Notícias

No mercado de ações, o mais importante é não perder dinheiro

Quinta, 27 Agosto 2020

O pensamento mais comum na hora de entrar na renda variável costuma ser que ali, no mercado de ações, é onde se ganha dinheiro. Quem nunca imaginou ficar rico investindo na bolsa? Mas profissionais gestores de fundos pensam diferente.

Para muitos deles, principalmente os mais conservadores, o maior desafio não é ganhar dinheiro, mas deixar de perder. O mais importante é evitar o lado ruim do risco, não só buscar o que ele pode oferecer de bom.

"É uma disciplina de evitar perdas ou pelo menos minimizar essas perdas. A gente tenta ser sempre defensivo, não perder dinheiro. Essa é a filosofia que a gente aplica. No campo dos gestores de ações, se você imaginar, somos muito conservadores como alocadores de capital", diz Alexandre Rezende, da gestora Oceana Investimentos.

Ele participou de um painel sobre a importância de olhar os fundamentos das empresas na escolha de ações, no evento de investimentos Tag Summit, na noite de quarta-feira.

Segundo Rezende, a escolha de cada ação é carregada de estudos de cada detalhe sobre a empresa, que ajudam a reduzir o máximo possível a chance de perda de capital. Rezende diz que projeta um cenário bastante pessimista e testa se os números da empresa passariam pela dificuldade e ainda trariam ganhos.

Se a resposta for sim e os ganhos reais (já descontada a inflação) ficarem acima de 7%, a decisão é pela compra do papel. Do contrário, os riscos são altos demais.

Por falar em riscos, ao contrário do que muito investidor pensa, volatilidade não é sinônimo de risco. Pelo contrário, os sobes e desces são uma vantagem da renda variável. O verdadeiro perigo mora em empresas com números ruins e gestão que não valoriza pessoas e talentos.

"Volatilidade vai acontecer e é um grande aliado do investidor e gera oportunidade. O que não pode ter é perda de capital ou investimentos mal sucedidos ao longo do tempo", avalia.

"Uma boa empresa é uma construção histórica. Você tem pessoas extraordinárias, que desenham negócios extraordinários e atraem outras pessoas extraordinárias. É um ciclo que se retroalimenta. O componente “gente” é algo que acompanhamos com muito detalhe. É um elemento chave porque você vai escolher quem vai ser seu sócio."

Fabiano Custódio, gestor da Miles Capital, também afirma que evitar perdas deve ser uma prioridade sempre. E que o risco de compras de oportunidade deve ser muito bem calculado.

"Em alguns momentos você vai fazer alocação de oportunidade para ter uma rentabilidade, que faz com que o fundo avance, mas sempre lembrando que proteção de capital é a regra número um", afirma Fabiano Custódio, gestor da Miles Capital.

Ensinamentos das finanças pessoais também se aplicam no mercado de ações, como cautela, estudo, colocar tudo no papel e na ponta do lápis e saber diversificar. Para Custódio, por exemplo, um fator de proteção importante na hora de evitar perdas é o tamanho das posições em determinados ativos.

A perda ou o ganho de um ativo não deve ditar a performance do fundo. É melhor reduzir a influência de cada um para atenuar possíveis prejuízos. Ou seja, diversificar para poder amortizar possíveis quedas acentuadas em um só ativo.

Custódio diz ainda que ao avaliar os fundamentos e cenários de cada empresa a decisão de compra se baseia numa possibilidade de prejuízo muito menor que a possibilidade de lucro.

Ele cita o caso da Sabesp e empresas de saneamento, que são na maioria estatais. Para ele, mesmo que as coisas azedem e as privatizações não caminhem as chances de ganhos ultrapassam muito o risco de perdas.

"Se nada acontecer, privatização, melhora de governança tem pouco lado ruim. Poderia cair uns 10% num cenário ruim e mais que dobrar num cenário bom", calcula.

Num momento de crise como esse da pandemia de covid-19, Custódio diz que optou em seguir em posições de mercados mais estáveis, fortes e empresas sólidas. Pelo sim, pelo não, a regra número um é evitar prejuízos.

De acordo com o gestor Cassio Bruno, da Moat Capital Gestão de Recursos, uma das maneiras de evitar o verdadeiro risco é entender o preço real do papel, para saber o quanto é possível ganhar com ele ao logo do tempo.

"A gente procura entender a assimetria daquele investimento. É como se a gente fizesse a conta de trás pra frente pra ver o que o preço da ação significa no lucro futuro da companhia. Olhamos variáveis impactantes na companhia para entender o que está no preço", diz.

Escolha de ações

Para Rezende, da Oceana, o mercado de capitais do Brasil não funciona bem com a ideia de previsão, adivinhação. As maiores das companhias dos anos 1990, por exemplo, as de telecomunicações, hoje já não estão na ponta. Por isso, ele defende que em vez de tentar saber qual será a próxima moda e onda, ele se apega aos números reais, do tempo e em empresas que priorizaram 'fazer caixa", em vez de gastá-lo.

Na visão de Custódio, da Miles, não basta se ater aos números e resultados das empresas. É preciso ir além, entender o contexto político e macroeconômico. Por mais que uma empresa pareça muito boa no papel, o cenário pode dar pistas de uma mudança brusca para ela.

"Olhamos diversas métricas, checamos com reguladores, fornecedores, toda a cadeia envolvida quando vamos fazer posições mais estruturais, do que fazer uma analise macro e política do momento", diz. Ele cita como exemplo ações da Petrobras, em período eleitoral, que exigem maior cuidado.

Custódio diz ainda que há empresas de tecnologia e princípios sustentáveis ESG (Environmental, Social and Governance na sigla em inglês) não são moda, mas uma tendência. Por isso, também são fatores importantes na hora de eleger ativos.

Cassio Bruno, da Moat, diz que todos os detalhes das empresas devem ser vistos, desde as pequenas variações que podem interferir na qualidade do produto até o movimento do mercado global. Só que nada disso vale no curto prazo se o gestor não entender como o mercado vai reagir.

"A gente olha tudo, mas na verdade só poucas variáveis o mercado é capaz de realmente acompanhar numa companhia. A gente vai atrás da mudança de percepção do mercado. Entender porque vai mudar, quando e quais os gatilhos", afirma.

 

Fonte: Valor Investe