Notícias

Pequeno investidor vai poder comprar ações gringas na bolsa, mas é uma boa ideia?

Quarta, 12 Agosto 2020

Se você já sentiu uma pontada de inveja dos investidores com acesso a ações de empresas como Amazon e Netflix, que acumulam altas de 66,7% e 44,3% neste ano, seus problemas acabaram.

A partir de 1º de setembro entram em vigor as novas regras para negociações de BDRs (Brazilian Depositary Receipts) para pequenos investidores, o que abrirá caminho para investimentos em ações, ETFs (fundos de índices) e títulos de dívida no exterior.

O anúncio das mudanças, que já eram esperadas, foi amplamente comemorado por um mercado que vem demonstrando cada vez mais apetite pela diversificação e disposto à tomada de risco em busca de retornos maiores.

"É a forma mais barata possível para diversificar portfólio em geografias diferentes, porque não tem que abrir conta lá fora, não tem custos extras. Quando compra BDR já está diversificando em dólar. Isso é uma coisa muito boa para o investidor", diz Luiz Aires, chefe da área de relações com investidores da RPS, gestora de fundos.

Além de abrir portas para diversificação em outro país e moeda, o brasileiro poderá ter acesso a setores que ainda engatinham no mercado doméstico. Com a mudança, os investidores poderão surfar na onda das grandes empresas de tecnologia no mundo, com destaque para a “Big Tech” nos Estados Unidos.

“É mais uma opção para diversificar, você olha esse ‘boom’ da tecnologia no mundo, aí olha para a bolsa brasileira, e fica limitado”, diz Rafael Panonko, chefe de análise da Toro. “Um risco, no entanto, é o cambial, é o investidor no Brasil precisa prestar atenção nisso.”

Conforme Panonko lembra, a renda dos brasileiros é em reais, enquanto os preços de ações de empresas internacionais são nas respectivas moedas. Logo, podem sofrer forte oscilação, a depender do jogo de forças entre o real e outras moedas.

“Mas não tem como fugir desse risco, e a diversificação, justamente, mitiga bastante esses problemas”, diz Panonko.

Diversificar é preciso, mas antes de sair fazendo uma lista de compras de BDRs, procure entender se o seu perfil de investidor tolera esse tipo de risco, que envolve a renda variável em dólar.

O investidor de BDR pode ganhar ou perder não apenas com a valorização ou desvalorização da empresa lá fora, mas também com a alta ou a queda do dólar no Brasil. Ou seja, pode ganhar duplamente, perder duplamente ou uma coisa pode compensar a outra.

Depois de avaliar se você topa esse risco, é preciso alinhar o investimento ao objetivo. Renato Chanes, estrategista de pessoa física da Santander, recomenda investir em BDRs para quem tem algum objetivo relacionado ao exterior.

Pode ser alguém que esteja pensando em se aposentar e ir morar lá fora ou alguém que tenha um filho que vai fazer intercâmbio, por exemplo. “Mas primeiro, tem que ter apetite por risco. Não recomendo investir sozinho neste momento, só sob supervisão de especialista.”

Nem se deslumbre com os investimentos "made in USA". "Tem coisa ruim lá fora também", diz Marcelo D´Agosto, consultor financeiro e colunista do Valor Investe, que recomenta buscar um especialista. "Não vale a pena escolher sozinho", diz.

Alberto Amparo, analista de investimentos no exterior da Suno Research, é mais um que acha que o investidor precisa ter cuidado para escolher BDRs sozinho.

“Se você não entende do modelo de negócio, não sabe o que a empresa que você está comprando faz, não invista. Só compre o BDR se você souber como a empresa ganha dinheiro e quanto ela está valendo”, diz Amparo.

O novo cardápio

Atualmente estão disponíveis no mercado brasileiro mais de 500 BDRs, sendo a grande maioria do tipo “não patrocinado”, ou seja, que não precisa necessariamente da anuência da empresa para ser negociado aqui.

Entre eles estão nomes conhecidos dos brasileiros, como Disney, Coca-Cola, Amazon, Google (Alphabet), Uber, Twitter e Facebook, mas há diversas outras multinacionais e grandes companhias não apenas americanas, mas também europeias e asiáticas.

Outros exemplos são a siderúrgica ArcelorMittal, a plataforma chinesa de comércio eletrônico Baidu, a empresa de alimentos Kellogg's, a rede de lojas de departamento Macy’s, a empresa de pagamento Visa, as multinacionais de cuidados pessoais Kimberly-Clark e Unilever, a fabricante de máquinas agrícolas Caterpillar e por aí vai.

Até o setor financeiro está ali, assim como a indústria de investimentos: há BDRs do Santander, Morgan Stanley, BlackRock e da Berkshire Hathaway, holding do investidor Warren Buffet.

Em coletiva de imprensa ontem, os porta-vozes da B3 explicaram que os BDRs de empresas europeias e asiáticas, que são a minoria, são emitidos a partir dos ADRs (American Depositary Receipt), títulos emitidos por empresas listadas fora dos EUA nas bolsas americanas.

Segundo Mario Palhares, diretor de Produtos Listados da B3, isso facilita o lançamentos de BDRs aqui porque as bolsas Nasdaq e Nyse já seguem altos padrões de qualidade e estão alinhadas em legislação com a regulamentação brasileira.

Hoje são três bancos que emitem BDRs no Brasil: Itaú, Bradesco e o Banco B3, da própria bolsa.

Palhares e Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes e pessoas físicas, explicaram que ainda precisarão se debruçar nos próximos dias na regulamentação da B3 e definição de processos para permitir que as corretoras vendam os produtos em suas plataformas a todo mundo.

Por isso, pode ser que a venda de BDRs seja liberada alguns dias após a publicação da autorização da CVM, que vai acontecer no dia 1º de setembro.
“As corretoras também precisarão adaptar seus sistemas, mas já tivemos uma conversa prévia com o mercado, e é uma mudança bastante simples. O que queremos reforçar é que, nesse intervalo até a liberação da venda, as corretoras reforcem seus times de análise e cobertura sobre as companhias internacionais”, comentou na coletiva Paiva.

Para Luis Felipe Costa, diretor de renda variável da Genial Investimentos, a tendência é de que o número de BDRs disponíveis cresça no Brasil, impulsionado pela abertura desse mercado ao varejo.

Como investir?

Os títulos poderão ser comprados em home brokers ou por meio de corretoras, como uma ação ou outros títulos negociados em bolsa. O que os diretores da B3 reforçaram algumas vezes é que será um processo fácil e com muito menos burocracia do que investir diretamente lá fora.

Sobre o valor mínimo para investir, a B3 deve lançar a opção de mercado fracionário, mas ainda não tem detalhes sobre datas. Atualmente, o lote padrão é de 10 BDRs. Segundo os porta-vozes a ideia é tornar o BDR acessível ao pequeno investidor.

A bolsa também oferece serviço de aluguel de BDR, o que permite que o investidor local faça aposta na baixa do papel. A criação de opções de compra e venda de BDRs será analisada conforme a evolução do mercado.

“Vamos atender demandas de clientes, mas de forma gradual e avançando de forma consistente no mercado”, diz.

Os BDRs continuarão a ser negociados com o final do código de negociação (ticker) 34. Na prática, mesmo que de modo não proposital, isso serve de recado para os investidores de que aqueles papéis são diferentes de ações comuns (cujo final do ticker é costuma ser 3 ou 4). Afinal, as empresas locais estão sujeitas à regulamentação primária da CVM e divulgam informações de uma maneira, enquanto os emissores de BDRs estão sujeitos a reguladores e regras de outros países.

A B3 ainda não divulgou detalhes sobre tributação, mas adiantou que não haverá a isenção de Imposto de Renda (IR) para pessoa física, como é hoje em ações (com limite mensal de R$ 20 mil). Hoje, os BDRs são tributados em 15% nas operações que geram lucro.

Tem mercado?

Uma preocupação natural quando novos produtos são disponibilizados ao mercado geral é a liquidez, ou seja, se haverá uma garantia de que quando o investidor quiser comprar e vender terá alguém na outra ponta para fechar o negócio e sem grandes distorções de preços.

Para minimizar esse risco, é comum contratar-se formadores de mercado, que são bancos ou corretoras que se comprometem a comprar e vender conforme a demanda do mercado.

No caso dos BDRs, a B3 disse que já tem cinco formadores de mercado que atuam e continuarão atuando junto ao segmento de BDRs: Morgan Stanley, Credit Suisse, Bradesco, Virtu e o argentino Allaria.

Ao todo, o mercado de BDRs na bolsa tem um giro financeiro médio de R$ 90,3 milhões diariamente, com picos que ultrapassam R$ 100 milhões.

São cerca de 10 ml investidores que compram e vendem esses papéis na B3 e o lastro dos BDRs soma R$ 7 bilhões.

Contudo, Fábio Macedo, diretor comercial da Easynvest, destaca a liquidez como um ponto de atenção nas negociações de BDRs, especialmente logo no início deste "novo mercado".

Cesar Crivelli, analista responsável pelo Nord Global, produto com foco em investimentos no exterior da casa de análises Nord Research, também acredita que, inicialmente, os investidores vão ter dificuldade de vender suas ações por um preço justo. “Vai ter pouca gente comprando e vendendo”, diz.

Outra barreira, de acordo com o analista, é que é muito difícil para o pequeno investidor tomar a decisão de escolher em qual BDR investir e que vai demorar até o mercado evoluir nas recomendações.

Como escolher?

Ao fazer investimentos de longo prazo em ações brasileiras a orientação de analistas é estudar a empresa, o que ela faz, o mercado em que está inserida, seu desempenho nos últimos balanços, as concorrentes, entre outras coisas.

Na hora de colocar seu rico dinheirinho em um ativo "gringo" não se deixe deslumbrar e siga a mesma receita.
"Tem que conhecer minimamente o negócio que a empresa está inserida, já que estamos falando de empresas globais. É fazer essa governança para saber onde se está investindo e por quê", afirma Macedo.

Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV, destaca que o investidor não deve colocar todo o seu dinheiro em BDRs, afinal, é ainda um investimento de risco, e deve escolher alguns desses ativos para diversificar a carteira e diluir o risco.

Segundo a professora, é mais difícil investir em BDRs do que em ações de empresas brasileiras, porque é preciso entender companhias que se comunicam em outra língua e estão em outro espaço geográfico.

Nesse sentido, Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear, avalia que os interessados em BDRs de empresas americanas, por exemplo, podem encontrar obstáculos se não falar inglês.

"O investidor precisa entender o mercado em que atua e a barreira da linguagem pode ser relevante", diz Cooke, da Vitreo, destacando que apenas fatos relevantes dessas empresas serão traduzidos, o que é importante, mas não entrega todas as informações de mercado e concorrência que devem ser levados em consideração na hora de investir.

Além disso, os relatórios dessas empresas têm outra estrutura. “Nada impede que o investidor que tiver confiança, alinhado ao perfil de risco, aposte que a Amazon vai se valorizar sem muita reflexão. Mas é uma aposta e depende da disposição do investidor de aceitar o risco’, diz.

Quando a BDR pertencer a uma empresa brasileira listada lá fora, Guilherme Cooke, sócio da Vitreo, diz que o investidor deve se perguntar as razões para a companhia ter procurado outro mercado. Segundo ele, algumas regras de governança são diferentes nos EUA e no Brasil, incluindo regras de composição de controle, o que pode ajudar a entender as escolhas, além de preço e mercado.

Primeiras da lista

O pequeno investidor brasileiro vai sair de um leque de 350 empresas de capital aberto na bolsa para um acréscimo de mais 500 empresas estrangeiras praticamente do dia para noite. Por onde começar?

Primeiro, com pouca sede ao pote. Eduardo Guimarães, especialista em ações da casa de análises Levante Ideias de Investimentos, sugere investir entre 3% e 5% do patrimônio total em BDRs ou ações no exterior, de acordo com o perfil. Só quem é muitíssimo arrojado e é jovem pode investir um pouquinho mais. “Não é para ir com muita sede ao pote”, diz.

Yoshinaga , da FGV, aconselha o investidor a aproveitar a oportunidade para empresas de setores que não estão na bolsa brasileira. Por exemplo, companhias de biotecnologia, publicidade, TV a cabo, cinema e entretenimento.

Macedo, da Easynvest, destaca a "grande ‘menina dos olhos" dos EUA, que é o setor de tecnologia, com ativos como Facebook, Google e Amazon, entre outras.

"Também penso em empresas menores que acabamos não olhando, como BDRs de empresas chinesas, e outras corporações globais. Destacaria o setor de saúde também, que pode ter oportunidades de curtíssimo prazo, com toda a crise que estamos vivendo", afirma.

Luis Felipe Costa, da Genial, avalia que o investidor possa destinar aos BDRs o mesmo "pedaço" de sua carteira que estaria em renda variável dentro do país. "O BDR vai entrar no portfólio como ação ou como ETF se tiver lastro em ETF", justifica.

 

Fonte: Valor Investe