A crise causada pela pandemia de covid-19 veio para provar - para quem ainda era cético - a importância da reserva de emergência na organização financeira de todas as pessoas.
"A reserva de emergência é o seguro da dignidade pessoal. Em caso de emergência, a pessoa não precisa se submeter a coisas degradantes por causa de dinheiro", resume André Massaro, consultor e educador financeiro.
Quem queimou a reserva durante a crise ou está pensando em começar agora, após ter percebido a sua importância, encontra um cenário um tanto frustrante na hora de alocar os recursos.
Há pouco mais de três anos, a taxa básica de juros, que é usada como referência para rendimentos de renda fixa, garantia retornos de 1% ao mês, agora ela está em 2% ao ano mesmo.
Essa mudança de patamar rápida (de certa forma) e mais aprofundada do que o próprio mercado financeiro antecipava no início frustra quem esperava retornos maiores das aplicações da reserva de emergência.
"A taxa de juros pode ir a zero que o jeito de fazer reserva não vai mudar. Uma coisa que o pessoal tem uma certa dificuldade de entender é que a reserva de emergência não é para ganhar dinheiro. Se a pessoa conseguir ganhar da inflação já está de bom tamanho. Fora do Brasil tem lugares com taxa de juros negativa e a reserva deles é do jeito que fazemos aqui", explica André Massaro.
A verdade é que a reserva de emergência é uma "boia salva-vidas" para momentos inesperados. Sua função é te salvar em emergências e não te deixar "rico".
"É um olhar de preservação de capital, de tranquilidade e de liquidez. Renda fixa rendendo 20% ao ano ficou pra trás", diz Luciana Ikedo, planejadora financeira e assessora de investimentos.
Ikedo explica que é preciso ter em mente que, por mais que a Selic esteja em um patamar historicamente baixo, a reserva de emergência precisa seguir algumas premissas: baixa volatilidade, disponibilidade imediata de recurso e segurança.
"Esse tripé sempre vai estar presente quando falamos em reserva de emergência", ressalta Ikedo. As aplicações que respeitam esse "tripé" são Tesouro Selic, fundos de renda fixa DI e CDBs de liquidez diária.
"Apesar de estarmos na mínima histórica da Selic, o dinheiro da reserva deve ir para um fundo de renda fixa simples ou mesmo o Tesouro Selic. Se a Selic está pagando pouco, isso é secundário, a reserva de emergência deve ser no investimento mais seguro possível. Rentabilidade em reserva de emergência é questão secundária", explica Daniel Jannuzzi, economista da Magnetis.
O Tesouro Selic permite que você resgate o seu dinheiro a qualquer momento e não sofra com oscilações do mercado, obviamente, nesse caso, se você levar o papel até o seu vencimento. Vale lembrar que desde março o Tesouro Selic não para de ser negociado, mesmo em dias de grandes oscilações que suspendem a compra e a venda de outros títulos públicos.
Além disso, não é mais cobrada a taxa de custódia para aplicações de até R$ 10 mil desde o início de agosto. Acima disso, a cobrança da taxa incide sobre o valor que ultrapassar os R$ 10 mil. Ou seja, para quem tem R$ 15 mil aplicados, é cobrada a taxa de 0,25% ao ano sobre R$ 5 mil.
"O Tesouro Selic continua rendendo mais que a poupança, mesmo que a diferença seja insignificante", lembra Massaro.
Quem acompanha o mercado de títulos públicos com mais atenção - ou lê o Valor Investe - deve ter notado que o preço do Tesouro Selic vem caindo nos últimos dias e que esse não é o comportamento comum para a aplicação. A última vez em que isso aconteceu foi em 2002.
Mas não se assuste. "Apesar da queda, nós continuamos enxergando as aplicações em Tesouro Selic como uma boa alternativa para reserva de emergência. O risco de crédito do título continua sendo o mais baixo do mercado e a liquidez diária significa que o resgate pode ser realizado a qualquer momento", afirma Camilla Dolle, analista de renda fixa da XP Investimentos.
Ela destaca que o efeito para o “pequeno investidor”, ou seja, nós, pessoa física, é muito pequeno (cerca de 0,2%). "Não há motivos para pânico", diz. Além disso, essa perda dos últimos dias tende a ser pontual, ou seja, logo as taxas devem entrar nos eixos novamente, segundo Dolle.
Fundos
Quando o assunto é fundos de renda fixa, Ikedo recomenda atenção ao que tem dentro deles. Para reserva de emergência, os indicados são os fundos de renda fixa simples DI, que aplicam pelo menos 95% do seu patrimônio em títulos públicos.
"É cada vez mais relevante ver no que o fundo investe. Muitos investidores tiveram uma surpresa negativa na crise ao perceberem que os fundos tinham títulos de crédito privado, que tiveram muitas perdas no período", diz a planejadora financeira, que diverge de investidores que consideram aplicar em fundos de crédito privado, em busca de maiores retornos, para a reserva de emergência.
Com a taxa de juros baixa, o mercado passou a ofertar fundos DI do tipo simples com taxa zero de administração, para evitar a corrosão do rendimento, e que podem ser encontrados em diversas plataformas de investimentos.
CDBs
Os CDBs (Certificados de Depósito Bancário) que pagam 100% de CDI (taxa que acompanha de perto a Selic) com liquidez diária também cumprem o tripé necessário para fazer parte da reserva de emergência. "Respeitados os limites do FGC, é extremamente aceitável CDBs na reserva", diz Massaro.
O FGC é uma espécie de "seguro calote" que os títulos emitidos por bancos possuem e cobre valor até R$ 250 mil investidos nesses títulos por pessoa física ou jurídica, em caso de "quebra do banco". O valor é limitado por instituição financeira também e inclui não só o dinheiro que você investiu, mas também a rentabilidade.
Portanto, vale aqui a velha máxima de não colocar todos os ovos dentro de uma mesma cesta.
Geralmente, os CDBs que oferecem retorno de 100% do CDI são de bancos médios e pequenos, por isso, é importante checar a saúde financeira dessas instituições, mesmo com o "seguro calote" do FGC como garantia dessas aplicações.
Para Ikedo, os CDBs podem ter rentabilidade mais atrativa por não cobrarem taxa de custodia nem taxa de administração.
Uma possibilidade relativamente recente é deixar a reserva de emergência "rendendo" em contas digitais, que pagam 100% do CDI, como as oferecidas pelo Nubank, C6, Sofisa, PicPay, entre outros. Mas há divergências sobre seu uso para reserva de emergência, justamente por essas contas terem seu saque facilitado.
Até demais para Ikeda, especialmente para os menos disciplinados. "O que já está na conta fica muito fácil de usar. O recurso precisa estar disponível, mas eu tenho que ter o trabalho de entrar em um aplicativo e pedir o resgate", diz.
Já Massaro vê a alternativa com bons olhos. "A reserva de emergência tem que ser fácil, não pode ter nenhum entrave. Se alguma tragédia acontecer no fim de semana talvez um cartão de crédito te salve, mas não mais que isso", diz.
Foi levado em consideração na simulação um aporte de R$ 10 mil em 23 de setembro deste ano e saque em 26 de setembro de 2022. Você pode fazer a sua própria simulação usando a calculadora do Tesouro Direto.
Impostos
Os lucros obtidos com CDBs, fundos de renda fixa e Tesouro Direto pagam imposto de renda e o desconto é menor se você deixar o dinheiro aplicado por mais tempo.
Para resgates realizados em menos de 30 dias após a aplicação há ainda a incidência de imposto sobre operações financeiras (IOF).
Um pouco de ousadia
Se de um lado a aplicação da reserva de emergência em fundos de crédito privado é altamente contestada, investimentos como LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e a LCA (Letra de Crédito Agronegócio) podem ser uma opção de retorno maior, segundo Ikedo, para pessoas disciplinadas com sua vida financeira.
A planejadora explica que depois de investido o equivalente a três meses de reserva de emergência em aplicações de liquidez diária, os próximos aportes podem ser feitos em LCI e LCA com vencimento em três meses, por exemplo.
Assim, quando o dinheiro da reserva de liquidez diária acabar, você pode acessar os valores aplicados em LCI e LCA se sua emergência durar mais de três meses.
Quanto eu preciso guardar?
Daniel Jannuzzi, da Magnetis, orienta o acúmulo de valor equivalente a 3 a 6 meses de seu custo fixo mensal, mas há quem recomende até 12 meses, dependendo da sua situação de renda, se é CLT ou profissional liberal, por exemplo.
Para profissionais autônomos, Ikeda orienta de 6 a 12 meses de colchão contra acontecimentos inesperados.
Esse valor pode variar de acordo com a estrutura familiar, se é a única renda da casa ou se há outras pessoas trabalhando em regime CLT que possam arcar com as despesas momentaneamente, por exemplo.
Ikeda lembra ainda que quem trabalha com carteira assinada e não usou o FGTS em outros momentos da vida tem direito a essa ajuda em casos de desligamentos involuntários, ou seja, se você não pediu demissão nem foi demitido por justa causa.
O tempo de contribuição também faz diferença. Enquanto quem está empregado com CLT precisa ter um olhar mais conservador sobre sua reserva de emergência, quem está no mercado formal há pelo menos cinco anos pode acumular uma reserva menor, equivalente a três meses de seus gastos, aponta a planejadora financeira.
Esses gastos devem levar em consideração despesas que não podem ser cortadas ou reduzidas, como moradia, alimentação, água, luz e internet, por exemplo.
E as compras parcelas em muitas vezes no cartão de crédito? Ikeda lembra que uma vida financeira saudável inclui o limite máximo de endividamento de 30% de sua renda, isso inclui a parcela do carro e também pequenos gastos do dia a dia que acabaram parcelados.
Para começar a reserva, Ikeda recomenda guardar pelo menos 10% do salário. "Se conseguir 20%, 30% vai constituir a reserva em menos tempo".
"Não adianta fazer um tremendo sacrifício que ela não vai conseguir sustentar. Se conseguir separar mais de 30% a pessoa está ganhando muito dinheiro ou não está vivendo", lembra Massaro.
Fonte: Valor Investe