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Só o dólar se salvou em setembro com risco fiscal

Quinta, 01 Outubro 2020

Setembro terminou em meio a uma quase unanimidade: foi um período de perda generalizada para as principais classes de ativos, da renda fixa às ações, com exceção do dólar. Até o ouro, um tradicional porto seguro, terminou o mês em queda de 1,61%. Segundo gestores ouvidos pelo Valor, a volatilidade também vai marcar o mês de outubro, diante das preocupações com o risco fiscal e da aproximação das eleições americanas.

O Ibovespa caiu 4,80% no período, ainda que tenha subido 1,09% no último pregão. Em 2020, o principal indicador da bolsa acumula queda de 18,20%. Já o dólar subiu 2,50% em setembro e avança nada menos que 40,11% no ano.

Na renda fixa, os referenciais calculados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) amargaram quedas também. O IRF-M, que acompanha uma cesta de títulos públicos prefixados, teve recuo de 0,56% no mês e o IMA-B, que reflete a variação de papéis atrelados à inflação, caiu 1,51%.

Até mesmo o IMA-S, que mede o comportamento dos títulos que seguem a variação da Selic, fechou o mês com perda de 0,27%. Isso porque o Tesouro Selic teve rentabilidade negativa, pela primeira vez em 18 anos. Sim, a aplicação de renda fixa apontada por 10 entre 10 economistas como uma ótima opção para compor sua reserva de emergência fechou setembro no vermelho, -0,46% no título com vencimento em 2025.

O mercado viveu em um mês situações exatamente opostas. Se em 1° setembro, o Ibovespa terminou o pregão acima de 102 mil pontos, com alta de 2,82%. No dia 30, o referencial finalizou em 94,6 mil pontos. Na primeira sessão do mês, o índice ganhou impulso justamente com a sinalização do governo de que enviaria a reforma administrativa ao Congresso naquela semana.

A indicação de retomada da agenda de reformas levou o índice à máxima em setembro logo no primeiro dia e, ao longo dos cinco pregões seguintes o referencial manteve-se acima dos 100 mil pontos. Após uma primeira semana positiva, porém, uma sequência de eventos elevou a aversão ao risco.

No exterior, ocorreu um movimento de realização de lucros nas bolsas que se somou à volta de preocupações com uma segunda onda de covid-19 nas economias avançadas. No Brasil, os temores em relação à gestão fiscal ganharam força diante das sinalizações do governo e aliados no Congresso de que discutiam uma flexibilização do teto de gastos para viabilizar a transformação do auxílio emergencial em um programa de renda básica permanente.

Nenhuma reforma pela frente

As fortes altas do dólar e dos juros futuros longos incorporam em grande parte essa preocupação dos investidores. “Os últimos movimentos são na direção de que não vai ter reforma nenhuma no Brasil e de que será difícil [o governo] enfrentar pautas como a PEC dos gatilhos que era bem importante”, afirma o sócio-fundador e diretor de investimentos da ACE Capital, Fabricio Taschetto, em referência ao anúncio na segunda-feira do programa Renda Cidadã, que prevê uso de receitas do pagamento de precatórios e do Fundeb, medidas interpretadas por analistas e economistas como uma forma de driblar o teto de gastos.

“A incerteza veio para ficar até os políticos acharem um caminho fiscal”, afirma o sócio e responsável pelas estratégias macro da AZ Quest, Bernardo Zerbini. Segundo o gestor, os riscos fiscais vão continuar a dominar as atenções de investidores nos próximos meses. “Existe o questionamento se o Congresso está disposto a endereçar reformas estruturais para redirecionar o fiscal a uma trajetória benigna”, acrescenta. “E o governo não ajuda quando sinaliza flerte com uma contabilidade criativa.”

Conforme Zerbini, outro fator que mantém o nível de incertezas elevado são as dúvidas sobre a capacidade de crescimento do Brasil. “Mesmo que o país cresça 3,5% a 4% no ano que vem, ainda estamos devedores na parte de crescimento. Precisamos de reformas para aumentar o potencial de avanço da economia.”

Além da subida do dólar, a inclinação das curvas de juros em setembro voltou ao pior momento da crise da pandemia, afirma o CEO da Sparta Capital, Ulisses Nehmi. Isso reflete, principalmente, “uma preocupação com a questão fiscal e acabou trazendo perdas principalmente para quem tem [títulos] prefixados e até para um título que não costuma oscilar que é a LFT, o Tesouro Selic”. Nehmi lembra que “fundos superconservadores” registraram perdas em setembro.

Para o gestor da BNP Paribas Asset, Tiago Cesar, “o que foi descrito em agosto como mais um risco a ser monitorado agora virou o maior risco a ser monitorado”. De acordo com Cesar, as incertezas relacionadas à trajetória de sustentabilidade fiscal do país ficam evidentes “no câmbio e na curva de juros longa, que está com uma inclinação vista nos piores momentos da pandemia”.

Crédito privado

Nehmi, da Sparta, explica que, em meio às incertezas, “uma das classes que têm se destacado bastante é o crédito privado, que vem se recuperando lentamente mês a mês, mas segue em uma toada firme”. O gestor afirma que os indicadores dessa classe estão acima de 200% do CDI no mês. O fundo Sparta Max, que investe em dívidas privadas, está fechando setembro com rentabilidade de 1,53%.

Apesar da piora na percepção sobre os riscos fiscais no Brasil, Nehmi ressalva que, “na verdade, o mercado já embute um grande nível de incertezas nos preços, com taxas de juros para seis anos na casa de 7%”. Nessa situação, se houver uma melhora no cenário, o repique seria mais forte do que a queda em caso de piora.

Sobre o câmbio, o CEO da Sparta explica que a tendência é de a moeda brasileira se manter pressionada. “Apesar de já estar num patamar elevado e da balança comercial favorável, tem uma quantidade muito grande de pessoas mandando recursos para fora, investidores veem de fato oportunidade de diversificar no exterior, o que gera demanda para comprar dólares”, afirma.

Apesar das incertezas que pairam sobre o país, especialmente aquelas ligadas à situação fiscal, o cenário pode mudar rapidamente, afirma o sócio da Dahlia Capital, Felipe Hirai. “O noticiário é superfluido e, com isso, o cenário pode mudar muito rapidamente. Parece que as notícias negativas já estão 'precificadas', então pode haver um ajuste positivo mais forte, caso o sentimento mude”, diz o gestor.

Hirai cita, por exemplo, a possibilidade de as companhias revelarem resultados mais fortes que o esperado nos balanços do terceiro trimestre. “Nas próximas semanas vamos começar a ver empresas reportando e tem chance de os resultados virem melhores que o esperado.”

Histórias individuais

A Dahlia, segundo Hirai, “continua achando que a bolsa oferece uma das melhores combinações de risco-retorno do mercado”. O gestor também aponta como oportunidade os títulos indexados à inflação, como as NTN-Bs (ou Tesouro IPCA+), e, com a perspectiva de alta do dólar, está comprado na moeda americana.

Já o BNP Paribas, nesse cenário mais turbulento, “tem feito um trabalho grande na diversificação de carteiras tanto em classe de ativos quanto em mercados, dando mais espaço para estratégias que não sejam tão direcionais, como a arbitragem do ‘long and short’”, segundo Cesar. “Hoje nossos portfólios têm concentrações menores e quantidades maiores de ativos.”

Na análise do gestor do BNP, com a Selic em 2% ao ano, o investidor é “convidado” a tomar mais risco, o que favorece a bolsa brasileira. No entanto, diante do cenário de volatilidade, a recomendação é olhar as histórias individuais. “Hoje o mais importante é a gestão micro, porque mesmo dentro dos setores há disparidades entre as empresas. Eu diria que a melhor estratégia é achar as boas histórias individuais.”

Entre os grandes temas para os próximos meses, as eleições americanas vão ditar os rumos dos mercados globais daqui para a frente até o fim do pleito, em 3 de novembro, aponta o sócio e gestor da Quasar International, Ulisses de Oliveira. “Essa é a eleição mais importante, não pelo seu resultado, mas pela volatilidade do processo eleitoral, com a possível demora de contagem dos votos via correios e contestação por qualquer um dos lados”.

O gestor explica que, diante do cenário que se desenrola, o fundo de dívida de mercados emergentes internacional da casa aumentou o caixa, ao mesmo tempo em que diminuiu papéis com vencimentos mais longos.

 

Fonte: Valor Investe