Notícias

Em alta, investimento no exterior requer cuidados com impostos e sucessão; entenda

Quarta, 19 Agosto 2020

Há uma nova palavra de ordem nas recomendações de analistas e influencers e nas ofertas das plataformas digitais: incluir na carteira investimentos no exterior, para diversificação de risco frente a possíveis choques internacionais (como a covid-19) ou nacionais (com os quais estamos habituados), em um momento em que o investidor procura manter o retorno em meio aos juros baixos.

Mas será que esse incentivo vem com suficiente instrução? Além de uma possível falta de familiaridade com a economia e os negócios de outros países, o brasileiro estimulado a aplicar além-mares está a par das exigências que pode sofrer na hora de pagar impostos ou em caso de morte?

Tendência crescente

Segundo Melo, entre os destinos preferidos da clientela estão mercados como os Estados Unidos, a Europa e a Ásia.

Nos EUA, Roberto Lee, CEO da Avenue Securities, que tem mais de 120 mil clientes, reforça a percepção de aumento da demanda. “Em 2018, mais brasileiros passaram a investir nos EUA do que na soma de todos os anos anteriores”, afirma. Faltava infraestrutura para democratizar ainda mais o acesso, diz, e ela chegou: “A oferta já existia para clientes muito ricos e começa a chegar ao varejo”.

Para entender os riscos de acessar ativos em outro país, é preciso conhecer as quatro formas mais fáceis de fazer isso.

1) Fundo brasileiro que investe no exterior

A pessoa física brasileira pode comprar (em reais) cotas de um fundo no Brasil, regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que aplique os recursos em ativos em outro país – ações ou cotas de fundos no estrangeiro.

É a maneira mais “papai e mamãe” de se investir no exterior: tributação e sucessão funcionam exatamente como em quaisquer aplicações em fundos no Brasil.

Mas muda a alíquota: enquanto nos fundos de investimentos brasileiros os ganhos no resgate são tributados entre 15% e 22,5%, a depender do prazo da aplicação, nos fundos de investimentos no exterior, liquidações ou resgates são tributados sempre em 15% sobre o lucro. Essa conta considera a variação dos investimentos em reais, e o investidor é que tem a obrigação de recolher o imposto até o ultimo dia útil do mês seguinte ao da operação.

Uma desvantagem dessa forma de investir no exterior, diz Melo, “é que não é o investidor quem escolhe a alocação nos ativos, mas o gestor do fundo”. Outro revés é o custo mais alto, com duas taxas de administração: a do fundo local e a do estrangeiro no qual aquele investe. “É a forma menos eficiente em termos de retorno”, diz Lee, da Avenue.

2) Investimento direto em ativos estrangeiros

A segunda maneira de investir no exterior consiste em abrir cadastro em uma corretora no país e transferir dinheiro para essa conta (mediante operação de câmbio) para, então, adquirir lá fora os ativos – ações, debêntures, cotas de fundos etc.

Em comparação com os fundos locais, as vantagens são taxas de administração menores e autonomia na alocação. “Essa modalidade é central na nossa oferta de serviços; é o jeito mais simples e rentável”, defende Lee, da Avenue.

Desvantagens são a tributação dos rendimentos em base mensal (veja abaixo os casos de isenção) e uma possível falta de familiaridade com o mercado de destino, que podem demandar gastos com especialistas em investimentos e em impostos. É uma lacuna que algumas corretoras vêm tentando suprir: “Temos enviado aos clientes relatórios fiscais que os ajudam nessa tarefa”, comenta Lee.

Ainda no aspecto fiscal, a pessoa física que tenha aplicado diretamente no exterior e lá receba dividendos deverá pagar carnê-leão conforme a tabela progressiva do IR para rendimentos mensais, ou a versão para rendimentos anuais em caso de ajuste na declaração do imposto de renda:

Especialistas envolvidos com o assunto descrevem um forte aumento da procura nos últimos três anos. “As plataformas digitais têm oferecido mais produtos, e há mais interesse dos clientes”, diz Christiano Chagas Monteiro de Melo, sócio do escritório Demarest, que tem entre seus clientes fundos, gestoras e investidores individuais.

Mudou, ele diz, a motivação da aplicação no exterior: “Nos anos 1980 e 1990, o interesse estava ligado ao medo de confiscos pelo governo, como o Collor fez. Hoje, a procura se dá pela queda na taxa de juros a 2%. É uma busca menos ligada à segurança e mais à rentabilidade”.

Já na hipótese de rendimentos periódicos, como os pagos por alguns títulos de dívida privada ou pública, incide imposto à alíquota fixa de 15% sobre o valor recebido, e também cabe ao investidor efetuar o pagamento via carnê-leão.

Eventuais ganhos de capital – em vendas de ações, por exemplo – são tributados a alíquotas entre 15% e 22,5%, dependendo do valor da operação:

Em outros países, como os EUA, não há a isenção mensal sobre o lucro com vendas de ações. Por outro lado, na prestação de contas aqui, essa isenção mensal sobe para R$ 35 mil quando se tratar de liquidações de aplicações no exterior, contra os R$ 20 mil de isenção mensal nas operações com ações brasileiras.

Melo, do Demarest, lembra que nessa alternativa de investimento direto, há custo adicional do IOF (imposto sobre operações financeiras) no câmbio para disponibilidade no exterior, de 1,1%, contra os usuais 0,38%.

Com relação aos dividendos recebidos lá fora, Melo explica que pode haver imposto de renda retido – nos EUA, essa alíquota varia entre os Estados, mas fica em torno de 30%. Em todo caso, o imposto pago no exterior é compensável no Brasil. No exemplo do dividendo americano, a retenção de lá (30%) seria compensada com teto do IR daqui (27,5%).

Por outro lado, o investimento direto no exterior gera mais implicações em caso de morte do que a aplicação em fundos brasileiros que invistam lá fora – veja a seguir.

3) Investimento no exterior via empresa

A terceira forma mais recorrente de acessar outros mercados consiste em criar uma empresa para que ela compre ativos no exterior. Nesse caso, a pessoa física faz um contrato de câmbio para enviar dinheiro para a conta bancária da companhia, a título de aumento de capital, e a pessoa jurídica faz as aplicações.

Essa opção, segundo Melo, costuma envolver a criação de empresas (“offshores”) em países de baixa tributação – os populares paraísos fiscais – e a abertura de conta bancária no país de destino. Brasileiros costumam abrir “offshores” em países do Caribe, como as Ilhas Cayman, com contas bancárias nos EUA, para investir em ações americanas.

A vantagem é a postergação (o termo fiscal é “diferimento”) dos impostos. “O brasileiro só é de fato cobrado quando recebe dividendos da ‘offshore’ ou quando resgata cotas do capital dela”, explica Melo. Em ambos os casos, sobre os valores recebidos incide a alíquota cheia do IR (27,5%).
“Esse veículo é muito eficiente, mas funciona melhor para dois perfis: ou o 'trader' que compra e vende muito – e, com a ‘offshore’, fica desobrigado de recolher imposto a cada operação –, ou o investidor com mais de US$ 1,5 milhão; abaixo disso, não compensa os custos contábil e de manutenção da empresa”, explica Lee, da Avenue.

Por outro lado, essa opção tem desvantagens no caso de morte do investidor, já que a transferência aos herdeiros das ações da ‘offshore’ pode demandar um inventário no país onde a empresa foi registrada, segundo as regras locais.

4) Investimento em ativos no exterior via BDRs

Essa é uma maneira nova de o investidor de varejo aplicar em ativos no exterior, autorizada pela CVM este mês: adquirir BDRs (Brazilian Depositary Receipts), como são chamados os depósitos de valores mobiliários que permitem acessar ações, fundos de índice (ETFs, fundos negociados em bolsa) e títulos de dívida no exterior.

As regras, válidas a partir de 1º de setembro, também permitirão que empresas brasileiras listadas no exterior emitam seus BDRs no mercado local.

Com a mudança, o BDR Nível 1 — que dá acesso a empresas como Google, Amazon e Microsoft — poderá ser comprado por investidores de varejo, e não mais somente por qualificados (que possuem mais de R$ 1 milhão em aplicações). Também será permitida a criação de títulos lastreados em ETFs e a emissão de BDRs lastreados em títulos de dívida para companhias abertas registradas na autarquia (leia mais).

Aplicações com “sucessão direta” evitam inventário

Por razões como falta de planejamento, diferenças culturais e uma relutância em ponderar a própria morte, ainda é pouco frequente, segundo os especialistas, que brasileiros querendo investir no exterior antevejam o que será preciso fazer e pagar em caso de sucessão.

As armadilhas, aqui, são a burocracia e o custo fiscal. De um lado, alíquotas muito mais altas cobradas por outros países sobre a transmissão por morte. De outro, a possível necessidade de abrir um inventário em outro país.

Enquanto no Estado de São Paulo o imposto sobre heranças (ITCMD, que também afeta doações) é de 4%, em certos Estados americanos chega a 40%, e é maior ainda na Ásia e na Europa. A filosofia por trás disso é a escolha dessas sociedades por desencorajar a transmissão geracional de patrimônios e fomentar a livre iniciativa, a distribuição de renda e a ascensão social por meio de trabalho, não de herança.

Para quem cogita investir lá fora, o potencial efeito disso é um aumento de custos que reduza o retorno obtido.

No exemplo dos EUA, Lee, da Avenue, explica que o imposto sobre herança tem parcelas isentas. Americanos residentes no país só pagam o tributo no que exceder US$ 5,5 milhões por pessoa, ou US$ 11 milhões por casal (esse teto foi ampliado recentemente pelo presidente Donald Trump).

Já para estrangeiros nos EUA a isenção é de apenas US$ 60 mil. Todo o restante do investimento por lá será taxado em 40%, em média, caso o investidor morra.

Embora defenda que o recolhimento é simples, Lee alerta: é preciso ter esse custo em mente. “É um processo simples e rápido. O herdeiro faz uma declaração em uma unidade do Fisco americano descrevendo as aplicações e paga 40% de tributo. O desafio é deixar isso claro para o cliente, pois no Brasil não estamos acostumados com esse imposto”, explica.

Já com relação ao inventário, há três formas de evitá-lo, em vida, para que os herdeiros possam reaver aplicações no exterior.

A primeira é criar um “living trust”, como são chamadas as estruturas societárias que reúnem ativos em uma empresa que tem como acionistas o investidor e os herdeiros. Esta opção requer assessoria societária, fiscal e contábil, e, por isso, costuma ser mais usada por pessoas muito ricas.

A segunda opção, aceita por alguns bancos, corretoras e custodiantes, é fazer aplicações conjuntas, em nome do titular e do/a cônjuge, que prevejam direitos ao sobrevivente.

Nos EUA, uma terceira forma de evitar um inventário para acessar aplicações de alguém que morreu são as contas TOD (do inglês “transfer on death”, para “transferência em caso de morte”), que preveem beneficiários diretos, inclusive em proporções acertadas antes. “Nesses casos, o herdeiro evita o espólio, mas ainda tem de pagar os impostos”, explica Lee.

 

Fonte: Valor Investe