O Brasil precisa enxergar as oportunidades econômicas e deixar de avaliar a preservação ambiental como um problema, afirma o diretor para a América Latina da gestora de investimentos do fundo de pensão canadense CPP, Rodolfo Spielmann. Na visão do gestor, políticas públicas de responsabilidade socioambiental já se tornaram essenciais para acessar carteiras e abrir mercados que giram centenas de bilhões de dólares. E o país começa a ficar para trás nessa corrida pelos recursos globais.
Para a atração de investimentos internacionais, o ESG, sigla em inglês para fatores ambiental, social e de governança, assume importância crescente. E, em algumas instituições estrangeiras, essas questão são mandatórias. É o caso do próprio CPP, que tem US$ 350 bilhões sob gestão. O fundo usa o ESG como critério obrigatório na avaliação de todos os investimentos desde 2018.
No Brasil, apesar da percepção de retrocesso na agenda de proteção ambiental, Spielmann afirma que o CPP sabe enxergar os pontos positivos e negativos do país, uma vez que a entidade já acumula uma história de mais de 20 anos como investidor no mercado local. Tanto que, dos US$ 13,6 bilhões investidos pelo fundo de pensão na América Latina, o Brasil amealhou quase metade ou US$ 5,7 bilhões.
De acordo com o gestor, o fundo tem investimentos no país nas áreas de energia, imobiliária, renda variável, dívida privada e private equity. Um dos projetos do portfólio, um investimento de R$ 2 bilhões, foi feito em parceria com a Votorantim Energia, em dois parques eólicos no Ceará e Piauí. A joint venture também tem participação na Companhia Energética de São Paulo (Cesp).
Spielmann afirma que o CPP vai investir mais R$ 2 bilhões em outros dois parques eólicos no Nordeste já a partir de meados de 2020 e no ano que vem. “Começamos comprando dois parques já funcionando e agora estamos construindo mais dois parques neste e no próximo ano. Serão mais R$ 2 bilhões que vamos investir até o ano que vem.”
Infraestrutura
Grandes projetos de infraestrutura também estão no radar do fundo. “Além do grupo de energia renovável, temos outro de infraestrutura muito relevante no qual avaliamos setores como transmissão de energia, saneamento e transporte, mas com foco maior em rodovias.”
O diretor do CPP Investments acrescenta ainda que o interesse do grupo recai atualmente sobre os leilões e privatizações previstos para ocorrer em 2021. “Tem muita demanda de infraestrutura no Brasil e esse 'pipeline' é muito importante”, acrescenta.
No setor imobiliário, o fundo atua por meio de parcerias com a Cyrella, na área de edifícios de escritórios e lajes comerciais, e com a Alliansce Sonae, no segmento de shoppings. O fundo faz ainda alocações em papéis de companhias listadas e têm um braço específico para negócios de private equity, responsável, por exemplo, pela compra de 12,4% da rede de academias Smart Fit em novembro de 2019 por R$ 1 bilhão.
“Temos ainda uma área da gestora que faz investimento em crédito privado, como debêntures e outros títulos corporativos”, diz Spielmann. O diretor explica que o CPP tem avaliado entrar tanto em emissões de dívida quanto nas operações de abertura de capital brasileiras. “Estamos avaliando diversos IPOs”, diz sem, no entanto, mencionar quais.
Guinada brasileira
Embora reafirme o compromisso e interesse no país, a guinada brasileira para uma postura mais frouxa em termos de responsabilidade ambiental preocupa o fundo. O movimento veio na contramão do resto do mundo. O capital investidor tem sido, cada vez mais, pressionado a assumir compromissos de preservação da fauna e flora, de aumento da diversidade nas organizações e de maior transparência das companhias e governos.
Conforme Spielmann, o Brasil oferece muitas oportunidades de investimento, mas o governo tem de fazer a sua parte e corrigir os fatos negativos. “Tem uma infinidade de possibilidades e motivos para fazer a coisa certa no país, e as autoridades precisam ter essa visão de oportunidades.”
O maior problema das más notícias ambientais é que a reputação começa a fechar o bolso estrangeiro para a alocação em ativos, produtos e projetos locais. A publicidade negativa lá fora, com aumento das áreas de florestas queimadas e a agenda de desregulamentação ambiental brasileira, já está afetando investimentos no país.
Desconfiando do Brasil
Segundo o diretor do CPP Investments, “nos grandes centros financeiros internacionais há institucionais dizendo que não vão investir no Brasil, além de clientes de empresas e até consumidores que deixam de comprar o Brasil”. A avaliação tem o peso de uma instituição que aloca nada menos que 85% dos recursos, ou seja, US$ 297 bilhões, fora do país de origem, o Canadá.
Spielmann explica que a visão sobre a agenda ambiental brasileira tem estado tão negativa que até sistemas de rastreamento de origem de produtos agropecuários têm sido colocados em dúvida. “As pessoas não querem produtos do país, porque acham que estão comprando carnes de desmatamento e madeira de áreas de proteção e não confiam nem no sistema de rastreamento.”
De acordo com o diretor do CPP, o país ainda pode virar o jogo. “O Brasil poderia ser a menina dos olhos do mundo na questão ambiental, visto como uma nação que cuida da biodiversidade e combate o desmatamento”, diz. Conforme Spielmann, “bastaria implementar e cumprir as leis que já existem”. A percepção no exterior é que o país “não tem a firmeza que deveria e tolera questões que não deveriam ser toleradas” e “isso é o que cria essa reputação negativa”.
Apesar da piora na reputação, o chefe de investimentos para a América Latina afirma que vê vários pontos positivos em termos ambientais no Brasil. “Tem uma matriz de energia renovável como poucas no mundo e mantém reservas de diferentes biomas, em que, dependendo da região, as áreas protegidas alcançam de 20% a 30% do ecossistema e isso mesmo em territórios com predominância de pecuária.”
Para reafirmar e avançar na transparência dos padrões ESG na seleção de ativos, bem como ressaltar os compromissos da entidade para os próximos anos, o CPP lançou no fim de setembro o relatório de investimento sustentável 2020.
“Nós acreditamos que, ao considerar totalmente os riscos e oportunidades ESG, nos tornamos investidores melhores e somos capazes de aumentar os retornos e reduzir os riscos para os mais de 20 milhões de contribuintes e beneficiários do fundo”, afirma o presidente e CEO do CPP Investments, Mark Machin, no documento. “Endereçar a sustentabilidade não é apenas urgente para a sociedade e o planeta — é um imperativo para os negócios”, acrescenta.
A aposta no ESG é um dos pilares do fundo de pensão para manter ou superar os 9,9% de rentabilidade média anualizada da última década. Na visão do CPP, o retorno no longo prazo só será sustentável se o portfólio puder não apenas se proteger dos riscos de eventos como a mudança climática, como também aproveitar oportunidades geradas pelas transformações na redução de emissão de carbono nas economias mundiais, como a mudança de matrizes energéticas e inovações necessárias.
“Para nós não tem contradição entre retorno e fazer a coisa certa. O que buscamos é maximizar o retorno do investimento, mas nas empresas e projetos que tenham como metas endereçar desafios de ESG”, resume Spielmann.
A atuação do fundo vai além de escolher cases dentro das três dimensões. O diretor explica que os representantes do fundo atuam nas empresas para impulsionar a agenda sustentável. Ele cita como exemplo a defesa da diversidade nos conselhos, que segue estratégia de sucesso aplicada no Canadá. “Atuamos fortemente nas investidas, nas assembleias votamos contra a proposta do board se não tiver mulheres no conselho”, diz.
Fonte: Valor Investe