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Com mais acionistas pessoas físicas, bancos reveem comunicação

Segunda, 24 Agosto 2020

O diretor de relações com investidores do Bradesco, Leandro Miranda, encerrou a maratona de divulgação do balanço do segundo trimestre comentando os resultados do banco em uma “live” para 10 mil participantes.

Àquela altura do dia, o executivo já havia participado de teleconferências com jornalistas e analistas e de reuniões com fundos. Mas faltava falar com um público que tem peso crescente na base acionária da instituição financeira: a pessoa física.

Foi a primeira vez que o Bradesco fez um evento desse tipo, uma resposta ao crescimento de quase 60% no número de acionistas pessoas físicas do banco na primeira metade deste ano.

“Antigamente, não tínhamos com esse público a mesma atenção e sofisticação que tínhamos no relacionamento com investidores institucionais”, reconhece Miranda. “Agora, estamos fazendo um esforço para ter mais contato.”

A mudança vem a reboque do salto no número de CPFs registrados na B3, que chegou a 2,8 milhões no fim de julho. Como os bancos têm peso na composição do Ibovespa, atraem uma parcela significativa dos investidores que estão chegando à bolsa neste mundo de juros baixos. E, para testar a paciência de quem está chegando, ocorre num momento de pressão sobre os papéis das instituições financeiras.

A base de pessoas físicas do Bradesco subiu de 404,8 mil no fim de dezembro para 630,4 mil na metade deste ano. No Itaú Unibanco, o número dobrou em 2020, para 471 mil. O Banco do Brasil (BB) viu o total de acionistas individuais passar de 484 mil para 664 mil no mesmo período. O Santander contabilizou alta de 32% no semestre.

As ações de bancos sempre estiveram no radar de quem opera na bolsa, e o aumento dos retornos e do "payout" (lucro que será distribuído sob a forma de dividendos) das instituições financeiras serviram como atrativos extras nos últimos anos. Em 2018, o Itaú distribuiu 89,2% do lucro recorrente aos acionistas. No ano passado, o Bradesco devolveu 68,8% do resultado. O trabalho das plataformas de investimentos e das próprias instituições financeiras também alimenta esse interesse. “Há um esforço maior junto ao varejo. Tem muita gente trabalhando com isso”, afirma Daniel Maria, gerente-geral de relações com investidores do BB.

No caso do Banco do Brasil, a oferta secundária de ações realizada no ano passado também deu sua contribuição. A participação do varejo no “free float” (ações em circulação no mercado) da instituição, que era de 12% em janeiro de 2019 agora é de 22,9%.

As pessoas físicas têm ocupado espaços deixados pelo investidor estrangeiro, ressabiado com os rumos do país e da agenda fiscal. Mas a expectativa nos bancos é que elas tenham chegado para ficar. Por isso, as instituições financeiras vêm repensando a forma de se comunicar com o mercado para atender esse público, nem sempre familiarizado com o beabá do setor.

De olho nesses novos acionistas, o BB começou a publicar no ano passado uma versão compacta de seus resultados trimestrais, com no máximo três páginas — contra as centenas do balanço completo. A ideia, segundo Maria, é oferecer os principais pontos de forma simplificada. As Apimecs, reuniões com analistas e investidores, já eram transmitidas pela internet, mas o encontro deste ano (por imposição da pandemia) já será totalmente digital, segundo Janaína Storti, gerente-executiva de gestão da informação e relacionamento com o mercado investidor do BB.

Porém, ainda há um processo de entendimento. “Estamos conversando internamente para fazer abordagens junto a esse público pela internet”, diz Maria. “Sempre fomos ativos em falar com o mercado. O aprendizado agora é como usar a tecnologia a favor disso.”

O Itaú criou um grupo de trabalho para implementar melhorias no site de relações com investidores, no relatório anual, na apresentação institucional e nas mídias sociais — canais que considera os mais relevantes no contato com as pessoas físicas. Também fez uma pesquisa para identificar o perfil e as demandas desse público. “Temos investido em comunicação via podcast e vídeos para o LinkedIn”, diz Renato Lulia, chefe da área de relações com investidores.

De acordo com o executivo, o banco alterou sua estrutura para concentrar o atendimento a investidores pessoas físicas e jurídicas numa mesma área e foi criada uma gerência para questões ESG (critérios ambientais, sociais e de governança). O objetivo é implementar todas as mudanças até 2021.

As redes sociais estão no cardápio dos bancos, mas por meio dos perfis corporativos. Não há canais específicos de relações com investidores. “No futuro, pode fazer sentido”, diz Maria, do BB.

Tarefa redobrada

A tarefa dos bancos de se comunicar com os novos investidores tem sido dobrada. Quem entrou no setor achando que teria retorno rápido se frustrou. Se o cenário para o setor financeiro em 2019 já parecia mais duro com o aumento da competição e mudanças regulatórias, a pandemia levou o conceito de ano difícil a outro nível.

Os quatro maiores bancos de capital aberto (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander) tiveram, juntos, queda de 32,5% no lucro recorrente do primeiro semestre, para R$ 28,4 bilhões — refletindo as provisões que fizeram para se proteger de uma alta na inadimplência ainda incerta.

Em paralelo, o Banco Central limitou a remuneração dos acionistas ao previsto na lei (25% do lucro) ou nos estatutos sociais, jogando por terra qualquer perspectiva de dividendos generosos. As dúvidas sobre o cenário econômico e político também não ajudam.

Diante disso, as ações do setor estão descontadas. Os papéis acumulam no ano quedas que vão de 32,94%, no caso do Itaú, a 38,3%, no Santander — desempenho pior que o do Ibovespa (-12,21%). Múltiplos de preço/lucro e preço/valor patrimonial das ações também refletem essa desvalorização.

Em evento do Santander, o presidente do banco, Sérgio Rial, afirmou na sexta-feira que os investidores têm sido “cautelosos” em relação ao setor, e perguntou aos seus concorrentes se não há um exagero nisso. Em resposta, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., disse que há uma “cautela exacerbada” não só pela perspectiva de alta da inadimplência, mas por dúvidas sobre a capacidade do setor de se adaptar à transformação tecnológica. Para ele, essa leitura é equivocada. “Os bancos brasileiros já mostraram milhões de vezes que são capazes de se reinventar e de se adaptar”, afirmou Lazari.

Na mesma ocasião, Candido Bracher, presidente do Itaú, disse que o comportamento das carteiras de crédito dirá se os papéis foram excessivamente punidos. “Fizemos provisões que, vistas hoje, parecem confortáveis.”

 

Fonte: Valor Investe