De janeiro para cá a Blue Trade, um dos maiores escritórios de agentes autônomos de investimentos (AIIs) da B3 passou a oferecer não apenas fundos, ações e títulos de renda fixa para seus clientes, mas também investimentos, crédito, derivativos, câmbio e outros serviços para as empresas que seus clientes tocam. Com as plataformas de investimentos crescendo e se tornando verdadeiros bancos, a nova fronteira para as plataformas, como XP, BTG Digital e Guide, agora passa pelas contas empresariais (PJs).
Elas não se enxergam, porém, como competidores de seus pares. Em jogo estão os trilhões de reais que as empresas de todos os tamanhos deixam nas grandes instituições financeiras, seja sob a forma de folha de pagamento ou investimentos. Como os bancões sempre tiveram um portfólio completo de serviços financeiros e a abundância do ativo mais precioso para muitas dessas PJs – crédito -, poucas os deixaram. Com o advento de fintechs, bancos digitais e agora da transformação das plataformas de investimentos em instituições financeiras, a competição aumenta.
“O mercado de autônomo está entrando em seu terceiro ciclo. Lá atrás, há 15 anos, a figura do agente autônomo era de intermediador de investimento em bolsa de valores. Depois, a segunda onda transformou-o em um assessor de investimento pelas plataformas, distribuindo produtos de bolsa, renda fixa e fundos para pessoas físicas. Agora, a nova onda é a de assessor de PJs para oferecer melhores produtos e rentabilidade”, explica Alexandre Cassiani, diretor de B2B na Guide Investimentos.
O que a Guide oferece aos clientes empresariais de seus 400 agentes autônomos é o mais comum no mercado, os tradicionais investimentos, como ativos de renda fixa e títulos públicos, mais conservadoras, para remunerar o patrimônio ou o caixa das empresas. Além disso, já tem quem procure a plataforma para desenvolver fundos exclusivos e a Guide tem um braço que faz essa gestão. O câmbio, remessas do Brasil para o exterior e vice-versa, também são mais comuns.
Mas há quem esteja indo além. O BTG Digital, por estar dentro de um banco, consegue oferecer uma gama de serviços financeiros que nem todas as corretoras e plataformas conseguem hoje. “Essa é a principal razão pela qual os AAIs que já estão no mercado decidem vir trabalhar conosco”, conta ao Valor Investe Marcelo Flora, quem está à frente do projeto do BTG Digital desde seu início, em 2014.
Crédito as empresas
Segundo ele, os agentes associados à sua plataforma conseguem ganhar em torno de 30% a mais do que ganhavam antes porque enxergam outras linhas de receita. Só em crédito a pessoas jurídicas, ele afirma que os parceiros já originaram mais de R$ 3 bilhões – e aí inclui não apenas AAI, mas também intermediários financeiros, correspondentes cambiais, consultores de investimentos CVM e gestores de patrimônio.
Além do crédito, aposta em serviços como precatórios, câmbio, operações de proteção ("hedge") e assessoria para fusões e aquisições e aberturas de capital (IPO). O executivo conta que a pandemia foi um ótimo teste para seus sistemas tecnológicos.
Com a forte queda da bolsa e o grande volume de negociação, tudo aquilo que construíram nos últimos anos passou por uma provação e tanto – não só os deles, como de todo o mercado. Agora que passaram sem problemas pelo desafio, estão prontos para fortalecer ainda mais a plataforma.
“É um movimento natural do mercado lá fora, o de corretoras e outras plataformas se transformando em banco. Foi assim, por exemplo, com a Fidelity e a Charles Schwab nos EUA, que além de investimentos hoje oferecem cartão de crédito e débito, conta de pagamento e outros serviços”, comenta. “As plataformas que vão ser bem sucedidas no futuro são as que conseguirão dominar os desafios de ser banco sem agência”, completa.
O BTG tem a vantagem de já ser um banco há mais tempo, mas seu principal concorrente em investimentos para pessoa física não é do tipo que se importa muito com história. Pelo contrário, é sedento por construir uma nova história no setor que atua. Desde que recebeu, em outubro do ano passado, todas as licenças finais para se tornar um banco múltiplo, a XP Inc. criou a XP Empresas, área cujo foco é o atendimento a grandes companhias.
Os pequenos e médios negócios, contudo, a XP deixou para seus parceiros, os agentes autônomos. Não há um público-alvo, mas em termos de PJ interessa mais ter como cliente os com faturamento anual acima do milhão de reais, patamar em que não apenas precisa de ajuda na gestão do caixa, como também já consome outros produtos financeiros.
Segundo Gabriel Leal, sócio e diretor da XP, 25% dos negócios da rede de parceiros já são feitos com pessoas jurídicas.
“Temos uma equipe dedicada a dar suporte, desenvolver produtos e ajudar no atendimento à nossa rede de parceiros que atende empresas”, comenta o executivo. “Sempre oferecemos a plataforma de investimento para empresas que possuem caixa, área que somos competitivos, e este ano entramos no mercado de crédito para empresas via Banco XP e oferecendo também suporte com a área de mercado de capitais [para emissões de dívida, por exemplo]. Isso sem contar câmbio e derivativos para empresas que já temos”, explica Leal.
No mês que vem, a XP vai lançar também a antecipação de recebíveis para empresas como um produto que todos os escritórios de agentes autônomos parceiros vão poder oferecer.
A estratégia de avanço por meio desse canal de distribuição é bem óbvia: usar o que os assessores têm de mais valioso, uma grande rede de contatos e um forte relacionamento com investidores pessoas físicas que também são empresários e administram companhias.
“A gente não dava foco para a área corporativa até janeiro deste ano, mas já atendíamos as PJs dos nossos clientes com investimentos. Desde que a XP virou banco, temos algo a mais a oferecer, a reciprocidade; se o cliente precisar de uma linha de crédito, emprestamos com o dinheiro que ele tem investido com a gente como garantia. Ele não precisa tirar o dinheiro daqui e as taxas são atrativas”, comenta com o Valor Investe Wagner Vieira, sócio e fundador da Bluetrade, escritório de AAI com sede em Ribeirão Preto (SP) que gerencia uma carteira de mais de R$ 5 bilhões.
Segundo Vieira, o escritório percebeu o potencial que este outro público tem e “está trabalhando forte” os serviços para empresas dentro da parceria com a XP.
Outros quatro escritórios com quem o Valor Investe conversou também estão vendo potencial neste novo público: o Fatorial Investimentos, InvestSmart e Monte Bravo, ligados à XP, e o ONE Investimentos, associado ao BTG.
“Nossos clientes são majoritariamente pessoas físicas em volume e em número, mas o foco nos dois – PF e PJ – faz parte. As pessoas jurídicas também podem abrir contas e fazemos o acompanhamento do caixa da empresa É sinérgico”, diz André Rosa, CEO da One.
Jurídica crescendo mais do que a física
A InvestSmart inclusive já tem especialistas para atender pessoas jurídicas e diz que o segmento cresce mais do que o de pessoas físicas hoje, muito porque parte de uma base também bem menor. “Ao longo do caminho achamos que vai equilibrar os dois públicos. Estamos seguindo em PJ o mesmo caminho que PF e queremos atender com uma gama completa de serviços”, comenta Samyr Castro, da InvestSmart.
A Monte Bravo, um dos maiores escritórios da XP com R$ 9,5 bilhões na carteira, explica que as empresas ainda buscam mais ajuda com gestão de caixa e reserva financeira, serviços “que não têm carinho tão grande por parte dos bancos”, nas palavras de Pier Mattei, sócio e fundador do escritório, que também tem uma equipe dedicada ao público. “Nosso foco está mais no 'middle corporate', negócios com faturamento anual entre R$ 300 milhões e R$ 1 bilhão”, diz o executivo.
Fonte: Valor Investe