo de empresa de um setor estreante e resiliente é a rede de petshops Petz, cuja ação sobe 15,3% desde o IPO até o fechamento de ontem.

Outra é a Ambipar, do setor de gestão ambiental, que avança 14% desde a oferta — ambas as companhias apresentam um desempenho bem acima do Ibovespa.

Já a empresa que tem o melhor desempenho entre as estreantes é justamente aquela do carente setor de tecnologia na bolsa. Com ampla distância para os demais estreantes, a Locaweb acumula valorização notória de 291% em relação ao IPO no início do ano, ante queda de 14,28% do Ibovespa no mesmo período. De lá para cá, a ação saltou de R$ 17,25 para R$ 67,43 no fechamento de ontem, em um movimento que captou o rali global das ações de tecnologia.

“Por fazer parte do setor de tecnologia, a companhia possui vantagem competitiva entre as demais na crise atual. Isso porque, com o isolamento social, a única maneira de as pessoas conseguirem se conectar é através da internet. A afirmação é válida também para comerciantes, que tiveram de migrar suas operações para o meio digital”, afirmam os analistas da Guide em relatório recente.

Na lanterninha

Na outra ponta, está a Moura Dubeux, que viu sua ação recuar 40,7% desde a estreia na bolsa, bem acima da queda de 14,14% do Ibovespa no mesmo período. Vale dizer que ela não é a única do setor de incorporação e construção a registrar baixas no ano — pelo contrário, as perdas já são a maioria.

Esse é um dos segmentos que mais tiveram ofertas iniciais de ações e, das seis recém-chegadas na bolsa, quatro perdem terreno: além da Moura Dubeux, destaque para Mitre Realty (-21,8%), Lavvi (-17,89%) e Melnick (-5,3%). Já a Plano & Plano está praticamente estável (1,06%) em relação ao seu IPO e Cury sobe 13,8%.

A Cury se diferencia, segundo o gestor da Western, por possuir um bom histórico de entrega de empreendimentos, velocidade de vendas alta e produtos de qualidade para a baixa renda. Até por isso, a Western participou do IPO. “Além disso, a Cyrela já tinha comprado um pedaço, então já via nos resultados da Cyrela o desempenho da Cury”, explica.

Renato Ometto, gestor de ações da Mauá Capital, afirma que a aglomeração de nomes de um mesmo setor, como em construção e farmácias, acabou prejudicando o desempenho de algumas ações, já que a escolha do investidor passa a ficar mais pulverizada.

Também, com o Ibovespa em queda, o investidor passa a comparar o preço da empresa estreante na bolsa com outra já listada. Em supermercados, por exemplo, compara Grupo Mateus com Pão de Açúcar e Carrefour. “Cada setor teve sua dinâmica e a queda da bolsa não ajuda pela comparação.”

Na temporada de 2020 dos IPOs, a Mauá Capital participou das operações da supermercadista Grupo Mateus, da rede de petshops Petz e da varejista de material de construção Quero-Quero. Segundo Ometto, a escolha ocorreu por serem empresas únicas do setor listadas na bolsa, e pelo fato de estarem localizadas em regiões de bastante crescimento, como o Grupo Mateus, no Maranhão. “A gente busca ficar com nomes no portfólio por um tempo maior, então não entrou em setores que já temos na carteira”, explica o gestor.

Analistas afirmam que as recém-chegadas, de fato, sofreram a concorrência de papéis tradicionais, que também ficaram mais baratos nas últimas semanas. No entanto, o fraco desempenho de parte das estreantes não quer dizer que as teses de investimento deram errado.

“Algumas ofertas saíram caras e depois passaram por uma 'reprecificação'. Mas a janela de tempo é muito curta para se avaliar e o mercado sofreu recentemente com fatores totalmente exógenos às teses micro de investimento. É preciso ter um período maior para avaliar, principalmente em termos fundamentais. Não é um algo para se basear nos resultados de dois meses”, afirma Guilherme Motta, gestor da GAP Asset, que tem dado preferência a ofertas de ações já listadas anteriormente.

Outro exemplo é o da Priner. As ações da empresa de serviços industriais registram baixa de 9% desde o IPO, mas o índice Bovespa caiu 14,3% no mesmo intervalo de comparação.

 

Fonte: Valor Investe