A crise do novo coronavírus reacendeu a demanda de pequenos investidores por barras de ouro físico, e não apenas pelo investimento "virtual" no metal. É isso mesmo, em pleno 2020, há cada vez mais brasileiros comprando ouro para guardar em casa. No pano de fundo, estão a busca por um investimento seguro ou o desejo de ganhar com as cotações, que têm alcançado novos patamares históricos. A cotação do metal precioso negociado em Nova York superou os US$ 2 mil por onça-troy pela primeira vez na última semana e soma alta de mais de 30% em 2020.
No Brasil, investidores individuais podem apostar no ouro sem precisar tomar conta das barras, por meio de fundos que investem no metal, oferecidos por bancos e gestoras, ou comprando contratos financeiros de ouro na bolsa brasileira. E vêm fazendo isso em grande volume nos últimos meses. Mas ainda há quem goste de comprar ouro físico, o investimento mais antigo do mundo. Grandes bancos não vendem mais barras de ouro e dá para contar nos dedos as distribuidoras autorizadas a comercializar ouro físico no Brasil. Mas elas existem.
Na Ourominas, a venda de ouro físico pelo site para investidores individuais disparou 75% na pandemia. Antes, a empresa comercializava cerca de R$ 800 mil por mês, em média. A partir de março, passou a vender R$ 3 milhões por mês, em média. Segundo a empresa, durante a pandemia, 300 clientes por mês, em média, vêm comprando barras de ouro na distribuidora, e a maioria gasta R$ 10 mil em barras de 30 gramas, para presentear alguém.
“Não foram só os aplicativos de comida que tiveram crescimento de delivery. As nossas entregas também tiveram um salto na grande São Paulo. Tivemos até que contratar mais pessoas e, mesmo assim, era o dia inteiro fazendo entregas”, diz Mauriciano Cavalcante, diretor de câmbio da Ourominas.
O ouro não rende juros nem dividendos, ou seja, as pessoas que compram o metal (físico ou virtual) estão em busca de reserva de valor ou de uma aposta na valorização para venda futura. Nas crises, a procura pelo metal símbolo de valor e pureza aumenta porque o ouro não é devido por um governo ou um banco. E um perfil típico entre os compradores é o da pessoa que teme que todo o sistema financeiro entre em colapso, apesar de essa possibilidade ser remota. Para eles, as barras de ouro são vistas como uma boa forma de proteção.
“Os investidores são desconfiados, querem ter o negócio na mão, guardar com eles. É a mentalidade do pequeno investidor brasileiro. As pessoas compram para proteger seu dinheiro e se sentem mais seguras do que investindo em bolsa”, diz Cavalcante.
Na Parmetal, a procura por ouro físico também aumentou na pandemia, tanto de pessoas que já conheciam a modalidade de investimento quanto de novos investidores. De acordo com a empresa, as pessoas costumam alocar cerca de 10% de seu capital disponível para investimentos em ouro, ou seja, quem compra ouro também aplica em outros produtos.
A distribuidora diz que, no passado, o perfil dos investidores eram homens com idade superior a 50 anos, mas que hoje, pessoas de menos idade e mulheres também se interessam por barras de ouro.
Na Reserva Metais, a procura por ouro físico no site dobrou desde o início de março. Na instituição financeira, a maioria dos compradores ainda são homens endinheirados com mais de 40 anos. “Fizemos vendas consideráveis de ouro para pessoas físicas em valores acima de R$ 1 milhão nesse período. Pessoas de patrimônio mais robusto estão considerando o investimento para composição de portfólio”, diz Edson Magalhães, operador da Reserva Metais.
Como guardar e vender ouro
As distribuidoras vendem barras de ouro a partir de um grama, que hoje custa cerca de R$ 350, até um quilo: R$ 350 mil. O spread, ou seja, a diferença praticada pelas empresas entre o preço de compra e o de venda de ouro é em torno de 5%, similar ao que se pratica no dólar turismo.
A maioria das pessoas guarda seu tesouro em casa, segundo as instituições financeiras, apesar do risco e da complicação. A recomendação é manter o sigilo e guardar em um cofre ou até debaixo do piso.
O Banco do Brasil oferece um serviço de custódia, ou seja, de guardar barras de ouro em seus cofres, mas somente para clientes que são correntistas e compram o metal na forma escritural na instituição. Ouro escritural é a modalidade em que não há vinculação do lastro a barras de ouro específicas. Por essa custódia, é cobrada uma taxa de 0,15% ao mês.
As distribuidoras compram as barras de ouro de quem quiser se desfazer das suas na hora, e pagam o vendedor imediatamente, desde que a pessoa comprove a origem do metal com a nota fiscal, o certificado ou a declaração de Imposto de Renda. Cada empresa recompra ouro vendido por ela ou por outras instituições financeiras. As barras não precisam estar lacradas e as distribuidoras verificam, com uma balança hidrostática, se elas são realmente ouro fino.
O que diz a psicologia econômica
Mesmo com tantas novas alternativas de investimentos acessíveis, pequenos investidores correm para o ouro físico porque têm uma parte da mente infantil, segundo a psicologia econômica. “É como uma criança. Não adianta dizer para ela que daqui seis meses ela vai ter um presente, que ela fica maluca, porque não está ali, na mão”, diz Vera Rita de Mello Ferreira, consultora, palestrante e professora de psicologia econômica e colunista do Valor Investe.
Sentir o investimento nas mãos traz um gosto maior do que ter uma aplicação financeira intangível, segundo Vera. O ouro é bonito, reluz, o que traz uma satisfação imediata. Além disso, a humanidade reverencia o ouro e sua valorização foi construída culturalmente. “É uma ilusão”, diz a professora.
Vale a pena ter barras de ouro?
Diante das perspectivas de juros baixos por um período prolongado de tempo, o ouro é uma opção de investimento atrativa para quem quer ter uma carteira balanceada e tentar retornos mais altos, com a queda do rendimento da renda fixa. No entanto, grande parte dos consultores financeiros não recomenda comprar barras de ouro.
“Existe um componente psicológico fortíssimo na ideia de que ouro é reserva de valor, a civilização vai entrar em colapso e o dinheiro vai sumir. Mas não recomendo comprar ouro físico. É um investimento inconveniente”, diz André Massaro, consultor financeiro.
Segundo Massaro, a percepção de que guardar ouro físico é super seguro, baseada no passado, é falsa. De acordo com o consultor financeiro, além de não ser seguro, o ouro físico não gera renda, e essa é a sua principal desvantagem. E se o metal vale muito hoje, amanhã pode não valer mais.
“Ouro não tem valor intrínseco, ninguém come o metal ou se veste com ele. Ele tem valor porque o mundo concorda em acreditar que ele tem valor”, diz.
Para quem quer diversificar os investimentos e apostar na valorização do ouro, em vez de manter o tesouro em casa, Massaro recomenda investir em fundos de investimento lastreados em contratos financeiros de ouro. Dá para investir com a partir de R$ 500 em fundos de ouro em grandes bancos ou em plataformas de investimento como Órama, XP e BTG.
Os fundos de ouro eram um mercado ínfimo, mas que vem crescendo neste ano. Em dezembro de 2019, o patrimônio líquido dos fundos de ouro era de R$ 575 milhões, segundo a base de dados da Morningstar. De lá até o fim de julho, o patrimônio passou para R$ 3,04 bilhões. Ou seja, saltou mais de quatro vezes.
O número de cotistas também quadruplicou. Os 33,7 mil cotistas no fim do ano passado se transformaram em mais de 136,6 mil em pouco mais de um semestre.
Vale observar que a rentabilidade dos fundos de ouro pode ser diferente. Enquanto alguns rendem a variação do ouro no mercado internacional mais a variação do dólar, outros não possuem exposição à variação entre o dólar e o real. O ouro tende a subir quando o dólar sobe. Por isso, os fundos que dão a variação do ouro em reais tendem a subir mais nos momentos de alta, mas cair mais quando a movimentação é oposta.
Assim como ações, o ouro pode apresentar bastante volatilidade de preços. Assim, é indicado para quem já possui outras aplicações financeiras de risco. O recomendado é investir entre 5% e 10% do patrimônio em ouro, não mais do que isso.
Os maiores donos de ouro do mundo são os bancos centrais e os fundos de investimento. No exterior, os fundos que compram barras do metal, em vez de apenas derivativos financeiros atrelados à matéria-prima, têm adquirido volumes maiores do ouro neste ano, uma vez que os investidores passaram a colocar mais dinheiro neles. Mas, no Brasil, os fundos de investimento aplicam em contratos futuros de ouro.
Pessoas físicas também podem comprar contratos financeiros de ouro na bolsa brasileira. Porém, o principal contrato, equivalente a uma barra de 250 gramas, custa quase R$ 90 mil hoje. Outros contratos têm pouca liquidez, ou seja, é difícil de vender.
Fonte: Valor Investe