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Teoria dos Leilões e os vencedores do Prêmio Nobel de Economia em 2020

Quarta, 14 Outubro 2020

Nesta semana foram anunciados os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia e, rapidamente, convidei o professor e consultor Ronaldo Deccax a escrever comigo o texto da coluna de hoje. Deccax é doutor em Finanças Comportamentais e desenvolve pesquisas comigo nesta área, sendo especialista nos temas que balizaram a escolha dos vencedores: Paul Milgrom e Robert Wilson. Espero que gostem!

Em um mundo obcecado pelo lucro cada vez mais imediato, proliferam como nunca “receitas de sucesso” ilusórias que prosperam muitos dos seus respectivos divulgadores, sejam eles autodenominados “influenciadores”, “consultores” ou de outras formas que tentam inspirar alguma credibilidade. Neste contexto, extrair lições práticas e potencialmente lucrativas de conhecimento científico de ponta é uma sólida fonte de vantagem competitiva para quem está disposto a fazer este esforço. Ainda mais quando este conhecimento é relevante o bastante para fazer com que os seus criadores sejam laureados com o Prêmio Nobel.

Este é justamente o caso dos norte-americanos Paul Milgrom e Robert Wilson, agraciados nesta semana com o Nobel de Economia de 2020, nas palavras da Real Academia Sueca de Ciências, “por melhorias na teoria dos leilões e criação de novos formatos de leilão”. Há uma série de lições valiosas que podem ser extraídas do trabalho de ambos, e não apenas no que tange a leilões, mas aqui destacaremos duas pelas suas notáveis relevância e utilidade práticas e, sobretudo, por suas aplicabilidades em situações que vão muito além de leilões.

LIÇÃO # 1: A “maldição do vencedor” deve ser evitada, mas sem exagero

Esta é a lição de aplicabilidade mais ampla, contemplando além de leilões quaisquer outros contextos nos quais há competição entre compradores e/ou entre vendedores. A “maldição do vencedor” é um fenômeno frequente e conhecido pelo mercado e pela ciência, consistindo na tendência de o lance vencedor em uma disputa competitiva superar (em um leilão de compra) o “valor justo” do bem ou serviço em questão. Ela decorre principalmente de assimetrias de informação, do alto nível de competição e de vieses comportamentais.

Na prática, a “maldição do vencedor” se dá porque o vencedor acaba por ser o único a pagar o valor que efetivamente será pago, tendo todo o mercado discordado dele ao avaliar o bem ou serviço leiloado (pois todas as ofertas “do mercado” foram mais baixas do que a oferta vencedora). Isso decorre da forma de leilão utilizada na maioria das vezes, em que a maior oferta vence. Uma forma de resolver esta “maldição” foi proposta pelo professor William Vickrey, em 1961: basicamente, o vencedor do leilão é aquele que dá a maior oferta, mas o preço final é dado pelo segundo maior valor ofertado. Essa ideia é boa na medida em que garante que o vencedor pagará um “preço de mercado”, pois (no mínimo) outro concorrente também pagaria aquele mesmo valor. O problema é que, neste caso, o leiloeiro sai perdendo e pega a segunda maior oferta em vez da primeira. Por esse motivo, este leilão não é tão comum no Brasil e mesmo pelo mundo.

Um indício da “maldição do vencedor” no mercado financeiro é o fato de, logo após uma operação de aquisição, ser usual a ação de a empresa compradora perder valor na bolsa. Situações semelhantes costumam ocorrer em muitos outros contextos competitivos. Isto inclui leilões reversos, quando a disputa é entre vendedores: não é raro, por exemplo, o fornecedor vencedor solicitar à empresa contratante uma renegociação poucos meses depois de assinado o contrato, alegando estar em dificuldades para honrá-lo.

Portanto, fica evidente o quão importante é evitar a “maldição do vencedor”. Mas Robert Wilson fez uma contribuição extremamente relevante neste tema: descobriu que em disputas nas quais o “valor justo” é incerto (como no caso de M&As, por exemplo), frequentemente os competidores apresentam propostas distantes das suas estimativas justamente para evitar a “maldição do vencedor”. Neste caso, o risco é o oposto: se a “maldição do vencedor” gera perdas financeiras, exagerar na precaução pode resultar na não concretização de negócios rentáveis. O correto, neste caso, é elaborar um valuation competente e confiável, sem vieses e com premissas consideradas realistas: e acreditar neste valor, traçando a estratégia para se chegar, no máximo, a ele.

LIÇÃO # 2: O formato de um leilão e as assimetrias de informação são determinantes para os resultados finais

As implicações desta lição são imensas para vendedores, compradores, intermediários, governos e outros agentes com envolvimento direto ou indireto em leilões de qualquer natureza, tais como os que são realizados no Tesouro Direto, no eBay, no ComprasNet e em uma miríade de outras plataformas utilizadas por milhões de pessoas mundo afora.

Paul Milgrom e Robert Wilson não apenas esclareceram como funcionam os leilões e por que os licitantes se comportam de determinada maneira, mas também usaram suas descobertas teóricas para criar formatos de leilão inteiramente novos para a venda de bens e serviços. Estes novos formatos de leilão se espalharam amplamente pelo mundo, como, por exemplo, o Simultaneous Multiple Round Auction, o Combinatorial Clock Auction e o Incentive Auction.

Paul Milgrom demonstrou que os resultados de um determinado leilão dependem diretamente do nível de informação disponibilizada sobre o valor do item leiloado antes e durante o certame, bem como do seu formato e regras. O resultado de um leilão também depende do nível de incerteza que os licitantes possuem sobre o valor do item. Em consequência, conhecer o formato do leilão e as estratégias e motivações envolvidas são questões fundamentais para os licitantes aumentarem suas chances de êxito.

CONCLUSÃO: Como agir em qualquer disputa competitiva, seja como comprador ou como vendedor?

Os compradores (e os vendedores, no caso de leilões reversos) devem:

Obter o máximo de informações relevantes antes e durante o certame e estimar o “valor justo” da forma mais tecnicamente adequada possível.

Estudar prévia e profundamente o formato do leilão do qual participará, definindo uma estratégia adequada e eficiente.

Avaliar com cautela a sua participação em todas as disputas, definindo limites claros e tecnicamente construídos, de modo a evitar que emoções aflorem e decisões equivocadas sejam tomadas ao longo do processo.

Minimizar a sua vulnerabilidade a vieses comportamentais (especialmente os de “confiança excessiva” e “otimismo”) e à “maldição do vencedor”, mas com cuidado para não incorrer em exageros que resultem em erros igualmente danosos.

Já os vendedores (e os compradores, no caso de leilões reversos) devem:

Fornecer aos licitantes o máximo de informações relevantes antes e durante o certame, desta forma subsidiando-os nas suas estimativas de “valor justo”.

Adotar o formato do leilão mais apropriado para a natureza do certame a ser realizado e considerando variáveis críticas como tipo de item a ser leiloado, características do mercado do mesmo, objetivos financeiros e não financeiros almejados, contexto macroeconômico etc.

Alavancar a competitividade da disputa maximizando o número de participantes, atraindo licitantes com perfil agressivo e elevado poder econômico.

Explorar aspectos comportamentais e criar condições favoráveis para obtenção do valor considerado justo para o bem ou serviço em leilão.

Em qualquer caso, conhecer as teorias comportamentais por detrás de disputas competitivas acaba por ser fator primordial para o sucesso.

 

Fonte: Valor Investe