Uma categoria de investimentos ainda pouco conhecida no Brasil passa relativamente bem pelos trancos e barrancos da crise do novo coronavírus e tem crescido no país: os fundos quantitativos, que criam robôs que usam dados históricos para prever o futuro dos preços dos ativos, usando inteligência artificial.
Esses investimentos não dependem da emoção dos gestores, por isso, são uma alternativa anticrise. Na pandemia, se tornaram os "diferentões" da carteira de investidores. Vários deles se propõem a ter baixa ou nenhuma correlação com a bolsa ou dólar, por exemplo.
Enquanto o Ibovespa, principal índice de referência da bolsa brasileira, acumula perda de 16,1% no ano e o CDI rendeu 2,1% no período, alguns dos fundos quantitativos mais famosos tiveram retorno de quase 7% (até 21 de setembro).
Em março, quando a pandemia começou, muita gente tomou um susto. Quem achava que estava bem diversificado percebeu que não estava tão beeeem diversificado assim e foi buscar outras alternativas, inclusive os que permaneceram na bolsa. Apimentam a história os juros baixos, que levam investidores a procurar opções para ter retornos mais altos, e o aumento da educação financeira com a guinada das plataformas de investimento on-line.
Desde 2007, quando surgiram os primeiros fundos quantitativos no Brasil, essa indústria ainda não havia conseguido firmar os pés no país, apesar das grandes expectativas. “Sempre tivemos boas apostas, gestores que começaram com performance promissora, mas depois que atingiam determinado volume, acabavam não performando bem”, diz Samuel Oliveira, responsável pela área de análise de fundos como um todo na XP.
Esses fundos ganham dinheiro investindo em bolsa, dólar e juros e ativos no exterior, como outros fundos multimercados, ou somente em papéis de empresas, como outros fundos de ações. Seu objetivo pode ser bater determinado índice ou ter o máximo de retorno possível dado um nível de risco.
Eles também cobram uma taxa de administração e uma taxa de performance, normalmente sobre o CDI. O que muda é o método científico, integrado no processo de investimento em menor ou maior escala.
Suas estratégias são muito diferentes entre si. Alguns são desenhados para performar independente do cenário. Outros tendem a passar longos períodos sem grandes variações e são sucedidos por fortes valorizações em um curto espaço de tempo.
Como outros investimentos de renda variável, eles podem ter retorno negativo. Nos últimos três anos, nem os robôs impediram que esses fundos passassem por períodos de grandes quedas de retornos, apesar da tendência de alta. Mas quando a pandemia começou, eles não despencaram tanto quanto o Ibovespa.
Em relação ao tamanho dessa indústria, o Brasil está há mais de 12 anos nesse vai, não vai, esperando para ver se vai acontecer no país o que aconteceu lá fora. Nos Estados Unidos, grande parte dos fundos multimercados já são quantitativos. Já no Brasil, o volume dessa categoria cresce, mas ainda é pouco expressivo.
A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitai (Anbima), entidade que concentra informações sobre fundos de investimentos no Brasil, não tem dados específicos sobre fundos quantitativos no país. A XP, maior plataforma de investimentos do país, acompanha 20 fundos brasileiros com essa estratégia, mas somente quatro deles estão à venda na plataforma.
Durante a crise do novo coronavírus, o patrimônio desses 20 fundos monitorados pela empresa quase triplicou. Saltou de R$ 2,5 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 6 bilhões em agosto de 2020, quase nada em comparação aos R$ 5 trilhões que a indústria toda de fundos de investimentos tem no país. Já o número de cotistas disparou quase quatro vezes, de 18 mil para 70 mil no mesmo período.
A seguir, você vê o salto de patrimônio e do número de cotistas e o retorno dos principais fundos quantitativos no país, levantados pelo economista do Valor Investe, Marcelo D´Agosto.
O desafio de explicar o que os robôs fazem
Um dos motivos dos fundo quantitativos ainda serem pouco populares no Brasil é que é um desafio entender o que os robôs fazem. O trabalho do gestor é criar e aperfeiçoar robôs que desenvolvem previsões e constroem carteiras, baseados em dados. Esses dados podem ser os mais diversos: das opiniões dos analistas das corretoras nos relatórios aos balanços das empresas; das feições de Donald Trump nas fotos à previsão do tempo.
Cada fundo tem vários robôs e o que um robô faz não tem nada a ver com o outro. As análises macro e microeconômica típicas são combinadas ou substituídas por análises matemáticas e estatísticas. No lugar de economistas, trabalham cientistas de dados e engenheiros.
Alguns desses fundos sistematizam boas práticas de gestão de fundos macro. “Eu tenho 16 anos de mercado, sistematizei as boas práticas de gestão que eu via dentro de modelos matemáticos e selecionei os que têm maior taxa de acerto. Isso é um fundo sistemático, ele sistematiza uma visão humana”, explica Alessandro del Drago, sócio da Mauá Capital e gestor do fundo macro Sistemático Machine-D.
Dentro da carteira pode haver mais estratégias do que um gestor consegue acompanhar. “Dentro do meu fundo tenho 35 estratégias. É como se eu tivesse 35 pequenos gestores atuando dentro do fundo. Consigo alavancar o número de processos decisórios e de apostas no mercado, gerando uma diversificação bem real”, diz Drago.
Além da diversificação de estratégias, há fundos quantitativos que têm a velocidade como um diferencial. Eles podem fazer o que os humanos não conseguem. Podem executar milhares de operações ao dia, em alta frequência, mais rapidamente do que investidores que estão olhando a tela conseguem fazer.
Alguns fundos seguem estratégias quantitativas para ganhar dinheiro quando o mercado fica irracional. “Todo ano tem 15 dias que o ser humano entra em parafuso. Coronavírus, greve dos caminhoneiros, Joesley Day. Nesses momentos, ou o gestor entra em pânico, ou vende a qualquer preço porque não faz sentido fazer conta, olhar relatório”, diz Flavio Terni, sócio-fundador da Giant Steps Capital.
“A gente recomenda investir em estratégias diferentes, porque aí você tem um portfólio que te serve bem em qualquer momento.”
O que a falta de emoção faz
Não existe uma garantia de que os fundos quantitativos vão bem em momentos de crise e até esses investimentos podem ir mal nessas horas, dependendo da estratégia do fundo. No entanto, modelos quantitativos tendem a não entrar em pânico como os gestores nos momentos de mais volatilidade, o que pode ser uma vantagem. Quando a maior parte dos fundos de investimentos está caindo, eles podem ir bem.
Esses fundos são ágeis o suficiente para mudar de posição de acordo com algoritmos. Além disso, os gestores conseguem testar as receitas antes para saber o que fazer se acontecer algum problema. Assim, na hora do caos, os fundos seguem um protocolo em vez de precisar criar uma estratégia instantânea.
“Essa estratégia vai fazer A, B, C, e se houver uma pandemia ou qualquer outro problema no mercado e o Ibovespa afundar X%, eu vou fazer isso”, explica Terni, da Giant Steps.
Se o modelo está se comportando como o gestor modelou, não há interferência humana. “Muitas vezes o que eu gostaria de fazer é o contrário do que algoritmo está dizendo. Mas eu sei que eu vou ter um ganho se eu deixar ele fazer o trabalho dele”, diz Moacir Fernandes, sócio da gestora Murano.
Ele afirma que é impossível saber em que momentos esses fundos vão bem ou não. No entanto, avalia que é interessante ter um investimento na carteira que não necessariamente vai andar com todo o mercado. “Boas alternativas não necessariamente são quantitativas. O principal é saber se a carteira está diversificada o suficiente”, diz o gestor.
Para quem eles são recomendados, afinal
Fundos quantitativos não são para investidores conservadores, nem são recomendados para substituir totalmente os multimercados ou fundos de ações tradicionais. Eles são mais uma alternativa para aqueles que querem diversificar a carteira para balancear os riscos e não ficar expostos somente a investimentos do mesmo estilo.
Primeiro, é importante entender o nível de risco que o investidor está disposto a correr e qual o nível de volatilidade esperado do fundo antes de investir. “Tem que tentar se conhecer para entender o produto que você está buscando. Não existe fundo em que você vai ganhar dinheiro sem risco”, diz Rodrigo Maranhão, gestor da Kadima.
Também é essencial entender como o fundo ganha dinheiro, qual nível de retorno se propõe a entregar e se a taxa de administração e de performance são compatíveis com o retorno esperado. E é bom saber o tipo de estratégia quantitativa que o investidor está buscando e mesclar estratégias. Quer um fundo correlacionado com a bolsa ou sem relação alguma?
Outro passo importante é conhecer a gestora, saber se a equipe tem experiência com esse tipo de fundo e como são os seus controles de risco. “É como escolher um bom advogado para julgar a sua causa”, diz Oliveira, da XP. Ele diz que o ideal é montar uma carteira de fundos quantitativos diferentes, de gestoras diferentes. Para isso, talvez o investidor precise apostar em gestoras novas, que acabaram de nascer.
Além disso, Oliveira ressalta que o investimento é de longo prazo. “Recomendo um horizonte mínimo entre dois e três anos, como para qualquer fundo multimercado. E se for um fundo de ações quantitativo, o horizonte deve ser mais dilatado ainda, de quatro a cinco anos pelo menos”, diz.
Fonte: Valor Investe