O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) do Brasil manteve nesta quarta-feira (16) a meta para os juros básicos (Selic) em seu piso histórico de 2% ao ano, tocado pela primeira vez 42 dias atrás.
É a taxa de referência mais baixa desde 1999, quando o nível de preços no Brasil passou a ser controlado pelo regime de metas de inflação.
A decisão unânime, no entanto, não colocou um ponto final na sequência de cortes iniciada quando imaginar uma pandemia como a atual era coisa só de roteirista de cinema, em agosto de 2019.
Sinalizações feitas no comunicado anterior foram repetidas neste. Ou seja, de acordo com o BC, o espaço para novos cortes, "se houver, deve ser pequeno". Mas há. A expectativa era de que essa indicação pudesse desaparecer.
De maneira mais enfática do que no comunicado anterior, a autoridade monetária indicou que "apesar de uma assimetria em seu balanço de riscos, o Copom não pretende reduzir o grau de estímulo monetário, a menos que as expectativas de inflação estejam suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária."
Ou seja, se o espaço para cair mais existe, para subir, por ora, não.
E, de novo, os estímulos foram condicionados à saúde das contas públicas. "Essa intenção é condicional à manutenção do atual regime fiscal e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo." Ou seja, à manutenção do teto de gastos e, portanto, da confiança dos agentes econômicos.
"Não se descartou um possível novo corte, embora não pareça ser o cenário-base", diz Daniel Herrera, analista da Toro Investimentos. "Eles monitoram dois riscos principais, o risco fiscal, por entender que ainda são necessárias reformas, e a pressão inflacionária, sobretudo por causa dos alimentos."
Para Thomás Gibertoni, especialista da Portofino, o Banco Central se mostrou "confortável" com o nível estimulativo de juros no Brasil.
"Está em vista ainda um desemprego bastante elevado, deixando bem claro que não deve subir juros no curto prazo", diz. "Ficou demonstrada alguma tranquilidade com a inflação de curto prazo, destacando que a inflação deve seguir baixa, apesar das altas dos alimentos e algum pressão vinda de serviços."
Alexandre Espirito Santo, economista da Órama Investimentos, acredita que a manutenção dos juros foi "adequada".
"Bastante coerente com o cenário atual de pandemia e fraqueza da economia", diz. "A recuperação econômica ainda parece muito incerta, em velocidade e intensidade, o que prescreve uma política monetária estimulativa, por outro lado, mais cortes poderiam ser uma ousadia excessiva, no momento de fortes altas de preços importantes".
"Chamaram atenção as projeções feitas para inflação", diz João Mauricio Rosal, economista-chefe da Guide Investimentos. "Ficou claro que o BC entende que o choque que estamos observando agora nos preços, com alimentos e alguns ouros itens são estritamente de curto prazo, é a nossa visão também."
Não só entre os diretores do BC a decisão foi sem discórdia. No mercado, de 79 porta-vozes de diferentes casas de análise consultadas pelo Valor PRO, apenas a Oxford Economics mirava projeções em novo corte de 0,25 ponto, caso da reunião anterior.
Em seu último comunicado, há 42 dias, o "ajuste residual" do BC não surpreendeu. No entanto, o teor do comunicado, sim.
Estava tudo certo para aquele corte ser sinalizado como o último - como foi. Mas a autoridade monetária preferiu reabrir a possibilidade de novos estímulos. Ficou registrado no texto que a maior crise desde 1930, sem precedentes para várias gerações, poderia vir a exigir medidas tão severas quanto.
Por outro lado, o BC também alertava compartilhar das preocupações que passaram a tirar o sono de vez de investidores no Brasil em agosto.
Por mais que novos remédios à uma economia doente fosse necessários, a debilidade das contas públicas poderia impedir o tratamento. Sob o risco de, ao aumentar a dose de estímulos, a autoridade monetária colocar tudo a perder.
- Sendo aqui mais objetivo: o BC condiciona, como aliás já vinha fazendo desde o governo Temer, cortes de juros à manutenção de reformas no Congresso, que contenham gastos, e aos esforços do próprio Planalto em preservar o teto constitucional erguido em 2017, para ajudar a conter o endividamento federal. Por circunstâncias da crise, só neste ano, a dívida pública brasileira deve saltar da casa dos 85% do PIB às redondezas dos 100%.
A meta do Banco Central neste ano é entregar uma variação média dos preços medida pela IPCA de 4% em 12 meses, com intervalo de tolerância de entre 2,5% e 5,5%. A última medição feita IBGE, medida pelo IPCA, aponta inflação abaixo do piso da meta em agosto, de 2,44% ao ano.
A ideia de ter juros baixos, em linhas gerais, é simples. Diminuir o custo de empréstimos e financiamentos para estimular o consumo, de modo que os preços voltem a se aquecer. Ao passo que, subir juros, tende a forçar o efeito contrário.
Outro efeito esperado por estímulos monetários é que ações e e outros ativos "reais", como imóveis e mesmo ouro, mantenham fôlego, dadas as poucas opções melhores na renda fixa.
LEIA A ÍNTEGRA DO COMUNICADO
Em sua 233ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 2,00% a.a.
A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:
No cenário externo, a retomada da atividade nas principais economias, ainda que desigual entre setores, em conjunção com a moderação na volatilidade dos ativos financeiros, tem resultado em um ambiente relativamente mais favorável para economias emergentes. Contudo, há bastante incerteza sobre a evolução desse cenário, frente a uma possível redução dos estímulos governamentais e à própria evolução da pandemia da Covid-19;
Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentes sugerem uma recuperação parcial, similar à que ocorre em outras economias. Os setores mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem deprimidos, apesar da recomposição da renda gerada pelos programas de governo. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais;
O Comitê avalia que a inflação deve se elevar no curto prazo. Contribuem para esse movimento a alta temporária nos preços dos alimentos e a normalização parcial do preço de alguns serviços em um contexto de recuperação dos índices de mobilidade e do nível de atividade;
As diversas medidas de inflação subjacente permanecem abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;
As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 1,9%, 3,0% e 3,5%, respectivamente;
No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 2,1% para 2020, 2,9% para 2021 e 3,3% para 2022. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2,00% a.a. e se eleva até 2,50% a.a. em 2021 e 4,50% a.a. em 2022; e
No cenário com taxa de juros constante a 2,00% a.a. e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação situam-se em torno de 2,1% para 2020, 3,0% para 2021 e 3,8% para 2022.
O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.
Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado, notadamente quando essa ociosidade está concentrada no setor de serviços. Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.
Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. Adicionalmente, os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos. Esse conjunto de fatores implica, potencialmente, uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.
O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.
Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica de juros em 2,00% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022.
O Copom entende que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno. Consequentemente, eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva.
De forma a prover o estímulo monetário considerado adequado para o cumprimento da meta para a inflação, mas mantendo a cautela necessária por razões prudenciais, o Copom considera apropriado utilizar uma "prescrição futura" (isto é, um "forward guidance") como um instrumento de política monetária adicional. Nesse sentido, e apesar de uma assimetria em seu balanço de riscos, o Copom não pretende reduzir o grau de estímulo monetário, a menos que as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estejam suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária, que atualmente inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022. Essa intenção é condicional à manutenção do atual regime fiscal e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.
Fonte: Valor Investe