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Investimento no exterior cresce e aparece como nunca se viu antes

Quinta, 20 Agosto 2020

Em tempos de juros na mínima histórica, os brasileiros despertaram para a busca do “santo graal” dos investimentos, conforme definição de Ray Dalio, fundador do Bridgewater, o maior “hedge fund” do mundo. Na visão do famoso gestor americano, o cálice sagrado das estratégias de alocação é fazer uma ampla diversificação internacional.

Do ano passado para cá, tem havido uma aceleração da entrada de recursos em carteiras com exposição ao exterior como nunca se viu antes. Os números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) dão uma ideia do movimento.

Em 12 meses até julho, nada menos que R$ 62,8 bilhões em recursos migraram para fundos de investimento com alocação em ativos fora do Brasil, ou seja, 34,8% acima dos R$ 46 bilhões de captação líquida que esses fundos alcançaram em dois anos, de 2018 a 2019. Desse total, R$ 36 bilhões foram aplicados apenas em sete meses deste ano, mais que os R$ 31 bilhões acumulados em 2019 inteiro.

Com a Selic em 2% ao ano, a maior parte dos investimentos tradicionais de renda fixa pós-fixada mal cobre a perda com a inflação — no relatório Focus do Banco Central, que reúne o consenso do mercado sobre indicadores macroeconômicos, a previsão para o IPCA no fim de 2020 está em 1,63%. A percepção de retorno tão tênue ou até inexistente, quando se consideram as taxas cobradas em alguns produtos, tem levado a uma migração de recursos para opções com maior potencial de ganhos, caso dos fundos internacionais.

Desse modo, mesmo com restrições regulatórias — que determinam que as carteiras classificadas como investimento no exterior sejam dirigidas ao público qualificado, com mais de R$ 1 milhão em patrimônio financeiro —, o segmento vem ganhando novos nomes e mais diversidade.

Segundo levantamento do J.P. Morgan Asset Management, considerando-se as gestoras de recursos internacionais puro-sangue, sem ligação com bancos, o setor chegou a julho com 67 fundos disponíveis no Brasil e R$ 14,9 bilhões em recursos. Só neste ano, houve um crescimento de 76% e, em 12 meses, de 110%. Há três anos, eram 23 portfólios que reuniam R$ 4,4 bilhões em ativos.

Para Giuliano De Marchi, executivo-chefe do J.P. Morgan Asset na América Latina, as parcerias feitas por distribuidores como XP Investimentos e BTG Pactual Digital com casas globais é que têm fomentado o setor. “Parece haver uma tormenta perfeita, com os juros baixos, a legislação se abrindo e as plataformas criando um cenário meio sem volta”, afirma.

Comparando-se o que há por aqui, com 24 gestoras estrangeiras independentes mapeadas, e o que se tem no Chile, por exemplo, com 80 nomes num mercado que é uma fração do brasileiro, há ainda muito o que avançar.

“É bom para todo mundo e vai representar uma competição pesada para os gestores brasileiros”, diz De Marchi. “O Brasil é ainda muito fechado, tem mais de R$ 5 trilhões em fundos, mas segue muito concentrado.”

Ele cita que esse é um segmento dominado, de um lado, por gestoras de grandes bancos, e de outro por assets locais independentes, com poucas ou uma única estratégia. A abertura do mercado representaria uma maior concorrência para o setor como um todo.

Pelo levantamento do J.P., entre as casas internacionais, os maiores patrimônios em portfólios globais são da Pimco (R$ 3,1 bilhões), J.P. (R$ 2,1 bilhões), Schroders (R$ 2 bilhões), Western (R$ 1,9 bilhão) e Wellington (R$ 1,4 bilhão) — esta última cresceu rapidamente ao entrar na distribuição da XP.

É na crise que se voa

O responsável por fundos internacionais da XP, Fabiano Cintra, afirma que os benefícios para as carteiras de alocar parte dos recursos em outros países ganham ainda mais relevância em momentos de crise. “Investir uma parte do portfólio fora protege a carteira contra uma concentração no risco doméstico, mas, além disso, no longo prazo também aumenta o retorno composto”, explica.

A XP conta com R$ 6,5 bilhões na família de fundos que investe exclusivamente no exterior, tanto na renda fixa quanto em ações ou multimercados. Há sete meses, em janeiro, o volume era de R$ 1,26 bilhão. Apenas em julho, a plataforma captou R$ 1 bilhão em 45 fundos internacionais disponíveis.

Já a plataforma digital do BTG Pactual, em pouco mais de dois anos, firmou parcerias com seis grandes gestoras internacionais, que juntas somam mais de US$ 2 trilhões sob gestão no mundo, como T Rowe Price, Oaktree, Mobius, Robeco e Pictet . Segundo o diretor de vendas internacionais do banco, Marcos Pimentel, os ativos sob gestão dos portfólios internacionais cresceram duas vezes e meia em julho comparado ao que o banco tinha no fim de 2019.

O diretor de distribuição de varejo e canais digitais do banco, Caio Mantovani, afirma que o fluxo de negociação de cotas de fundos das casas internacionais tem crescido de modo quase exponencial nos últimos dois anos. O volume diário médio saiu de R$ 50 mil, em 2018, para cerca de R$ 4 milhões em julho.

Apesar do movimento já forte, Pimentel acredita que o fluxo vai acelerar nos próximos anos. “A maior parte dos fundos internacionais lançados no Brasil tem menos de três anos de ‘track record’ [histórico]. Conforme as pessoas forem analisando desempenho e volatilidade e como isso se enquadra dentro da carteira vai crescer muito a diversificação. Estamos só no início desse processo”, diz.

Na grade do J.P. Morgan há sete produtos, com o Global Select, uma parceria com o Banco do Brasil, sendo um dos destaques nos últimos seis meses, com o patrimônio chegando a R$ 1,1 bilhão. Há ainda o Global Income, um multimercado balanceado, e uma estratégia macro nas versões com e sem hedge cambial.

A Franklin Templeton, outra casa internacional com presença no Brasil, tem desde opções menos líquidas como fundos de crédito “high yield”, “distressed” ou de eventos, com prazo de carência de cinco ou seis anos, até as alternativas de maior liquidez. É ainda esse o bloco que tem mais apelo para o investidor brasileiro, afirma o presidente da gestora americana no Brasil, Marcus Vinícius Gonçalves.

Nem a pandemia atrapalhou

Os dados da Anbima mostram ainda um crescimento expressivo das aplicações brasileiras em fundos de renda fixa com exposição internacional. Segundo a entidade, a categoria “renda fixa investimento no exterior”, na qual os portfólios aplicam acima de 40% em ativos estrangeiros, exibia um patrimônio líquido de R$ 684,7 milhões no fim de julho de 2019. No fim do mês passado, ou seja, em um ano, o valor saltou para R$ 2,453 bilhões, alta de 258,26%.

De julho de 2019 para cá, com exceção de março, quando os mercados globais foram tomados pelo pânico da pandemia, todos os meses apresentaram crescimento expressivo nessa categoria. Em 12 meses até julho, as carteiras de renda fixa investimento no exterior captaram R$ 1,323 bilhão, dos quais R$ 1,136 bilhão neste ano. Só de junho a julho, o aumento foi de 16%, conforme a Anbima.

O tipo “ações investimento no exterior” também cresceu no mesmo período. O patrimônio líquido aumentou 22,6%, de R$ 71,32 bilhões, em julho de 2019, para R$ 87,058 bilhões, em julho de 2020. Dos R$ 10 bilhões que a categoria ganhou em 12 meses, metade foi aportada neste ano.

Na mesma toada, o tipo “multimercados investimento no exterior” saiu de um patrimônio líquido de R$ 392,1 bilhões em julho de 2019 para R$ 503,937 bilhões no mesmo mês deste ano. Houve entrada de R$ 50,606 bilhões em 12 meses, dos quais R$ 30 bilhões em 2020.

A quantidade de fundos nas três categorias subiu 14,4% de julho de 2019 para o mesmo mês de 2020, segundo os dados mais recentes da Anbima. Em números absolutos, o grupo de fundos classificados como investimento no exterior saiu de 4.662 para 5.333 portfólios.

Os fundos de renda fixa com ativos de fora do país mais que dobraram, de 10 para 22 no período, enquanto os de ações no exterior saíram de 310 para 422 carteiras. A classe mais populosa, a dos multimercados com exposição internacional, cresceu de 4.342 para 4.885 fundos disponíveis no mercado brasileiro, de acordo com a Anbima.

Na outra ponta, a principal classe de perfil conservador apresentou saída líquida de recursos entre fim de julho de 2019 e o mesmo mês de 2020. A maior categoria da indústria de fundos, a “renda fixa duração baixa grau de investimento”, em que pelo menos 80% da carteira está aplicada em títulos públicos no Brasil, registrou uma queda de 22,6% no patrimônio líquido. Trata-se de uma redução de R$ 154,8 bilhões em 12 meses. Só em sete meses de 2020, a baixa foi de R$ 152,648 bilhões.

 

Fonte: Valor Investe