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Três em cada quatro fundos de investimentos tiveram prejuízo em setembro

Terça, 13 Outubro 2020

Em setembro, muitos brasileiros ficaram mais pobres. Por um lado, a inflação acelerou 0,64% no mês, a maior variação de preços para meses de setembro desde 2003. Por outro, uma boa parte dos investimentos deu prejuízo. Com exceção dos títulos de renda fixa atrelados ao CDI (que teve aumento de 0,16% no mês) e ao câmbio (o dólar avançou 2,5% ante o real), o clima foi bem desalentador. O mês foi um dos piores para a bolsa de valores e para a renda fixa, com até títulos públicos conservadores, os Tesouro Selic, dando prejuízo. E, como os fundos de investimentos bebem exatamente dessa fonte – ou melhor, compram esses ativos para compor suas carteiras – a maciça maioria deles também deu más notícias para seus cotistas.

Um levantamento feito pelo economista e blogueiro do Valor Investe Marcelo d’Agosto mostra que nada menos de três em cada quatro fundos de investimentos (75,42%) deram prejuízo em setembro. Em números absolutos, isso significa que dos 1.196 fundos analisados, todos vendidos em plataformas de investimentos, apenas 294 deram alegrias aos cotistas no mês passado.

Ao avaliar o rendimento de todos esses fundos é possível ver que, em média, eles caíram 2,14%. Quando tirados da conta os extremos – quem foi muito bem ou muito mal, chegamos, mesmo assim, a uma mediana de -1,35%. Ou seja, o ‘prejú’ foi generalizado mesmo.

“Em setembro não houve um porto seguro para os investidores em fundos de investimento. Nem mesmo os tradicionais fundos DI conseguiram escapar do prejuízo”, diz d’Agosto.

Ainda de acordo com a pesquisa, das 19 categorias de fundos analisadas, apenas quatro tiveram rentabilidade positiva em setembro: crédito privado com até 15 dias para resgate; crédito privado acima de 16 dias para resgate; debênture incentivada e cambial. E foram esses últimos – os que investem em moedas, em especial dólar – que se saíram melhor entre todos, com rentabilidade positiva de 2,57% no mês passado.

Em relação à média de retorno de todos os fundos analisados (-2,14%), 12 das 19 categorias performaram acima da média geral. Entre os que se deram pior estão os fundos das categorias ações (-4,78%), ações exterior (-4,58%), ouro sem risco cambial (-4,66) e long biased (-4,08%).

“Os ativos de risco de uma forma geral, tanto no Brasil quanto no exterior, tiveram desvalorização no mês passado, reflexo das incertezas locais e mundiais”, comenta d’Agosto.

O que aconteceu

A sangria vista em setembro se deu por uma série de motivos e a equipe de gestão da Dahlia Capital resumiu bem em sua carta de setembro:

“Setembro foi mais um mês ainda volátil para os ativos de risco. O Ibovespa caiu 4,8%, seguindo o desempenho da bolsa americana, que caiu 3,9% (S&P 500). A proximidade das eleições americanas, o risco de uma frustração com a recuperação econômica por uma segunda onda da covid-19 e a deterioração da situação fiscal brasileira contribuíram para esse desempenho”, escreveu o time.

Foi um mês de extremos. Na primeira sessão, dia 1º, a bolsa terminou o pregão acima de 102 mil pontos, com alta de 2,82%. O índice ganhou impulso justamente com a sinalização do governo de que enviaria a reforma administrativa ao Congresso naquela semana. O patamar de 100 mil pontos só durou mais cinco dias. No dia 30, fechou em 94,6 mil pontos. Uma sequência de eventos elevou a aversão ao risco.

De fato, o avanço do vírus, de novo, pela Europa e algumas regiões dos Estados Unidos preocupa o mundo e em especial quem faz previsões econômicas. A expectativa de que poderíamos já ter passado pelo pior e que o PIB (Produto Interno Bruto) mundial poderia cair menos do que o previsto anteriormente está sendo questionada. A instabilidade que uma eleição da presidência da maior potência econômica global também não deve ser subestimada.

“Nos EUA, a falta de consenso entre republicanos e democratas sobre o tamanho do estímulo necessário [para ajudar a economia e salvar as empresas e pessoas], os impasses entre o Congresso e o Executivo e a possibilidade de judicialização dos resultados eleitorais em novembro trazem mais volatilidade para os ativos de risco”, explica a equipe de gestão de recursos da Órama em relatório.

Mas foi o Brasil que surpreendeu, negativamente. Até os títulos considerados mais conservadores do mercado, os do tipo Tesouro Selic (ou LFT) tiveram prejuízo no mês, algo não visto desde 2002, ou seja, há 18 anos! O IMA-S, por exemplo, que mede o comportamento dos títulos que seguem a variação da Selic, fechou o mês com perda de 0,27%. O título com vencimento em 2025 perdeu nada mais nada menos que 0,46% no mês passado.

“A piora na percepção de risco para o país fez com que as LFTs (ou Tesouro Selic), títulos públicos pós-fixados do governo brasileiro, passassem a negociar com deságio (desconto) de preço”, explica em carta aos cotistas Julio Erse, diretor de gestão da Constância Investimentos.

Ele lembra que a atividade econômica do Brasil até mostrou alguns sinais de melhora, com a construção civil e varejo, por exemplo, de volta aos níveis pré-pandemia. Mas, como não dá para contar só com o setor privado, foi do governo que vieram os sinais negativos.

Com tanto dinheiro sendo gasto durante a pandemia – em especial com o pagamento de auxílio emergencial – a intenção do governo de não apenas continuar com a ajuda financeira às famílias, mas de criar um novo programa social para substituir o Bolsa Família pegou mal.

Para Erse, as percepções negativas quanto à própria manutenção do teto de gastos públicos e da solvência do Estado (risco maior de crédito, pagamento da dívida mesmo) repercutiu em variáveis agregadas como expectativas de inflação, atividade, além das taxas de juros e do câmbio.

“Todas (as variáveis) têm sido extremamente relevantes para a determinação dos preços dos ativos, levando o Brasil a apresentar alguns dos piores retornos entre todos os mercados no mundo neste mês (setembro). Tal incerteza levou investidores a uma moderação na tomada de risco: ações caíram, os juros futuros e o dólar fecharam em alta, e até títulos pós-fixados do governo (LFTs) negociam com deságio”, diz.

Na prática, os investidores estão pedindo juros maiores para comprar títulos Tesouro Selic (LFT). Como esses papéis têm um pequeno prêmio (valor adicional pago sobre a taxa) atrelado ao preço que varia conforme a demanda pelos papéis, esse prêmio subiu em setembro e o valor dos títulos, consequentemente, caiu dando a tal da rentabilidade negativa aos investidores.

As três classes de fundos de investimentos que têm na sua carteira muitos títulos públicos - renda fixa DI, renda fixa ativo e juro real - caíram 0,03%, 0,31% e 0,89%, em média, no mês passado.

Tudo isso foi agravado pela confusão em torno do Renda Cidadã, o tal do programa social que substituiria o Bolsa Família. A proposta de financiamento para o novo programa de incentivo governamental – postergação do pagamento de precatórios e uso de recursos destinados à educação básica – foi muito mal aceita. Pior: levantou suspeitas sobre a incapacidade do governo de manter-se na linha do teto fiscal e de estar fazendo uma “contabilidade criativa”, aos moldes do visto no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

“Notícias essas que preocuparam os investidores – especialmente os estrangeiros, que retiraram mais de R$ 2 bilhões da B3 (saldo das operações primárias e secundárias). A preocupação envolve principalmente a situação fiscal do país e a forte intenção do governo em manter e aumentar o seu próprio programa social denominado de Renda Cidadã”, comenta Erse.

Ele aponta que para isso acontecer, respeitando o chamado teto de gastos, a solução mais óbvia seria o aumento da arrecadação via impostos. Com isso, diz, “as pautas de reformas e privatizações ficaram paradas com discussões e troca de farpas internas entre núcleos dentro do Executivo, e entre o Executivo e o Legislativo”.

E quem se alimenta de instabilidade é o câmbio. O dólar se apreciou-se 2,5% no mês ante o real, o que explica o brilho dos fundos cambiais e dos fundos com ativos no exterior que não tenham proteção contra a oscilação da moeda.

E o que pode acontecer?

Pensando no último trimestre do ano, a equipe de gestão da Órama coloca um ponto importante: a possível reviravolta dos juros básicos diante de toda a instabilidade interna e, agora com o reforço adicional de uma inflação, medida pelo IPCA, de 3,14% em 12 meses.

“O Bacen [Banco Central], apesar de ter comunicado tranquilidade perante o atual horizonte de inflação, sinalizou que eventuais descumprimentos do compromisso com a responsabilidade fiscal poderão afetar as expectativas de inflação e alterar o rumo da política monetária”, lembra o time no relatório.

Ou seja, o quadro geral mudou. Já tem gente agora prevendo a alta dos juros ainda este ano pelo Bacen, algo que não estava no radar.

A Eleven Financial, casa de análise, vê atratividade ainda nos juros. “Enquanto o mercado desmonta posições aplicadas em juros após dois meses de desvalorizações e mudanças nas expectativas inflacionárias, entendemos que o Tesouro IPCA+ 2035 apresenta um risco x retorno extremamente atrativo, com rentabilidade de IPCA + 4,11% ao ano (conforme fechamento de setembro)”, explicam os analistas Raul Grego e Felipe Beckel e os economistas Thomaz Sarquis e Adeodato Netto em relatório divulgado aos clientes.

“Acreditamos que a recente piora verificada no mercado local de renda fixa apresenta uma janela de oportunidade para alocações pontuais, embora a volatilidade deverá aumentar consideravelmente nos próximos meses tanto pelo cenário local quanto externo”, pontuam.

Eles lembram que o cenário nos EUA ainda está incerto, tanto com relação às eleições para presidente quanto com o pacote de estímulos que ainda depende de um acordo no Congresso entre os dois partidos e, pelas notícias recentes, o consenso parece distante. Até o momento, a proposta Democrata é de um pacote de US$ 2,2 trilhões, enquanto a Casa Branca contrapropôs um montante de US$ 1,6 trilhão.

Além disso, o primeiro debate presidencial, que ocorreu no dia 30 de setembro, não ajudou a entender o quadro eleitoral por lá. “Ambos os candidatos trocaram ofensas constantemente, deixando pouco espaço para uma discussão sobre suas propostas. De acordo com um levantamento da CBS News, 48% dos espectadores votaram em Joe Biden como ganhador do debate, contra 41% para Trump”, lembra os analistas

Para o time da Dahlia, o baile segue e o otimismo continua, especialmente para bolsa. “Seguimos otimistas com os ativos de risco. A combinação de uma Selic a 2% e um dólar alto nunca foi testada antes. As empresas listadas na bolsa podem se beneficiar muito disso. Os estímulos econômicos ao redor do mundo devem continuar a impactar positivamente as economias. A manutenção dos juros globais em patamares baixos deverá sustentar os preços dos ativos de risco.”

 

Fonte: Valor Investe