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Empresas reveem os planos de estreia na bolsa diante de uma superoferta de novos papéis

Sexta, 25 Setembro 2020

Investidores seletivos, excesso de ofertas, expectativas elevadas dos vendedores e volatilidade do mercado estão obrigando as companhias nacionais a rever os planos ambiciosos que tinham para suas ofertas de ações.

Depois de quatro empresas cancelarem a oferta inicial (IPO) e seis reduzirem o piso de preço nas operações dessa temporada, outras já começam a discutir uma eventual redução no volume de ações a ser vendido, mudança de cronograma e de expectativa de preço.

Sob pressão e deixando algumas operações pelo caminho, as ofertas de ações vão continuar. “O mercado não está uma maravilha, mas também não está um desastre. A janela não se fechou”, diz o diretor de uma instituição financeira.

Na última semana, o banco de investimento BR Partners e a Caixa Seguridade decidiram cancelar a oferta para esperar outro momento e a Petrobras mudou os planos de prazo para a oferta subsequente (“follow-on”) da BR Distribuidora. A companhia de logística Hidrovias do Brasil emplacou a oferta no preço mínimo que pediu — um alívio em relação a ofertas anteriores que baixaram esse piso em até 20% do valor inicial planejado.

A empresa de energia Compass, que define preço na semana que vem, preencheu um livro de reservas, mas os investidores têm achado o múltiplo esticado — o que significa que vem pressão pela frente se a demanda ao valor pedido não aumentar. “Não é nada mais que a Comgás com uma promessa de novos negócios, pagando antecipado”, diz um gestor que avaliou a oferta.

O birô de crédito Boa Vista também tem preço alto, mas alguns gestores têm aceitado encarar dado o ritmo de crescimento do setor. No grupo Mateus, a demanda atual garantiria um preço no centro da faixa, por isso há expectativa de fechar no topo dado que faltam duas semanas. O BNDES vai manter o follow-on de Suzano. A ação caiu, mas continua em patamar médio considerado bom e tem interesse dos investidores.

Duas outras companhias que já lançaram a oferta têm tido maior dificuldade em atrair os investidores com os números que pedem, conforme quatro fontes: a incorporadora Pacaembu e a empresa de logística Sequoia. Entre as empresas que ainda não entraram na fase de venda, gestores e bancos veem chance de postergação nas incorporadoras Nortis e One e na varejista Track&Field.

“Algumas operações têm sido lançadas com expectativa muito alta de ‘valuation’ por parte dos vendedores, mas que não conversam com o que foi dito do ‘pilot fishing’, quando os investidores já dão uma noção de sensibilidade de preço”, diz um banqueiro de investimento.

A fase de “pilot fishing” precede a definição da faixa indicativa e serve para bancos e companhias terem um termômetro de interesse — e aí definir os múltiplos de preço que vão buscar, informando a faixa indicativa, o número de ações à venda e que valor de mercado isso dará à empresa.

Depois de tentar uma faixa de preço e encontrar resistência, cabe à companhia ou ao acionista vendedor tentar seguir adiante. A Cyrela, por exemplo, preferiu dar sequência ao IPO da Lavvi, abrindo mão de vender as ações que pretendia em tranche secundária e colocando recursos próprios na oferta primária. Também topou reduzir preço na subsidiária Plano&Plano.

Já o banco de investimento BR Partners não quis testar uma faixa menor. A Caixa Seguridade ainda não tinha lançado a operação, mas cogitava reduzir o tamanho da oferta. Com condições piores de mercado, decidiu não arriscar.

Eu quero, mas com desconto

“Os bancos costumam dizer em algumas operações que não há problema de demanda, mas de preço. Mas a demanda é conforme o preço: tem a R$ 10, falta a R$ 15”, diz um gestor. Um banqueiro argumenta que a diferença é que a companhia e sua história interessaram ao investidor, mas os múltiplos precisam ser ajustados — se a avaliação do negócio fosse ruim, não adiantaria mudar preço, diz.

“O IPO sair com preço menor mas bom volume de reservas pode não ser um sucesso em relação ao inicialmente pretendido, mas ainda assim ser um excelente resultado em uma janela concentrada de ofertas e com condições de mercado mais desafiadoras”, afirma.
Dois gestores apontam o peso desse contexto para o setor de construção. “Tem empresa com números melhores ou mais promissores que a Mitre e Moura Dubeux saindo com múltiplo menor, mas o timing delas foi melhor”, comparam. Ambas fizeram oferta em fevereiro.

Os investidores institucionais reforçam que muito da seletividade está ligada ao número de ofertas. “É muita coisa. Não cabe quase 50 ofertas em três meses”, resume um grande gestor de ações, lembrando que os IPOs competem com follow-ons volumosos. “Os fundos não estão captando e o estrangeiro continua participando pouco. O bolso é um só.”

Além de muitos fundos terem fechado para captação por terem tomado tamanho muito grande, o fluxo de dinheiro novo para a categoria diminuiu. Em agosto, os fundos de renda fixa ficaram com quase 70% dos R$ 66,5 bilhões de captação líquida da indústria, uma guinada no posicionamento do investidor — no primeiro semestre, a saída líquida foi de R$ 95 bilhões nesses fundos.

Multimercados também ganharam participação. Com maior volatilidade em juros, incertezas econômicas e políticas, e apreensão dos investidores também em relação ao cenário externo — como nova onda de covid-19 em países europeus — outras categorias reduzem atenção das ações. Em duas semanas, o Ibovespa caiu 4,2%.

 

Fonte: Valor Investe